Operadora de plano de saúde é condenada a reparar danos pelo rompimento de contrato sem aviso prévio

Operadora de plano de saúde é condenada a reparar danos pelo rompimento de contrato sem aviso prévio

Em razão do descredenciamento de uma clínica de fisioterapia sem que os consumidores e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fossem notificados com pelo menos 30 dias de antecedência – conforme previsto pelo artigo 17 da Lei 9.656/1998 –, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou uma operadora de plano de saúde do Rio de Janeiro a reparar todos os prejuízos sofridos pelos segurados – tanto materiais quanto morais –, os quais deverão ser comprovados pelo Ministério Público e pelos interessados na fase de liquidação de sentença.

O colegiado também determinou que a operadora observe os requisitos legais para o descredenciamento de seus prestadores de serviços, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.

O recurso julgado teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a operadora pelo descumprimento das normas de descredenciamento. Os pedidos do MP foram julgados improcedentes em primeiro grau, pois a juíza considerou que, apesar de ter havido desrespeito aos pressupostos legais, a operadora realizou aditivos contratuais com outras clínicas após a instauração do inquérito civil, e não teria havido comprometimento dos serviços que eram prestados pela clínica descredenciada.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que negou o pedido de condenação por danos morais coletivos feito pelo MP contra a operadora. Em relação aos danos morais e materiais individuais, o TJRJ entendeu que a ação coletiva proposta pelo MP não era a via processual adequada. Para o tribunal, tais danos deveriam ser apontados e apurados, se fosse o caso, mediante produção de prova da sua existência em cada caso, procedimento que ultrapassaria a mera liquidação individual de uma sentença coletiva.

Além disso, a corte fluminense entendeu que não poderia ser acolhido o requerimento do Ministério Público para que o plano somente substituísse seus prestadores de serviços mediante comunicação prévia aos beneficiários, pois considerou que o pedido deveria ser certo e determinado, não podendo ser admitido pleito condicionado à implementação de ato futuro.

Pedido abrangente

O relator do recurso do MP no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que a própria natureza da ação civil pública possibilita um pedido mais abrangente, pois sua eficácia depende de execução específica, e sua finalidade é restabelecer a situação jurídica ao seu status anterior.

No caso dos autos, o relator apontou que a operadora do plano de saúde deixou de observar os requisitos legais para o descredenciamento de seus prestadores de serviço, de forma que um dos objetivos da ação civil pública é evitar que novos ilícitos sejam perpetrados pela ré, o que justifica a intervenção do Poder Judiciário e demonstra a determinação e a certeza do pedido.

Para o ministro, os pedidos – imediato (condenação) e mediato (obrigação de fazer) – formulados pelo MP, quanto à substituição de prestadores de serviços somente após a comunicação aos beneficiários e quanto à realização de aditivo contratual, sob pena de multa diária, "preenchem os requisitos dos artigos 322 e 324 do Código de Processo Civil de 2015, quanto à sua certeza e determinação, bem como observam o princípio da adequação da tutela jurisdicional".

Danos coletivos

Em relação ao dano moral coletivo, Bellizze apontou jurisprudência do STJ no sentido de que a constatação desse tipo de dano se dá in re ipsa, ou seja, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico. Entretanto, ponderou, a sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, de maneira intolerável, os valores e interesses coletivos fundamentais, para que o instituto não seja tratado de forma trivial, especialmente em decorrência da sua repercussão social.

Nesse sentido, o relator afirmou que "a conduta perpetrada pela ré, a despeito de ser antijurídica, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social do grupo de beneficiários, assim como os seus valores e interesses fundamentais, já que não houve interrupção no atendimento do serviço de apoio médico, ainda que realizado por outras clínicas, bem como houve o cumprimento das exigências legais para o descredenciamento no transcurso da presente demanda".

Múltipla titularidade

Marco Aurélio Bellizze ressaltou que, em razão da múltipla titularidade dos direitos individuais defendidos em ação civil coletiva e das diversas maneiras como a lesão ao direito pode se apresentar para cada um de seus titulares, é impossível que a sentença coletiva estipule todos os elementos necessários para tornar o título judicial imediatamente executável.

"Há, desse modo, no âmbito da sentença genérica, deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)."

