Plano de saúde terá de cobrir criopreservação de óvulos de paciente até o fim da quimioterapia

Plano de saúde terá de cobrir criopreservação de óvulos de paciente até o fim da quimioterapia

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de uma operadora de plano de saúde a pagar procedimento de congelamento (criopreservação) dos óvulos de uma paciente fértil, até o fim de seu tratamento quimioterápico contra câncer de mama. Para o colegiado, a criopreservação, nesse caso, é parte do tratamento, pois visa preservar a capacidade reprodutiva da paciente, tendo em vista a possibilidade de falência dos ovários após a quimioterapia.

A operadora se recusou a pagar o congelamento dos óvulos sob a justificativa de que esse procedimento não seria de cobertura obrigatória, segundo a Resolução Normativa 387/2016 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nas instâncias ordinárias, o plano foi condenado a prestar integralmente a cobertura, ao argumento de que o procedimento solicitado pela paciente tem como objetivo minimizar as sequelas da quimioterapia sobre o seu sistema reprodutivo, não se confundindo com a inseminação artificial, para a qual a legislação não prevê cobertura obrigatória.

Procedimento excluído

Em seu voto, o ministro relator do recurso especial, Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que, de fato, a inseminação artificial é procedimento excluído do rol de coberturas obrigatórias, conforme o artigo 10, inciso III, da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).

Ao disciplinar a abrangência das hipóteses de exclusão da cobertura obrigatória, a Resolução Normativa 387/2016 da ANS inseriu no conceito de inseminação artificial a manipulação de oócitos, o que incluiria os óvulos (oócitos em fase final de maturação). Logo, a exclusão alcançaria a criopreservação, que é o congelamento dos oócitos para manipulação e fertilização futura.

Sanseverino salientou que, aparentemente, a exclusão entraria em conflito com a norma da LPS que determina a cobertura obrigatória de procedimentos relativos ao planejamento familiar, porém rememorou que, ao enfrentar tal questão, o STJ entendeu que a norma geral sobre planejamento familiar não revogou a norma específica que excluiu de cobertura a inseminação artificial.

Efeitos colaterais

O relator destacou que, como anotado pelo tribunal de origem, o pedido de criopreservação contido nos autos é peculiar, pois o mais comum é que o procedimento seja pleiteado por paciente já acometida por infertilidade – hipótese que, seguramente, não está abrangida pela cobertura obrigatória.

Para o relator – também em concordância com a segunda instância –, o fato de a criopreservação ter sido pedida com a finalidade de evitar um dos efeitos adversos da quimioterapia (a falência ovariana) faz com que ele possa ser englobado no próprio tratamento, por força do artigo 35-F da Lei 9.656/1998. "O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal – primum, non nocere (primeiro, não prejudicar) –, conforme enuncia um dos princípios milenares da medicina", afirmou.

À luz desse princípio e diante das particularidades do caso, disse o ministro, o artigo 35-F da Lei dos Planos de Saúde deve ser interpretado no sentido de que a obrigatoriedade de cobertura do tratamento quimioterápico abrange também a prevenção de seus efeitos colaterais.

Alinhamento de voto

Sanseverino declarou que estava inclinado a votar para que a operadora fosse obrigada a cobrir apenas a punção dos oócitos, deixando para a beneficiária do plano arcar com os procedimentos a partir daí, os quais – segundo seu entendimento inicial – estariam inseridos em um contexto de reprodução assistida e, portanto, fora da cobertura.

Porém, aderiu ao voto-vista da ministra Nancy Andrighi, em que a magistrada ponderou que a retirada dos oócitos do corpo da paciente seria procedimento inútil se não fosse seguido imediatamente do congelamento, sendo mais prudente condenar a operadora a custear a criopreservação dos óvulos até a alta do tratamento de quimioterapia.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.815.796 - RJ (2019/0150440-1)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : BANCO BRADESCO S/A
ADVOGADO : JAIME HENRIQUE PORCHAT SECCO - RJ129059
RECORRIDO : SIMONE FABRIS BRITO
ADVOGADOS : MELISSA AREAL PIRES - RJ167224
BRUNA DE FÁTIMA TAVARES TARGINO FERREIRA - RJ210384
KICIA MARIA CUNHA DE CARVALHO - RJ204045
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. CPC/2015. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO
QUIMIOTERÁPICO PARA CÂNCER DE MAMA RECIDIVO.
PROGNÓSTICO DE FALÊNCIA OVARIANA COMO
SEQUELA DA QUIMIOTERAPIA. PLEITO DE
CRIOPRESERVAÇÃO DOS ÓVULOS. EXCLUSÃO DE
COBERTURA. RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS 387/2016.
NECESSIDADE DE MINIMIZAÇÃO DOS EFEITOS
COLATERAIS DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO.
PRINCÍPIO MÉDICO "PRIMUM, NON NOCERE".
OBRIGAÇÃO DE COBERTURA DO PROCEDIMENTO ATÉ
À ALTA DA QUIMIOTERAPIA NOS TERMOS DO VOTO DA
MIN.a NANCY ANDRIGHI.
1. Controvérsia acerca da cobertura de criopreservação de
óvulos de paciente oncológica jovem sujeita a quimioterapia,
com prognóstico de falência ovariana, tornando-a infértil.
2. Nos termos do art. 10, inciso III, da Lei 9.656/1998, não se
inclui entre os procedimentos de cobertura obrigatória a
"inseminação artifical", compreendida nesta a manipulação
laboratorial de óvulos, dentre outras técnicas de reprodução
assistida (cf. RN ANS 387/2016).
3. Descabimento, portanto, de condenação da operadora a
custear criopreservação como procedimento inserido num
contexto de mera reprodução assistida.
4. Caso concreto em que se revela a necessidade atenuação
dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis, da
quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em
atenção ao princípio médico "primum, non nocere" e à norma
que emana do art. 35-F da 9.656/1998, segundo a qual a
cobertura dos planos de saúde abrange também a prevenção
de doenças, no caso, a infertilidade
5. Manutenção da condenação da operadora à cobertura de
parte do procedimento pleiteado, como medida de prevenção
para a possível infertilidade da paciente, cabendo à
beneficiária arcar com os eventuais custos do procedimento a
partir da alta do tratamento quimioterápico, nos termos do
voto da Min.a NANCY ANDRIGHI.
6. Distinção entre o caso dos autos, em que a paciente é fértil
e busca a criopreservação como forma de prevenir a
infertilidade, daqueloutros em que a paciente já é infértil, e
pleiteia a criopreservação como meio para a reprodução
assistida, casos para os quais não há obrigatoriedade de cobertura.
7. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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