Em ação sobre expurgos, sentença coletiva que reconhece obrigação líquida dispensa liquidação individual

Em ação sobre expurgos, sentença coletiva que reconhece obrigação líquida dispensa liquidação individual

Embora, em regra, a sentença proferia em ação coletiva relacionada a interesses individuais homogêneos seja genérica, fixando apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados, caso a verificação dos valores devidos demande somente cálculos aritméticos e a identificação dos beneficiários dependa apenas da verossimilhança das suas alegações, o cumprimento individual do julgado poderá ser imediatamente requerido, dispensando-se a fase prévia da liquidação.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em processo relacionado à devolução dos expurgos da correção monetária em cadernetas de poupança, determinados pelo Plano Verão (1989). A sentença coletiva definiu o índice de correção correspondente aos expurgos, que deveria ser creditado para os clientes do Banco do Brasil que fossem proprietários de cadernetas de poupança com aniversário em janeiro de 1989.

Procedimento dispensável

"Diante das especificidades de uma sentença coletiva que reconhece uma obrigação inteiramente líquida, tanto sob a perspectiva do cui quando do quantum debeatur, a liquidação é dispensável, pois a fixação dos beneficiários e dos critérios de cálculo da obrigação devida já está satisfatoriamente delineada na fase de conhecimento da ação coletiva", afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi, ao rejeitar nesse ponto o recurso do Banco do Brasil.

O recurso teve origem em ação coletiva de consumo ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). No pedido de cumprimento individual da sentença coletiva, os herdeiros do titular de uma poupança afetada pelo Plano Verão alegaram ter direito ao recebimento da diferença de correção monetária não creditada, nos termos definidos na ação.

O banco sustentou que as sentenças proferidas nas ações coletivas relativas a expurgos inflacionários têm conteúdo genérico, sendo imprescindível a instauração da fase de liquidação, em procedimento sujeito à ampla defesa e ao contraditório.

Exigência limitada

A ministra Nancy Andrighi explicou que a sentença de procedência em ações coletivas de consumo referentes a direitos individuais homogêneos é, em regra, genérica. Nessas hipóteses, afirmou, há a necessidade de superveniente liquidação, a fim de que seja apurado o valor devido a cada consumidor lesado, e também com a finalidade de se verificar a própria titularidade dos créditos pleiteados.

Entretanto, no caso dos autos, a ministra ressaltou que a sentença coletiva apontou todos os elementos para a definição de cada beneficiário e do montante da dívida, independentemente da realização de nova fase de conhecimento.

Nancy Andrighi mencionou a tese fixada pelo STJ no Tema 411 dos recursos repetitivos, segundo a qual é possível inverter o ônus da prova em favor do cliente para que o banco seja obrigado a exibir os extratos, cabendo ao consumidor apenas demonstrar a verossimilhança da alegação de que é titular do direito e qual a sua extensão.

Além disso, nos termos dos artigos 475-J do Código de Processo Civil de 1973 e do parágrafo 2º do artigo 509 do CPC de 2015, a liquidação só é exigível quando houver a necessidade de prova para a delimitação da obrigação devida; nas outras hipóteses, o devedor pode refutar as alegações do credor pelos meios de defesa disponíveis no trâmite do cumprimento de sentença.  

