Perdimento de carro alugado usado em crime aduaneiro exige prova contra locadora

Perdimento de carro alugado usado em crime aduaneiro exige prova contra locadora

Com fundamento em duas normas que disciplinam as atividades aduaneiras e de fiscalização – o Decreto-Lei 37/1966 e o Decreto 6.759/2009 –, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser aplicável à locadora a pena de perdimento do veículo alugado que é utilizado em crime de contrabando ou descaminho, a menos que se comprove a participação da empresa no ato ilícito.

No caso analisado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) denegou mandado de segurança interposto por uma empresa de locação que buscava a liberação de veículo flagrado em crime de transporte de mercadorias provenientes do exterior sem a documentação fiscal.

De acordo com o TRF4, havia indícios suficientes de que a empresa tinha consciência do emprego reiterado de seus veículos na atividade de internalização irregular de mercadoria estrangeira, tendo em vista a multiplicidade de registros de ilícitos aduaneiros envolvendo carros da locadora em sistema administrado pelo Ministério da Fazenda.

Por isso, para o tribunal, o afastamento da pena de perdimento do automóvel locado dependeria de prova consistente da não participação do proprietário na prática do ilícito fiscal.

Atividade regular

O relator do recurso especial, ministro Gurgel de Faria, destacou que o Decreto-Lei 37/1996, em seu artigo 96, dispõe que as infrações aduaneiras de que trata estão sujeitas às penas de perda do veículo transportador, perda da mercadoria e multa, entre outras.

Todavia, em relação à perda do veículo, o ministro ponderou que o artigo 95 estabelece que respondem pela infração – conjunta ou isoladamente – o proprietário e o consignatário, quando o delito decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes.

Já o artigo 104 do Decreto-Lei 37/1966 impõe a pena de perdimento do veículo, entre outros casos, quando ele conduzir mercadoria sujeita à pena de perda e pertencer ao responsável pela infração.

Nesse sentido, Gurgel de Faria apontou que a pessoa jurídica proprietária do veículo que exerce regularmente a atividade de locação, com fins lucrativos, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação na internalização ilícita de mercadoria da própria sociedade empresária.

Ainda segundo o relator, essa exceção, na falta de previsão legal, não pode ser equiparada à ausência de investigação específica dos "antecedentes" do cliente, os quais poderiam indicar a sua intenção de praticar o contrabando ou o descaminho.

"Na hipótese dos autos, o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido não induz à conclusão de exercício irregular da atividade de locação, de participação da pessoa jurídica no ato ilícito, nem de algum potencial proveito econômico da locadora com as mercadorias internalizadas, de modo que não pode ser a ela aplicada a pena de perdimento do veículo locado", concluiu o ministro ao conceder a ordem para liberação.

Crime ambiental

Em setembro, a Segunda Turma do STJ firmou a tese inédita de que, no caso de crimes ambientais, é válida a apreensão administrativa de veículos alugados que forem flagrados na prática de delitos, ainda que não seja demonstrada sua utilização de forma reiterada e exclusiva em atividades ilícitas.

A decisão teve como base, entre outros fundamentos, a Lei 9.605/1998, que fixa sanções penais e administrativas em atividades lesivas ao meio ambiente.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.179 - RS (2019/0153901-2)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
RECORRENTE : UNIDAS S.A
ADVOGADOS : RONALDO RAYES - SP114521
JOÃO PAULO FOGAÇA DE ALMEIDA FAGUNDES - SP154384
BRUNO HENRIQUE COUTINHO DE AGUIAR - SP246396
ANA CRISTINA MAIA MAZZAFERRO - SP261869
LETÍCIA MARCHIONI SEQUEIRA - SP411188
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MERCADORIAS ESTRANGEIRAS.
INTERNAÇÃO IRREGULAR. DESCAMINHO OU
CONTRABANDO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. LOCADORA
DE VEÍCULOS. PROPRIEDADE. PARTICIPAÇÃO NO ILÍCITO.
INEXISTÊNCIA. PENA DE PERDIMENTO. ILEGALIDADE.
1. Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e
estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao
mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a
observância do devido processo legal.
2. À luz dos arts. 95 e 104 do DL n. 37/1966 e do art. 668 do Decreto n.
6.759/2009, a pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao
proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular
de sua própria mercadoria.
3. A pessoa jurídica,proprietária do veículo, que exerce a regular
atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de
perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se
tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria,
exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não
investigação dos "antecedentes" do cliente.
4. Hipótese em que o delineamento fático-probatório contido no acórdão
recorrido não induz à conclusão de exercício irregular da atividade de
locação, de participação da pessoa jurídica no ato ilícito, nem de algum
potencial proveito econômico da locadora com as mercadorias
internalizadas.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito
Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 17 de setembro de 2019 (Data do julgamento).
MINISTRO GURGEL DE FARIA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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