STJ aplica insignificância em furto de R$ 70, apesar do concurso de agentes

STJ aplica insignificância em furto de R$ 70, apesar do concurso de agentes

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, determinou o trancamento de ação penal contra duas mulheres acusadas de furtar gêneros alimentícios em um supermercado no interior de São Paulo. Para o colegiado, o fato de se tratar de furto qualificado pelo concurso de agentes não impede automaticamente a aplicação do princípio da insignificância.

As mulheres foram denunciadas por subtrair dois pacotes de linguiça, um litro de vinho, uma lata de refrigerante e quatro salgados – produtos avaliados em quase R$ 70, menos de 10% do salário mínimo vigente à época.

Em primeiro grau, foi reconhecida a excludente de ilicitude prevista no artigo 24 do Código Penal (estado de necessidade), além da atipicidade material da conduta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), contudo, deu provimento ao recurso do Ministério Público e determinou o prosseguimento da ação.

No habeas corpus impetrado no STJ, a defesa alegou atipicidade material da conduta, tendo em vista o valor dos bens e o fato de que a vítima não teve prejuízo, pois tudo foi restituído.

Qualificadora

Segundo o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o direito penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.

Para o ministro, no caso analisado, as circunstâncias do crime permitem que seja aplicado o princípio da bagatela, ou da insignificância. Ele mencionou julgados da própria Quinta Turma em que o princípio foi aplicado a despeito da qualificadora do concurso de agentes.

"Na hipótese desses autos, verifica-se que os fatos autorizam a incidência excepcional do princípio da insignificância, haja vista as circunstâncias em que o delito ocorreu. Muito embora esteja presente uma circunstância qualificadora – o concurso de agentes –, os demais elementos descritos nos autos permitem concluir que, neste caso, a conduta perpetrada não apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da norma penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e seu valor reduzido", explicou o ministro.

Inexpressividade da lesão

Todavia, ao conceder o habeas corpus para trancar a ação penal, Reynaldo Soares da Fonseca ressalvou que a possibilidade de incidência do princípio da insignificância não pode tornar deficiente a proteção do bem jurídico tutelado pela lei penal.

Segundo o relator, "não se deve abrir muito o espectro de sua incidência", que precisa estar limitado a situações nas quais seja reconhecida a inexpressividade da lesão. Ele lembrou, por exemplo, que a reiteração criminosa – conforme estabelecido em diversos precedentes da Terceira Seção do STJ – inviabiliza a insignificância, salvo quando a medida se revelar socialmente recomendável no caso concreto.

HABEAS CORPUS Nº 553.872 - SP (2019/0383113-1)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
FABIO JACYNTHO SORGE - SP247667
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : ARIANA AGG NORMANTON
PACIENTE : JULIANA MASSA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS
SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO.
FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE GÊNEROS
ALIMENTÍCIOS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO
CONCRETO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo
Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de
habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No
entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista
a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da
existência de eventual coação ilegal.
2. De acordo com a orientação traçada pelo Supremo Tribunal
Federal, a aplicação do princípio da insignificância demanda a
verificação da presença concomitante dos seguintes vetores (a) a
mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma
periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão
jurídica provocada.
3. O princípio da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal,
razão pela qual não há como deixar de se analisar o passado criminoso
do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes
pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento
penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele
que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas.
4. Na espécie, a conduta é referente a um furto qualificado pelo
concurso de agentes de produtos alimentícios avaliados em R$ 62,29.
5. Assim, muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira
vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a
análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade
do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da
insignificância.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para
trancar a ação penal movida em desfavor das pacientes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não
conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Leopoldo de Arruda
Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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