Mantido indeferimento de inscrição de candidato autodeclarado pardo em concurso do TRT-RJ

Mantido indeferimento de inscrição de candidato autodeclarado pardo em concurso do TRT-RJ

O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso da União para indeferir o mandado de segurança interposto por um candidato à vaga de analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) que teve a inscrição na vaga destinada a pardos e negros indeferida pela banca examinadora. Para o colegiado, foram levados em consideração todos os critérios previstos no edital do concurso para o indeferimento.

Autodeclaração

O candidato havia se declarado pardo, mas, segundo a banca, ele não atendia aos critérios fenotípicos (características visíveis) correspondentes. No mandado de segurança, o candidato sustentou que a comissão havia utilizado critérios subjetivos para avaliá-lo. Disse que havia anexado ao pedido o certificado de reservista, que o define como de “cútis morena”, e a certidão de nascimento, emitida em 1967, “quando o sistema de cotas sequer era pensado”, da qual constava a cor parda, além de fotos de familiares e laudos médicos que justificariam a autodeclaração no ato de inscrição.  “Não há nenhum motivo para que agora, em 2018, tenha mudado de cor”, argumentou, acrescentando que a certidão tem fé pública.

O TRT concedeu a segurança e determinou sua inscrição nas vagas da cota.

Edital

No exame do recurso da União ao TST, o relator, ministro Ives Gandra, observou que a autodeclaração do candidato quanto ao seu fenótipo não é absoluta e, portanto, goza de presunção relativa de veracidade. Segundo o magistrado, é preciso confrontá-la com outros elementos (formas e critérios), “de modo a coibir eventual fraude à política estatal de ação afirmativa alusiva às cotas raciais”.

O ministro observou que a Comissão de Heteroidentificação do concurso, ao analisar, conforme previsto no edital, os traços fenotípicos do candidato e a foto tirada no momento do procedimento de aferição concluiu, por unanimidade, que ele não se enquadra nas condições de pessoa preta ou parda, nos termos da Lei de Cotas no Serviço Público (Lei 12.990/2014), por não apresentar fenótipos característicos (cabelo, nariz, cor da pele, boca, etc.).

“A   fixação do fenótipo como elemento caracterizador da diferenciação racial tem sua razão de ser, na medida em que eventual discriminação adviria da aparência pessoal”, afirmou o relator. No seu entendimento, a política de cotas visa coibir esse tipo de discriminação, “e não promover determinados seguimentos da sociedade em razão de sua ascendência racial, social ou cultural, eventualmente fundado no genótipo das pessoas”.

Ainda segundo o relator, a possibilidade de comprovar traços fenotípicos de pardo por meio de documentos constitui critério não previsto no edital do concurso. “Nos casos de racismo, ninguém é discriminado por documento, mas por aparência, e é esta que a comissão de concurso examina”, concluiu.

A decisão foi unânime, com ressalva de entendimento dos ministros José Roberto Pimenta e Cláudio Brandão.

Processo: RO-101662-28.2018.5.01.0000

REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO ORDINÁRIO
EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO
PÚBLICO NO TRT DA 1ª REGIÃO - ATO COATOR
CONSISTENTE NO INDEFERIMENTO DA
INSCRIÇÃO DO CANDIDATO EM VAGA
DESTINADA A PARDOS E NEGROS -
OBSERVÂNCIA DA LEI 12.990/14, DA
ORIENTAÇÃO NORMATIVA 3/16 DO MINISTÉRIO
DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E
GESTÃO E DO EDITAL DO CERTAME - NÃO
CARACTERIZADA A ILEGALIDADE DO ATO OU O
ABUSO DE PODER – PROVIMENTO DE AMBOS OS
APELOS – SEGURANÇA DENEGADA.
1. A Lei 12.990/14, em seu art. 1º,
dispõe que “ficam reservadas aos
negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da
administração pública federal, das
autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de
economia mista controladas pela União”.
2. O Supremo Tribunal Federal fixou a
tese jurídica de que “é constitucional
a reserva de 20% das vagas oferecidas
nos concursos públicos para provimento
de cargos efetivos e empregos públicos
no âmbito da administração pública
direta e indireta. É legítima a
utilização, além da autodeclaração, de
critérios subsidiários de
heteroidentificação, desde que
respeitada a dignidade da pessoa humana
e garantidos o contraditório e a ampla
defesa" (STF-ADC/DF 41, Pleno, Rel.
Min. Roberto Barroso, DJe de 17/08/17).
3. Por sua vez, a Orientação Normativa
3/16 do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão, vigente à
época do Concurso Público realizado
pelo TRT da 1ª Região, a qual estabelece

