Banco não pode ser responsabilizado por cheque sem fundos emitido por seu cliente

Banco não pode ser responsabilizado por cheque sem fundos emitido por seu cliente

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou jurisprudência no sentido de que as instituições bancárias não são responsáveis por cheques sem fundos emitidos por seus correntistas, salvo se houver defeito na prestação dos serviços bancários. Para o colegiado, a relação entre o credor do cheque e o banco não se equipara à relação de consumo.

O recurso julgado pelo colegiado teve origem em ação indenizatória ajuizada por um investidor de uma empresa de factoring contra um banco. Segundo ele, a empresa – cliente da instituição bancária – emitiu um cheque para garantia de seus investimentos, o qual, no entanto, no momento da apresentação ao banco sacado, foi devolvido por falta de provisão de fundos, causando-lhe prejuízo superior a R$ 100 mil. 

O investidor alegou ser consumidor do banco por equiparação, em virtude do disposto no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por isso, para ele, a instituição bancária seria responsável por reparar os prejuízos resultantes da lesão sofrida, tendo em vista a falta de cautela na liberação de talões de cheques a seus correntistas.

Relações distintas

Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou a decisão, entendendo haver responsabilidade objetiva da instituição bancária, que, ao não fiscalizar adequadamente o fornecimento de talões ou controlar o saldo médio do usuário, acabou por contribuir para que o portador do título não recebesse a quantia devida.

Em seu voto, o relator do processo no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que existem duas relações distintas a serem consideradas nesse tipo de demanda. A primeira, de natureza consumerista, é estabelecida entre o banco e seu cliente. A segunda, de natureza civil ou comercial, é construída entre o cliente do banco – emitente do cheque – e o beneficiário do título de crédito.

Para o magistrado, na segunda hipótese, apenas cabe a responsabilização da instituição se houver comprovação de defeito na prestação do serviço bancário – o que não ocorreu nos autos, segundo ele.

"Não se vislumbra, no caso, a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários oferecidos pelo recorrente, o que, por si só, afasta a possibilidade de se emprestar a terceiro – estranho à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidor por equiparação (artigo 17 do CDC)", disse o ministro.

Conferência e pagamento

Villas Bôas Cueva lembrou que, segundo estabelecido pelo Banco Central, ao receber o cheque emitido por um de seus correntistas para saque ou depósito, cabe ao banco apenas a rotina de conferência e posterior pagamento (ou eventual devolução do título). "Inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não há falar em defeito na prestação do serviço", completou.

Além disso, o ministro afastou a alegação do credor do cheque de que o banco teria agido com displicência ao entregar grande quantidade de cheques a uma empresa com pouco tempo de abertura da conta, pois se trata de empresa de factoring – atividade em que, pela sua própria natureza, há movimentação de expressivo volume de recursos.

"O fato de a empresa emitente do cheque ser cliente do banco há poucos meses, ou mesmo de haver grande número de cheques em circulação, não leva à conclusão de existência de irregularidade na abertura da conta ou no fornecimento dos talonários, ou de qualquer outro defeito na prestação de seus serviços", apontou o relator.

Ao dar provimento ao recurso do banco, Villas Bôas Cueva também destacou que, de acordo com os elementos juntados aos autos, o prejuízo sofrido pelo investidor decorreu apenas da conduta da empresa de factoring – única responsável pelo pagamento da dívida –, não havendo, para o ministro, nexo de causalidade entre o dano e o fornecimento de cheques pela instituição financeira.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.665.290 - SC (2017/0075720-0)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : BANCO SAFRA S A
ADVOGADOS : MÁRCIO RUBENS PASSOLD E OUTRO(S) - SC012826
ALEXANDRE NELSON FERRAZ E OUTRO(S) - SC036530
OSMAR MENDES PAIXAO CORTES E OUTRO(S) - DF015553
RECORRIDO : GUILHERME CUNHA
ADVOGADO : CARLOS FREDERICO BRAGA CURI - SC025382
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS.
BANCO SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. ART. 17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação indenizatória promovida por beneficiário de cheque emitido por
empresa de factoring com o propósito de ver responsabilizado civilmente apenas
o banco sacado por prejuízos materiais alegadamente suportados em virtude da
devolução dos referidos títulos por ausência de provisão de fundos.
3. Acórdão recorrido que, atribuindo ao beneficiário do cheque devolvido a
condição de consumidor por equiparação, reconheceu a procedência do pedido
inicial ao fundamento de que o banco sacado não teria agido com suficiente
cautela ao fornecer quantidade excessiva de talonários para sua correntista.
4. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material eventualmente
causados a terceiros beneficiários de cheques emitidos por seus correntistas e
devolvidos por falta de provisão de fundos.
5. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou de ser recente a
relação havida entre o banco sacado e seu cliente, emitente dos referidos títulos,
não revela a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários e,
consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais motivos, seja o
eventual benefíciário das cártulas elevado à condição de consumidor por
equiparação. Inaplicáveis ao caso, portanto, as normas protetivas do Código de
Defesa do Consumidor.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator, com a ressalva da Sra. Ministra Nancy Andrighi. Os Srs. Ministros Marco
Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente)
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 13 de outubro de 2020(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA - Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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