Estrangeiro que trabalhou no Mais Médicos não tem direito adquirido à contratação

Estrangeiro que trabalhou no Mais Médicos não tem direito adquirido à contratação

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um médico cubano que buscava permanecer no Programa Mais Médicos. Para o colegiado, a lei que estabeleceu o programa deixou expresso que não havia garantia quanto à continuidade do vínculo de trabalho para os profissionais estrangeiros.

Na origem do caso, o médico ajuizou ação ordinária pretendendo a declaração de inexistência de relação jurídica entre a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), entidade contratante, e o governo de Cuba. O objetivo da ação era garantir a continuidade do profissional no Mais Médicos como contratado direto do governo brasileiro.

A sentença afirmou que, embora o autor da ação buscasse tratamento igualitário com os demais médicos inscritos no programa, a colaboração de profissionais estrangeiros sempre teve nítido caráter precário, não existindo direito subjetivo à prorrogação.

No recurso dirigido ao STJ, o médico cubano alegou que o inciso II do parágrafo 2º do artigo 13 da Lei 12.871/2013, que criou o programa, não faz distinção entre brasileiros e estrangeiros, e o edital lançado em 2016 não poderia ter convocado novos profissionais sem antes chamar os cooperados.

O médico declarou ainda que a contratação de profissionais estrangeiros deveria ser realizada à luz da cooperação técnica entre instituições, com base em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei 12.871/2013.

Cooperação internacional

Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, relator do recurso, o termo "cooperação" – citado pelo médico –, no âmbito dos atos administrativos, precisa ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações internacionais.

"O termo 'cooperação' não pode se restringir às especificidades do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta significado muito maior; trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma expressa do artigo 4º, IX, da Constituição Federal de 1988", explicou.

Ele destacou trechos dos artigos 17 e 18 da lei que criou o Mais Médicos, segundo os quais não há, para os médicos estrangeiros, o direito adquirido de permanecer nos quadros de agentes públicos de saúde.

"Assim, o recorrente não pode visar a sua permanência no Programa Mais Médicos para o Brasil a partir da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social", concluiu.

Não houve violação da isonomia, de acordo com o relator, pois cabe ao Poder Executivo suprir as vagas na ordem de preferência estabelecida na lei que criou o programa. O ministro considerou ainda que o Judiciário não pode intervir no juízo de discricionariedade da administração pública, salvo para a defesa dos parâmetros da legalidade.

Demais violações

Sobre as alegações adicionais feitas pelo profissional – de violação da dignidade e de salário muito inferior aos dos profissionais brasileiros –, o ministro disse que não é possível constatar as supostas transgressões.

"Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais, que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado", declarou o relator.

Da mesma forma, Mauro Campbell Marques afirmou que o valor da remuneração paga ao médico cooperado não denota violação do princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente aderiu espontaneamente aos termos da Opas.

RECURSO ORDINÁRIO Nº 213 - DF (2019/0024798-0)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : YUREX ALBERTO DIAZ MORALES
ADVOGADOS : ERFEN JOSÉ RIBEIRO SANTOS - DF026784
ANDRE DE SANTANA CORREA E OUTRO(S) - DF025610
ELIAS SOARES DA COSTA - DF033784
RECORRIDO : UNIÃO
RECORRIDO : REPÚBLICA DE CUBA
RECORRIDO : ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE - OPAS
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. "PROJETO MAIS MÉDICOS DO
BRASIL". MÉDICO DE NACIONALIDADE ESTRANGEIRA
COOPERADO. DIREITO SUBJETIVO DE PERMANÊNCIA NO
PROGRAMA SOCIAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO
PROVIDO.
1. Não há disposições constitucionais determinando a contratação de estrangeiros
pelo Poder Público no âmbito da saúde pública. Ademais, tem-se que o termo
cooperação em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei n. 12.871/2013 deve
ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações
internacionais. Assim, o termo "cooperação" não pode se restringir às especificidades
do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta
significado muito maior, trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os
povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma
expressa do art. 4º, IX, da CF/1988.
2. Não se observa desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do
valor social do trabalho. Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram
tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais,
que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado. Ademais,
o valor da remuneração líquida do médico cooperado não denota violação do
princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente
aderiu espontaneamente aos termos previstos junto à OPAS.
3. O Brasil é um Estado Democrático soberano nos termos do art. 1º, I, da CF/1988.
Logo, possui capacidade de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica,
de tal modo que qualquer regra heterônoma só possa valer nos casos e nos termos
admitidos pela própria Constituição. Nesses termos, as deliberações políticas e
legislativas do Estado Brasileiro devem ser observadas na formulação e manutenção
de políticas públicas inclusive no âmbito da saúde pública.
4. No caso dos autos, a Lei n. 12.871/2013 criou o "Programa Mais Médicos" com a
finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de
Saúde. Sem ignorar os desafios presentes na saúde pública brasileira, cabe ressaltar
que o art. 13 e seguintes da Lei n. 12.871/2013 instituiram o "Projeto Mais Médicos
para o Brasil", no qual foi possibilitada a contratação de médicos estrangeiros.
5. Entre as disposições pertinentes ao "Projeto Mais Médicos para o Brasil", a
inexistência de direito adquirido para os médicos estrangeiros de permanecer nos
quadros de agentes públicos da saúde pública foi expressamente prevista. A
propósito, os arts. 17 e 18, § 3º, ambos da Lei n. 12.871/2013. Assim, o recorrente
não pode visar a sua permanência no "Projeto Mais Médicos para o Brasil" a partir
da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social.
6. O princípio da isonomia não foi maculado em face de novo Edital impedindo a
admissão do ora recorrente, pois cabe ao Poder Executivo suprir as vagas na ordem
de preferência estabelecida no art. 13, § 1º, da Lei n. 12.871/2013. O recorrente não
se encontra em igualdade com outros médicos estrangeiros cuja contratação pode se
realizar pessoalmente, sem a intervenção de uma organização internacional.
7. O art. 13, § 3º, da Lei n. 12.871/2013 confirma a discricionariedade da
coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (exercida pelos Ministérios da
Educação e da Saúde) para o funcionamento desse programa social.
8. Não cabe ao Judiciário intervir no juízo de discricionariedade, salvo para afastar
ilegalidades. Precedentes.
9. Não demonstradas violações de preceitos constitucionais e infraconstitucionais,
não é possível garantir a permanência do recorrente no "Projeto Mais Médicos para
o Brasil".
10. Recurso ordinário não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman
Benjamin (Presidente) e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). ANDRE DE SANTANA CORREA, pela parte RECORRENTE: YUREX
ALBERTO DIAZ MORALES
Brasília (DF), 05 de dezembro de 2019.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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