"A sentença coletiva já delimita quais os parâmetros de cálculo do quantum debeatur, cabendo aos alegadamente beneficiários obter, mediante operações meramente aritméticas, o montante que entendem corresponder a seu específico direito subjetivo", concluiu a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.798.280 - SP (2019/0046882-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADOS : LUIZ ANTÔNIO DE PAULA - SP113434
MARIA MERCEDES OLIVEIRA FERNANDES DE LIMA - SP082402
MARCOS LASARO SILVEIRA - SP283917
RECORRIDO : OLGA STABILE IBANHEZ - INVENTARIANTE
RECORRIDO : EDUARDO IBANHEZ NETO
RECORRIDO : GABRIEL IBANHEZ
ADVOGADOS : SINVALDO DE OLIVEIRA DIAS - SP067889
CASSEMIRO DE MEIRA GARCIA - PR042137
ELVIRA DE CAMPOS LIBERATORI - SP042137
INTERES. : ARAMIS IBANHEZ - ESPÓLIO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE
CONSUMO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE
SENTENÇA COLETIVA. EFICÁCIA DA COISA JULGADA. LIMITES GEOGRÁFICOS.
VALIDADE. TERRITÓRIO NACIONAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL.
CITAÇÃO. AÇÃO COLETIVA DE CONHECIMENTO. LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA. QUANTUM DEBEATUR. MEROS CÁLCULOS ARITMÉTICOS.
LIQUIDAÇÃO. DISPENSABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RELAÇÕES PROCESSUAIS DISTINTAS.
CABIMENTO. AGRAVO INTERNO. NECESSIDADE DE JULGAMENTO
COLEGIADO. ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INEXISTÊNCIA
DE CARÁTER PROTELATÓRIO OU MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. MULTA.
SANÇÃO PROCESSUAL AFASTADA.
1. Ação de cumprimento individual de sentença coletiva na qual se visa
executar a sentença de procedência do pedido da ação coletiva de consumo
ajuizada pelo IDEC em face do recorrente, autuada sob o número
1998.01.1.016798-9, que teve curso no Distrito Federal.
2. Recurso especial interposto em: 31/03/2016; conclusos ao gabinete em:
26/06/2019; aplicação do CPC/73.
3. O propósito recursal consiste em determinar: a) se os efeitos "erga
omnes" da sentença proferida em ação coletiva de consumo estão limitados
pela competência territorial do juiz prolator; b) se a sentença coletiva
relacionada a expurgos inflacionários demanda, necessariamente, a
passagem pela fase de liquidação; c) qual o termo inicial da fluência dos
juros moratórios na obrigação fixada em ação coletiva de consumo; d) se
são devidos honorários advocatícios no cumprimento individual de sentença
coletiva; e e) se o agravo regimental interposto pelo recorrente na origem
tinha caráter protelatório.
4. Os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não estão circunscritos a
lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido,
razão pela qual a presente sentença coletiva tem validade em todo o
território nacional. Tese repetitiva.
5. Os juros de mora incidem a partir da citação do devedor na fase de
conhecimento da ação coletiva de consumo, quando esta se fundar em
responsabilidade contratual, sem que haja configuração da mora em
momento anterior. Tese repetitiva. Tema 685/STJ.
6. Em regra, a obrigação reconhecida na sentença de procedência do pedido
de ação coletiva de consumo referente a direitos individuais homogêneos é
genérica, ocasião na qual depende de superveniente liquidação para que se
definam o cui e o quantum debeatur. Precedentes.
7. A iliquidez da obrigação contida na sentença coletiva e a
indispensabilidade de sua liquidação dependem de: a) existir a efetiva
necessidade de se produzir provas para se identificar o beneficiário,
substituído processualmente; ou de b) ser imprescindível especificar o valor
da condenação por meio de atuação cognitiva ampla.
8. No que toca à identificação do beneficiário da sentença coletiva, ao
correntista que busca a recomposição de expurgos inflacionários incumbe a
demonstração da plausibilidade da relação jurídica alegada, com indícios
mínimos capazes de comprovar a existência da contratação, devendo, ainda,
especificar, de modo preciso, os períodos em que pretenda ver exibidos os
extratos. Tese repetitiva. Tema 411/STJ.
9. Quanto à delimitação do débito, quando a apuração do valor depender
apenas de cálculo aritmético, o credor poderá, desde logo, promover o
cumprimento da sentença (arts. 475-J, do CPC/73; 509, § 2º, do CPC/15).
10. Se uma sentença coletiva reconhece uma obrigação inteiramente
líquida, tanto sob a perspectiva do cui quando do quantum debeatur, a
liquidação é dispensável, pois a fixação dos beneficiários e dos critérios de
cálculo da obrigação devida já está satisfatoriamente delineada na fase de
conhecimento da ação coletiva.
11. Na espécie, a determinação do cui debeatur depende apenas da
verossimilhança das alegações do consumidor de ser cliente do Banco do
Brasil, em janeiro de 1989 e com caderneta de poupança com aniversário
em referido marco temporal, sendo, ademais, possível obter, mediante
operações meramente aritméticas, o montante que os consumidores
entendem corresponder ao seu específico direito.
12. Como o processo coletivo se desdobra em duas fases, uma promovendo
o acertamento do núcleo homogêneo do direito coletivo e a outra
conduzindo a satisfação individual do direito, devem ser fixados honorários
advocatícios no cumprimento individual da sentença coletiva. Precedentes.
13. É inaplicável a multa prevista no art. 557, § 2º, do Código de Processo
Civil, ao agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de
origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de
permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário.
Precedentes.
14. Recurso especial PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 28 de abril de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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