Política Nacional de Turismo não impede cobrança de direitos autorais em estabelecimentos de hospedagem

Política Nacional de Turismo não impede cobrança de direitos autorais em estabelecimentos de hospedagem

As normas relativas aos meios de hospedagem previstas na Lei 11.771/2008 (Política Nacional de Turismo) não conflitam com a exigência de prévia e expressa autorização dos titulares de obras musicais para a sua execução em quartos de hotéis e motéis.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) para reconhecer a obrigação do pagamento de direitos autorais não recolhidos por um motel.

O Ecad ajuizou ação de reparação de danos contra o motel pela utilização habitual de obras musicais e audiovisuais em seus aposentos por meio de equipamentos de rádio, TV, CD e DVD, sem a autorização dos autores.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu contra a pretensão do Ecad, fazendo distinção entre o caráter individual ou coletivo do local e do uso dos equipamentos, para concluir que a simples colocação do aparelho à disposição na área interna do quarto, de uso exclusivo do hóspede, não implica execução pública das obras, como ocorreria nas áreas coletivas do estabelecimento.

Meios de hospedagem

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que é consolidada a posição do STJ de que motéis são locais de frequência coletiva.

Além disso – ressaltou –, a jurisprudência da corte prevê que, para o reconhecimento da possibilidade de cobrança, é irrelevante que a execução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva tenha se dado a partir da disponibilização de aparelho com receptor do sinal de TV a cabo ou TV por assinatura – não se confundindo a obrigação da empresa exploradora do serviço de hotelaria com a da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal televisivo.

Segundo a ministra, a particularidade da controvérsia reside no fato de que o TJSP, ao entender que os aposentos do motel correspondem a "unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede", fundamentou sua conclusão no artigo 23 da Lei 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo.

A ministra observou que o dispositivo define "meios de hospedagem" como sendo os "empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede".

"A Lei Geral do Turismo, todavia, não estabelece qualquer vedação à cobrança de direitos autorais pela execução, sem autorização, de obras musicais no interior dessas unidades habitacionais, sendo certo que permanece em vigor a norma do parágrafo 3º do artigo 68 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), bem como, por corolário, a interpretação a ela conferida por esta Corte Superior", ressaltou.

Especialidade

A relatora explicou que, para fins de remuneração do direito autoral e para efeitos de comunicação ao público, a Lei de Direitos Autorais considera, de modo expresso, hotéis e motéis como locais de frequência coletiva – o que, de acordo com as regras previstas no caput e no parágrafo 2º do artigo 68, exige que a utilização de músicas nesses locais seja prévia e expressamente autorizada pelo autor ou titular da obra.

Nancy Andrighi observou, ainda, que a Segunda Seção já estabeleceu que é devido o pagamento de direitos autorais em razão da disponibilização de aparelhos de rádio ou televisão em locais de hospedagem temporária.

"A disponibilização de televisores ou rádios em quartos de hotéis ou motéis alcança um número indeterminado de telespectadores/ouvintes, sendo certo que os hóspedes desses estabelecimentos se sucedem rapidamente na mesma unidade habitacional. Essas características demonstram que se trata, de fato, de locais cuja frequência é coletiva, ainda que, por óbvio, a ocupação dos alojamentos não seja simultânea", destacou.

Para ela, não há conflito entre o artigo 23 da Lei 11.771/2008 e a disciplina conferida aos direitos autorais pelo artigo 68, caput e parágrafos 1º a 3º, da Lei 9.610/1998, sobretudo em razão do critério da especialidade e por tratarem de temas diversos: enquanto o primeiro cuida da definição de "meio de hospedagem", o segundo trata dos deveres de quem executa obras protegidas por direitos autorais.

Em seu voto, a ministra ressaltou que Tribunal de Justiça da União Europeia, ao examinar questão idêntica, proferiu decisão nos mesmos termos, entendendo que a distribuição de sinal por meio de aparelhos de televisão, por um hotel aos clientes instalados nos seus quartos – qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal –, constitui ato de comunicação ao público.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.849.320 - SP (2019/0345160-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD
ADVOGADOS : KARINA HELENA CALLAI - DF011620
LEO WOJDYSLAWSKI - SP206971
RECORRIDO : TEXAS MOTEL LTDA - EMPRESA DE PEQUENO PORTE
ADVOGADOS : JOÃO CARLOS HUTTER - SP175887
DENY TORRES DOS SANTOS - SP363454
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ECAD. NÃO PAGAMENTO. QUARTOS DE
MOTEL OU HOTEL. TV POR ASSINATURA. NECESSIDADE DE PRÉVIA E EXPRESSA
AUTORIZAÇÃO. LEI 11.771/08. AUSÊNCIA DE REFLEXO NA COBRANÇA DE DIREITOS
AUTORAIS. ARRECADAÇÃO DEVIDA.
1. Ação ajuizada em 29/9/2013. Recurso especial interposto em 26/8/2019.
Conclusão ao Gabinete em 22/11/2019.
2. O propósito recursal, além de verificar a ocorrência de negativa de prestação
jurisdicional, é analisar se, após o advento da Lei 11.771/08, a execução de obras
musicais, literomusicais, audiovisuais ou fonogramas em quartos de hotéis e motéis
exige prévia e expressa autorização dos respectivos titulares, ensejando o
recolhimento de valores a título de direitos autorais.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente
fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de
negativa de prestação jurisdicional.
4. De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a disponibilização de
aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis e motéis autoriza a
cobrança de direitos autorais.
5. Para fins dessa cobrança, é irrelevante que a execução não autorizada de obras
musicais e audiovisuais tenha se dado a partir da disponibilização de aparelho
televisor com equipamento receptor do sinal de TV a cabo ou TV por assinatura.
Precedentes.
6. Não há conflito entre aquilo que estatui o art. 23, caput, da Lei 11.771/08 e a
disciplina conferida aos direitos autorais pelo art. 68, caput e §§ 1º a 3º, da Lei
9.610/98, sobretudo em razão do critério da especialidade e por tratarem de temas
diversos: enquanto o primeiro cuida de definição de “meio de hospedagem”, o
segundo trata dos deveres de quem executa obras protegidas por direitos autorais.
Precedentes.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 04 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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