Trabalho rural remoto exercido antes de 1991 pode ser computado para aposentadoria híbrida por idade

Trabalho rural remoto exercido antes de 1991 pode ser computado para aposentadoria híbrida por idade

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007).

Em razão da afetação dos Recursos Especiais 1.674.221 e 1.788.404 como representativos da controvérsia – ambos de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho –, estava suspensa em todo o país, até a definição da tese pelo STJ, a tramitação dos processos pendentes que discutissem a mesma questão jurídica.

No REsp 1.674.221, uma segurada questionou acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que negou a concessão de sua aposentadoria na modalidade híbrida sob o fundamento de que o tempo de trabalho rural exercido antes de 1991 não pode ser computado para efeito de carência e que, além disso, deve haver contemporaneidade entre o período de labor e o requerimento de aposentadoria.

Já no REsp 1.788.404, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) objetivava a reforma de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu que o tempo de serviço rural pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria por idade híbrida, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições e ainda que o segurado não esteja desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo.

Condição exigida

Em ambos os processos, o INSS sustentou que a concessão da aposentadoria híbrida exige que a atividade rural tenha sido exercida no período de carência (180 meses ou 15 anos), não se admitindo o cômputo de período rural remoto.

Alegou ainda que, quando o parágrafo 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 menciona que os trabalhadores que não satisfaçam a condição exigida para a concessão de aposentadoria por idade rural poderão preencher o período equivalente à carência necessária a partir do cômputo de períodos de contribuição sob outras categorias, não está a promover qualquer alteração na forma de apuração e validação do período de trabalho rural, em relação ao qual continua sendo imprescindível a demonstração do labor no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ainda que de forma descontínua.

Uniformidade e equivalência

Em seu voto, Napoleão Nunes Maia Filho ressaltou que a aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e que, ao prever a possibilidade de integração na contagem entre o trabalho rural e outros períodos contributivos em modalidade diversa de segurado para fins de aposentadoria híbrida, a Lei 8.213/1991 conferiu o máximo aproveitamento e valorização do labor rural.

"Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para a atividade urbana com o avançar da idade."

O relator destacou ainda que os únicos requisitos explicitados no artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991 para a concessão da aposentadoria híbrida são o cumprimento do período de carência de 180 meses e o requisito etário, que é de 65 anos para homem e de 60 anos para mulher.

"A tese defendida pela autarquia previdenciária, de que o segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos 15 anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal."

Posição preconceituosa

Napoleão Nunes Maia Filho lembrou que a jurisprudência do STJ é unânime "ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade".

Para o relator, a posição sustentada pelo INSS não só contraria a orientação jurisprudencial do tribunal, como também afronta a finalidade da legislação previdenciária. "Na verdade, o entendimento contrário expressa, sobretudo, uma velha posição preconceituosa contra o trabalhador rural, máxime se do sexo feminino."

RECURSO ESPECIAL Nº 1.674.221 - SP (2017/0120549-0)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
RECORRENTE : LEONINA MIGUEL MACHADO BARBOSA
ADVOGADO : EMERSOM GONÇALVES BUENO - SP190192
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO
(IBDP) - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN - SC018200
JANE LUCIA WILHELM BERWANGER - RS046917
ÍCARO DE JESUS MAIA CAVALCANTI E OUTRO(S) - DF044610
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL
SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO
ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO
RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991.
PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E
URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO,
ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE
CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR
CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU
DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O
PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do
Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar
especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que
estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE
MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante
para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser
aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado
maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema
correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o
outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e
dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a
Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no
art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais
que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade
urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava
num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada,
não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não

tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral
não preencher o período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional
de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou
definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em
busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para
a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema
vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo
aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não
preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria
urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos
contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da
carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que
cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a
possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição
da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou
comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo
ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão
de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por
idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o
Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos
quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não
encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação
jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da
legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período
remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina,
tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez
que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de
atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a
velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo
feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos
Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo
admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento
que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não

são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e
ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo
de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da
Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à
obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da
Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no
período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o
retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito
analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, "por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro
Campbell Marques, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa,
Gurgel de Faria, Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Dr(a). ANTÔNIO ARMANDO FREITAS GONÇALVES(Protestará por
Juntada)
, pela parte RECORRIDA: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL
Dr(a). JANE LUCIA WILHELM BERWANGER, pela parte INTERES.:
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO (IBDP)
Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAIS FILHO, pelo Ministério Público
Federal.
Brasília/DF, 14 de agosto de 2019 (Data do Julgamento).
MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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