Dessa forma, disse o relator, será no momento da liquidação da sentença genérica que os interessados deverão comprovar, individualmente, os efetivos danos que sofreram, bem como a qualidade de vítima, integrante da coletividade lesada pela conduta ilícita reconhecida em sentença.

Além disso, o ministro enfatizou que a sentença genérica, uma vez configurado o caráter ilícito da conduta discutida, deve reconhecer a responsabilidade da demandada sem especificar se implica danos materiais ou morais, já que tal delimitação, assim como a comprovação, deverá ser feita pelos interessados na fase de liquidação. 

"Em conclusão, verificado o proceder ilícito da recorrida, reconhece-se a procedência do pedido de reparação de todos os prejuízos suportados pelos segurados advindos da conduta considerada ilegal, sem especificar qual espécie de dano – a ser devidamente alegado e comprovado pelo interessado na fase de liquidação de sentença, garantido o contraditório", afirmou Bellizze ao dar parcial provimento ao recurso do MP.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.072 - RJ (2019/0185366-1)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE
JANEIRO LTDA
ADVOGADOS : EDUARDO LOPES DE OLIVEIRA - RJ080687
ODETE CRISTINA LEMOS PIMENTEL - RJ107897
GISELE WAINSTOK - RJ130925
HUMBERTO SARNO ROLIM - RJ102452
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. 1. PROCESSO CIVIL.
PEDIDO CERTO E DETERMINADO. RECONHECIMENTO. CONDENAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE
FAZER. 2. DANOS MORAIS COLETIVOS. COMPROVAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. ABALO
DE VALORES FUNDAMENTAIS. INEXISTÊNCIA. 3. DANOS INDIVIDUAIS. RECONHECIMENTO
PELA SENTENÇA GENÉRICA. POSSIBILIDADE. POSTERIOR LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
NECESSIDADE. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A certeza do pedido se configura com a imposição feita ao autor de indicar, de forma
precisa e clara, a espécie de tutela jurisdicional pretendida e o resultado prático que se
alcançará. A determinação está relacionada à liquidez do objeto, isto é, à qualidade e
quantidade do bem da vida buscado.
1.1. Na espécie, os pedidos formulados pelo Parquet, quanto à substituição de prestadores
de serviços somente após a comunicação aos beneficiários e à realização de aditivo
contratual, sob pena de multa diária, preenchem os requisitos dos arts. 322 e 324 do
CPC/2015, bem como observam o princípio da adequação da tutela jurisdicional.
2. O dano moral coletivo se dá in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de dor,
sofrimento ou abalo psicológico. Entretanto, sua configuração somente ocorrerá quando a
conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais,
mediante conduta maculada de grave lesão, para que o instituto não seja tratado de forma
trivial, notadamente em decorrência da sua repercussão social.
2.1. A conduta perpetrada pela ré, a despeito de ser antijurídica, não foi capaz de abalar, de
forma intolerável, a tranquilidade social do grupo de beneficiários, assim como os seus
valores e interesses fundamentais, já que não houve interrupção no atendimento do serviço
de apoio médico, ainda que realizado por outras clínicas, bem como houve o cumprimento
das exigências legais para o descredenciamento no transcurso da presente demanda.
3. A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem
direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinar
todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em questão, passível de
imediata execução. Por tal razão, o espectro de conhecimento da sentença genérica
restringe-se ao núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na inicial, atinente,
basicamente, ao exame da prática de ato ilícito imputado à parte demandada, a ensejar a
violação dos direitos e interesses individuais homogêneos postos em juízo, fixando-se, a
partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos.
3.1. A procedência da pretensão reparatória não exime o interessado em liquidação da
sentença genérica — e não em uma nova ação individual — de comprovar o dano (se
material, moral ou estético), a sua extensão, o nexo causal deste com a conduta considerada
ilícita, além de sua qualidade de parte integrante da coletividade lesada. Diante do
reconhecimento da conduta ilícita da recorrida, afigura-se procedente o pedido de reparação
por todos os prejuízos suportados pelos segurados, mostrando-se, todavia, descabido,
especificar na sentença genérica o tipo de dano, material e/ou moral.
4. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de novembro de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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