Perda do cargo como efeito da condenação só pode atingir aquele ocupado na época do crime

Perda do cargo como efeito da condenação só pode atingir aquele ocupado na época do crime

Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cargo público, a função ou o mandato eletivo a ser perdido como efeito secundário da condenação – previsto no artigo 92, I, do Código Penal – só pode ser aquele que o infrator ocupava à época do crime.

Com base nesse entendimento, o colegiado concedeu habeas corpus para reduzir as penas e afastar a determinação de perda do cargo efetivo de duas servidoras públicas municipais condenadas pela prática do crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), cometido quando ocupavam cargo comissionado.

"A perda do cargo público, por violação de dever inerente a ele, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para a prática do delito. No caso, a fundamentação utilizada na origem para impor a perda do cargo referiu-se apenas ao cargo em comissão ocupado pelas pacientes na comissão de licitação quando da prática dos delitos, que não guarda relação com o cargo efetivo, ao qual também foi, sem fundamento idôneo, determinada a perda" – afirmou o relator, ministro Sebastião Reis Júnior.

Cargos comissionados

A controvérsia envolveu duas escriturárias efetivas que foram nomeadas para assumir o cargo de membro em comissão de licitação da prefeitura onde trabalhavam.

Nessa atividade, teriam participado de um processo fraudulento de licitação, pelo que foram condenadas a dois anos e quatro meses de detenção, no regime aberto, além da perda do cargo efetivo. O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença sob o fundamento de que a legislação impõe a perda do cargo público.

No habeas corpus apresentado ao STJ, as impetrantes alegaram que os efeitos da condenação sobre o cargo público deveriam se restringir àquele exercido quando da prática criminosa, desde que relacionado a ela – no seu caso, o cargo comissionado de membro da comissão de licitação.

Entendimento pacífico

Para o ministro Sebastião Reis Júnior, o acórdão do tribunal paulista contrariou entendimento pacífico do STJ no sentido de que a perda de cargo, função ou mandato só abrange aquele em cujo exercício o crime foi cometido, e não qualquer outro de que o réu seja detentor.

O relator reconheceu constrangimento ilegal na questão do cargo e também em relação à dosimetria da pena.

"A jurisprudência desta corte tem consolidado entendimento na linha de que eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo a sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente", destacou.

Além disso, o ministro observou que é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base, como estabelecido na Súmula 444 do STJ.

Ao conceder o habeas corpus, a turma decidiu que, quanto ao crime do artigo 90 da Lei de Licitações, a pena-base deve ser estabelecida no mínimo legal, afastada a perda do cargo público efetivo. Com a redução da pena, foi alterado o prazo de prescrição – o que resultou na extinção da punibilidade.

HABEAS CORPUS Nº 482.458 - SP (2018/0324798-2)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE : VALDECIR SEVERINO RODRIGUES
ADVOGADOS : JOSÉ RICARDO BAITELLO - DF004850
VALDECIR SEVERINO RODRIGUES - SP337354
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : SANDRA MARIA DIRESTA GALAO
PACIENTE : VERA LUCIA RODRIGUES FREITAS
EMENTA
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO
INAUGURADA A COMPETÊNCIA DO STJ. INADMISSIBILIDADE.
FRAUDE EM LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993).
PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. MANIFESTA
ILEGALIDADE. PERDA DO CARGO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA REFAZER A DOSIMETRIA E
AFASTAR A PERDA DO CARGO PÚBLICO. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA DECLARADA.
1. Foi certificado, nesta Corte, o trânsito em julgado, em 6/3/2017, do
AREsp n. 864.951/SP, em cujos autos foi declarada a intempestividade
dos recursos especiais interpostos contra o acórdão da Apelação
Criminal n. 00062110720078260358. O presente habeas corpus
impetrado em 30/11/2018 é mero sucedâneo de revisão criminal.
Incompetência desta Corte Superior para o processamento do pedido,
pois ausente julgamento de mérito passível de revisão em relação à
condenação sofrida pelas pacientes.
2. Tese relativa ao julgamento extra petita não enfrentada no acórdão
impugnado, sendo vedada, nesta Corte, a supressão de instância.
3. O cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público
como efeito secundário da condenação, previsto no art. 92, I, do Código
Penal, só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta
típica. Assim, a perda do cargo público, por violação de dever inerente a
ele, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo,
valendo-se o envolvido da função para a prática do delito. No caso, a
fundamentação utilizada na origem para impor a perda do cargo
referiu-se apenas ao cargo em comissão ocupado pelas pacientes na
comissão de licitação quando da prática dos delitos, que não guarda
relação com o cargo efetivo, ao qual também foi, sem fundamento
idôneo, determinada a perda.
4. Manifesta ilegalidade na dosimetria quando do aumento da pena-base.
Fundamentação lançada de forma vaga e genérica, sendo certo que a
ação das pacientes e dos corréus mencionados se limitou a uma única
contratação, não havendo motivação idônea, tampouco foi
individualizada a conduta a fim de justificar a exasperação imposta.
Acórdão da apelação que manteve a pena-base fixada na sentença,
considerando a alta reprovabilidade da conduta dos réus, o que também
não constitui fundamento válido, tendo em vista a ausência de indicação
de situação diferenciada, no caso concreto, a demonstrar em que
consistiria a alta reprovabilidade, a fim de justificar o aumento além
daquelas circunstâncias previstas para o próprio tipo penal.
5. É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso
para agravar a pena-base (Súmula 444/STJ). A jurisprudência desta
Corte tem consolidado entendimento na linha de que eventuais
condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas
para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na
primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se
admitindo a sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a
conduta social do agente. Precedentes
6. Refeita a dosimetria quanto ao crime previsto no art. 90 da Lei n.
8.666/1993. Pena-base fixada no mínimo legal. Sem circunstâncias
agravantes ou causas de aumento, a pena definitiva fica estabelecida
em 2 anos de reclusão, no regime aberto, mais o pagamento de 10
dias-multa, e afastada a perda do cargo público efetivo.
7. A redução da pena agora operada altera o lapso prescricional para 4
anos (art. 109, V, do CP). Entre a data do recebimento da denúncia,
13/1/2009, e a data da sentença condenatória, 14/8/2013, foi
ultrapassado o marco temporal de 4 anos, tendo-se, assim, por
consumada a prescrição da pretensão punitiva das pacientes Vera Lúcia
Rodrigues Freitas e Sandra Maria Diresta Galão, bem como dos corréus
Teófilo Rodrigues Teles e Luiz Henrique Milaré de Carvalho, em idêntica
situação fático-processual.
8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para
reduzir as penas, pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n.
8.666/1993, das pacientes Vera Lúcia Rodrigues Freitas e Sandra Maria
Diresta Galão e dos corréus Teófilo Rodrigues Teles e Luiz Henrique
Milaré de Carvalho para 2 anos de reclusão, no regime inicial aberto,
além do pagamento de 10 dias-multa, afastada, ainda, a determinação
de perda do cargo público efetivo das pacientes. Feita a redução da
pena, declarada extinta a punibilidade de Vera Lúcia Rodrigues Freitas,
Sandra Maria Diresta Galão, Teófilo Rodrigues Teles e Luiz Henrique
Milaré de Carvalho, como incursos no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, pela
prescrição da pretensão punitiva.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, não conhecer do habeas corpus, concedendo, contudo, ordem de
ofício nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Rogerio Schietti
Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Sustentou oralmente o Dr. José Ricardo Baitello pelas pacientes,
Sandra Maria Diresta Galao e Vera Lúcia Rodrigues Freitas.
Brasília, 22 de outubro de 2019 (data do julgamento).
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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