“regras de aferição da veracidade da
autodeclaração prestada por candidatos
negros para fins do disposto na Lei nº
12.990, de 9 de junho de 1994”, estipula
em seu art. 2º, II e § 1º,
respectivamente, que os editais de
concurso devem “prever e detalhar os
métodos de verificação da veracidade da
autodeclaração, com a indicação de
comissão designada para tal fim, com
competência deliberativa”, bem como que
as “formas e critérios de verificação da
veracidade da autodeclaração deverão
considerar, tão somente, os aspectos
fenotípicos do candidato, os quais
serão verificados obrigatoriamente com
a presença do candidato”. E tal fixação
no fenótipo tem sua razão de ser, na
medida em que eventual discriminação
adviria da aparência, sendo que a
política de cotas visa a coibí-la e não
à promoção de determinados segmentos da
sociedade em razão de sua ascendência,
fundada no genótipo das pessoas.
4. O Edital de Concurso 1/18 do TRT da
1ª Região previu expressamente que a
avaliação da Comissão quanto à condição
de pessoa negra considerará o “fenótipo
apresentado pelo candidato e foto
tirada pela equipe do Instituto AOCP, no
momento da aferição da veracidade da
autodeclaração como pessoa preta ou
parda”, e que “as formas e os critérios
de aferição da veracidade da
autodeclaração considerarão,
presencialmente, tão somente os
aspectos fenótipos dos candidatos”
(item 6.8, “c” e “d”), disciplinando,
ainda, que o candidato será considerado
não enquadrado na condição de pessoa
preta ou parda, dentre outros motivos,
quando “houver unanimidade entre os
integrantes da Comissão quanto ao não
atendimento do quesito cor ou raça por
parte do candidato” (itens 6.9 e 6.9.3).
5. In casu, o 1º Regional concedeu a
segurança para deferir a inscrição do
Candidato (ora Impetrante) no aludido
concurso, em vaga destinada a pardos e
negros, por entender que: a) para haver
a eliminação do Candidato, como prevê o
Edital do certame, é preciso que fiquem
caracterizadas a fraude e a efetiva
má-fé, após procedimento
administrativo em que lhe sejam
assegurados o contraditório e a ampla
defesa, o que, aparentemente, não
ocorreu in casu; b) da análise do
referido edital, verifica-se que não há
critérios objetivos para a constatação
se o candidato apresenta ou não o
fenótipo de pardo, limitando-se o
regramento jurídico a se reportar aos
critérios utilizados pelo IBGE, que
apenas apresenta as classificações
“branco”, “preto”, “pardo”, “amarelo” e
“indígena”; c) a avaliação de tal
condição reveste-se de caráter
altamente subjetivo, na medida em que a
Administração Pública possui o dever de
primar pela impessoalidade ao praticar
os seus atos, sendo inegável que a ampla
subjetividade de uma decisão pode
acabar por violar tal princípio,
extrapolando o limite da
discricionariedade; d) as fotos
juntadas aos autos revelam que o
Impetrante apresenta características
capazes de justificar a sua
autodeclaração da condição de pardo,
tais como o cabelo crespo e o tom da pele
de acordo com a categoria IV da Escala
de Fitzpatrick; e) na certidão de
nascimento do Candidato consta que este
é de cor parda, além de os atestados
médicos particulares juntados aos autos
também afirmarem que o Impetrante
possui fenótipos característicos de
pardo.
6. Analisados o reexame necessário e
recurso ordinário da União, conclui-se
assistir razão à Recorrente, pois: a)
considerado o arcabouço jurídico
supracitado e a tese fixada pelo STF,
nos autos da ADC 41, a autodeclaração do
candidato quanto ao seu fenótipo goza de
presunção relativa de veracidade, e não
absoluta, devendo, portanto, ser
confrontada com outros elementos
(formas e critérios), a fim de se aferir
a veracidade da informação, de modo a
coibir eventual fraude à política
estatal de ação afirmativa alusiva às
cotas raciais; b) as regras de aferição
da veracidade da autodeclaração
prestada por candidatos negros em
concursos públicos foram estabelecidas
na Orientação Normativa 3/16 do
Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão e seguidas
pelo edital e Comissão Examinadora do
TRT da 1ª Região; c) in casu, a Comissão
de Heteroidentificação do certame,
analisando tão somente, como previsto
no edital, os traços fenotípicos do
Candidato, bem como a foto tirada no
momento do procedimento de aferição,
concluiu, à unanimidade, que “o
candidato não se enquadra nas condições
de pessoa preta ou parda, nos termos da
Lei nº 12.990/2014, por não apresentar
os fenótipos característicos, tais
como: cabelo, nariz, cor da pele, boca,
dentre outros”; d) se apenas um
examinador da Comissão houvesse
considerado o Candidato pardo, ele não
teria sido excluído da participação no
concurso pelo segmento de cotas, porém,
tendo sido unânime a conclusão, tem-se
que o Poder Judiciário não pode se
substituir à Banca Examinadora para
corrigir suposto equívoco perpetrado na
avaliação dos traços fenotípicos do
Impetrante; e) o acervo fotográfico do
Candidato, a sua certidão de nascimento
e o certificado de reservista, bem como
a certidão de nascimento de sua irmã e
a carteira de identidade do seu genitor,
além dos atestados médicos
particulares, juntados no presente
writ, com o escopo de comprovar os seus
traços fenotípicos como pardo, não têm
o condão, por si sós, de modificar o
resultado da avaliação da Banca
Examinadora, pois, a contrario sensu,
se mantido o acórdão regional, tal
decisão, aí sim, configuraria flagrante
ilegalidade frente à conclusão da
Comissão de Heteroidentificação,
porquanto levado em consideração
critério não previsto no edital do
concurso, qual seja, o genótipo do
candidato. E, como se sabe, nos casos de
racismo, ninguém é discriminado por
documento, mas por aparência, e é esta
que a Comissão de concurso examina.
7. Desse modo, ante a ausência de
ilegalidade do ato ou de abuso de poder,
ambos os apelos merecem provimento, a
fim de ser denegada a segurança.
Reexame necessário e recurso ordinário
providos, para denegar a segurança.

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