Decisão veda equiparação de seguro-garantia a depósito em dinheiro para suspensão da exigibilidade do crédito tributário

Decisão veda equiparação de seguro-garantia a depósito em dinheiro para suspensão da exigibilidade do crédito tributário

"É inviável a equiparação do seguro-garantia ou da fiança bancária ao depósito judicial em dinheiro e pelo montante integral, para efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sob pena de afronta ao artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN)."

Com esse entendimento unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento parcial a recurso do município de Porto Velho contra decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) que deferiu o pedido de duas empresas para substituir por seguro-garantia os valores depositados voluntariamente em um processo.

As empresas ajuizaram ação contra o município para discutir a base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) incidente na prestação de serviços de construção civil para a Usina Hidrelétrica de Jirau, no exercício de 2009. A fim de suspender a exigibilidade do crédito até o fim da ação de conhecimento, elas depositaram em juízo mais de R$ 17 milhões, relativos ao valor supostamente devido a título de ISSQN.

Após o trânsito em julgado, o juízo de primeiro grau deferiu o levantamento dos valores incontroversos, mas negou o pedido das empresas para substituir o saldo remanescente por apólice de seguro-garantia – decisão revertida pelo TJRO.

O município recorreu, alegando que o depósito não serviu para garantir a execução, mas para suspender a exigibilidade do crédito, não havendo previsão legal que assegure a alteração da garantia na segunda hipótese. Além disso, as questões relacionadas à substituição de garantia estão vinculadas a processos de execução ou cumprimento de sentença de natureza executória, mas, no caso, trata-se de ação de conhecimento.

O TJRO negou o recurso, levando o município a buscar a reforma da decisão no STJ.

Depósito-garantia e depósito-pagamento

O relator na Segunda Turma, ministro Herman Benjamin, ressaltou que o fato de o processo estar na fase de cumprimento de sentença não altera a natureza do instituto jurídico da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

O ministro esclareceu as diferenças entre o depósito-garantia e o depósito-pagamento. Enquanto o primeiro tem natureza processual e se dá em execução fiscal, permitindo ao executado opor embargos, nos termos do artigo 16, I, da Lei 6.830/1980, o depósito-pagamento tem natureza material e é realizado em processo de conhecimento, possibilitando apenas a suspensão da exigibilidade do crédito tributário até o fim da lide, conforme o artigo 151, II, do CTN.

Segundo Herman Benjamin, o TJRO "partiu de premissa equivocada ao considerar a hipótese como substituição de penhora, questão de natureza processual, até porque o caso não é de execução fiscal, em que poderia ser realizada penhora".

Inaplicabilidade do princípio da menor onerosidade

Quanto ao princípio da menor onerosidade, adotado pelo TJRO para deferir a substituição, o relator considerou impertinente sua aplicação no caso. Para ele, tal princípio é aplicável no processo (ou na fase processual) de execução, objetivando propiciar ao executado a utilização do meio menos oneroso, quando houver meios igualmente idôneos para a satisfação do crédito.

"A hipótese dos autos não diz respeito à responsabilidade patrimonial do devedor, em processo (ou fase) de execução, mas à utilização de depósito judicial em ação ordinária, promovido voluntariamente (o depósito) pelo contribuinte com a finalidade específica de suspender a exigibilidade do tributo (resultado que não pode ser atingido com a sua substituição por seguro-garantia) ", afirmou.

O relator lembrou ainda que "apenas o depósito judicial realizado em dinheiro e pelo montante integral é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, conforme sedimentado no enunciado da Súmula 112/STJ".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.737.209 - RO (2018/0094616-1)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE PORTO VELHO
PROCURADOR : JOSE LOPES DE CASTRO E OUTRO(S) - RO000593
RECORRIDO : CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORRÊA S/A
RECORRIDO : ENERGIA SUSTENTÁVEL DO BRASIL S/A
ADVOGADOS : ROCHILMER MELLO DA ROCHA FILHO - RO000635
ANDREI FURTADO FERNANDES E OUTRO(S) - RJ089250
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISSQN. AÇÃO ORDINÁRIA. SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. SEGURO-GARANTIA.
IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO A DINHEIRO PARA ESSE
EFEITO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 112/STJ.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Trata-se, na origem, de Ação Ordinária cujo objeto é discutir crédito tributário
relativo ao ISSQN. Para fins de suspensão da exigibilidade de tal crédito,
as recorridas depositaram em juízo R$ 17.289.420,90, correspondentes à
totalidade do valor controvertido no ano de 2009.
2. Após o trânsito em julgado, o juízo da primeira instância deferiu o
levantamento, por ambas as partes, dos valores equivalentes às parcelas
incontroversas. Quanto ao valor remanescente, foi indeferido o pedido de
substituição do saldo remanescente por apólice de seguro-garantia.
3. As empresas Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A e Energia
Sustentável do Brasil S/A interpuseram Agravo de Instrumento contra a decisão,
no qual alegaram dificuldades financeiras e pugnaram pela observância do
princípio da menor onerosidade.
4. O Tribunal a quo deu provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelas
ora recorridas e determinou a "substituição do valor remanescente do depósito
judicial pela apólice de seguro garantia ofertada."
5. O recorrente sustenta que "o depósito realizado em juízo pelas Recorridas, não
foram realizados para garantir a execução, mas sim, para suspender a
exigibilidade do crédito tributário, isto em fase cognitiva."
6. Acrescenta que "não há previsão legal referentes a substituição de garantia,
quando essa é apresentada para fins de suspender a exigibilidade do crédito
tributário, nos termos do art. 151, inciso V, do Código Tributário Nacional,
conforme decidido pelo Colenda Câmara do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de Rondônia."
DEPÓSITO-GARANTIA X DEPÓSITO-PAGAMENTO:
DISTINGUISHING
7. De acordo com a jurisprudência do STJ, os regimes jurídicos do "depósito
garantia" e do "depósito pagamento" são diversos. O "depósito-garantia", de
natureza processual, é realizado em Execução Fiscal e tem por escopo propiciar
à parte executada o acesso à via de defesa do processo executivo, isto é, a
oposição de Embargos à Execução Fiscal, nos termos do art. 16, I, da Lei
6.830/1980. O "depósito-pagamento", de natureza material, está previsto no art.
151, II, do CTN e, em processo de conhecimento, possibilita apenas a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário em discussão até o final da lide.
8. O aresto vergastado partiu de premissa equivocada ao considerar a
hipótese como substituição de penhora, questão de natureza processual, até
porque o caso não é de Execução Fiscal, mas de Ação Ordinária ajuizada
pela pessoa jurídica de direito privado, na qual não há lugar para
efetivação de penhora. 9. Observa-se que o processo originário é a Ação Ordinária
0012257-22.2010.8.22.0001, em cujos autos foi realizado depósito para fins de
suspensão de exigibilidade do crédito tributário, tema de direito material.
10. Na petição do Agravo de Instrumento interposto pela parte recorrida contra
decisão que indeferiu o pedido de substituição do substituição do saldo
remanescente por apólice de seguro-garantia, a própria parte recorrida consignou:
"O processo originário consiste na Ação Ordinária nº 0012257-22.2010.8.22.0001,
ajuizada pelas ora Agravantes em face do Município de Porto Velho, no tocante à
quantificação da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza ('ISS') incidente sobre a prestação de serviços de construção civil da
Usina Hidrelétrica Jirau ('UHE Jirau'), no exercício de 2009, tendo as ora
Agravantes depositado em juízo a integralidade do valor controvertido,
correspondente a R$ 17.289.420,90, em 13.05.2010, nos autos da Medida
Cautelar nº 0010594-38.2010.8.22.0001, preparatória da Ação Ordinária
originária."
11. Estar o processo de conhecimento na fase de cumprimento de sentença em
nada altera a natureza do instituto jurídico da suspensão da exigibilidade do
crédito tributário. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE
12. Esclarece-se o questionamento do Ministro Mauro Campbell Marques acerca
da avaliação feita pelo Tribunal de origem sob o princípio da menor onerosidade
para deferir a substituição da penhora. É manifestamente impertinente a
aplicação de tal princípio ao presente caso, conforme dito acima, pois é
equivocada a premissa adotada na Corte estadual (substituição de penhora), na
medida em que não há sequer penhora em Execução Fiscal, mas simples depósito
voluntário feito pela empresa com a finalidade específica de suspender a
exigibilidade do tributo. Reitere-se que o depósito em discussão foi realizado em
Ação Ordinária para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sob a
regência do art. 151, II, do CTN.
13. O princípio da menor onerosidade é aplicável no processo (ou na fase
processual) de execução e tem por finalidade propiciar, em favor da parte
executada, que, havendo meios igualmente idôneos para a satisfação do crédito
tributário, seja utilizado o meio menos oneroso. A hipótese dos autos, repita-se,
não diz respeito à responsabilidade patrimonial do devedor, em processo (ou fase)
de execução, mas à utilização de depósito judicial em Ação Ordinária, promovido
voluntariamente (o depósito) pelo contribuinte com a finalidade específica de
suspender a exigibilidade do tributo (resultado que não pode ser atingido com sua
substituição por seguro-garantia).
INSUBSISTÊNCIA DAS OBJEÇÕES PROCESSUAIS AO
CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL
14. As objeções ao conhecimento do apelo nobre aduzidas nas contrarrazões não
comportam amparo. As questões atinentes à aplicação das Súmulas 284/STF
(ausência de fundamentação), 7/STJ (reexame de matéria fático-probatória),
5/STJ (reexame de cláusulas contratuais), 182/STJ e 283/STF (ausência de
impugnação específica) buscam reconduzir a eventual insuficiência da
argumentação recursal em detrimento do verdadeiro objeto da discussão.
15. Não é caso de adoção da Súmula 7/STJ. Não se trata de substituição de
garantia em Execução Fiscal e, consequentemente, de aplicação do princípio da
menor onerosidade. A questão é estritamente de direito: a equiparação do
seguro-garantia ou da fiança bancária ao depósito judicial em dinheiro e
pelo montante integral para efeito de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário (art. 151, II, do CTN). 16. O Município de Porto Velho
impugnou de forma completa e pertinente o
acórdão recorrido, reforçando a necessidade do correto enquadramento da
matéria como hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e não
como mera substituição de penhora em processo executivo.
17. No que tange ao conhecimento do recurso com base na alínea “c” do
permissivo constitucional, mostram-se despiciendas as alegações das recorridas.
A frontal violação a lei federal legitima o acolhimento do apelo com fundamento
na alínea “a” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
18. A compreensão esposada pelo Tribunal estadual está em desacordo com a
pacífica orientação do STJ, firmada no Recurso Especial repetitivo REsp
1.156.668/DF (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 10.12.2010), de que é
inviável a equiparação do seguro-garantia ou da fiança bancária ao depósito
judicial em dinheiro e pelo montante integral para efeito de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, sob pena de afronta ao art. 151 do CTN.
Precedentes: REsp 1.818.637/MS, Rel. Min. Herman Benjamim, Segunda Turma,
DJe 18.10.2019; AgInt no TP 176/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira
Turma, DJe 20.11.2019; AgInt no TP 178/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa,
Primeira Turma, DJe 21.6.2017; AgInt no REsp 1.576.817/SP, Rel. Min. Og
Fernandes, Segunda Turma, DJe 11.4.2017; AgRg na MC 19.128/SP, Rel. Min.
Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 24.8.2012.
19. O aresto vergastado fez vaga menção à possibilidade de suspensão da
exigibilidade do crédito fiscal por concessão de liminar ou tutela antecipada (art.
151, V, do CTN). No entanto, acolheu o Agravo de Instrumento por entender que
o seguro-garantia se equipara ao depósito judicial para efeito de garantia do
crédito.
20. Da leitura do acórdão vergastado, depreende-se que não se está diante da
hipótese do art. 151, V, do CTN, uma vez que não foram apreciados os requisitos
referentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, essenciais à concessão
da medida liminar ou da antecipação de tutela, para fins de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário.
21. A configuração da "probabilidade de provimento do recurso" encontra óbice
na compreensão de que apenas o depósito judicial realizado em dinheiro e pelo
montante integral é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário,
conforme sedimentado no enunciado da Súmula 112/STJ: "O depósito somente
suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro."
CONCLUSÃO
22. Recurso Especial parcialmente conhecido, apenas pela alínea "a", e, nessa
parte, provido.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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