Alienação fiduciária entre construtora e agente financeiro não tem eficácia contra comprador do imóvel

Alienação fiduciária entre construtora e agente financeiro não tem eficácia contra comprador do imóvel

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser possível a extensão da Súmula 308, aplicável aos casos de hipoteca, às hipóteses em que o imóvel adquirido pelo comprador possui registro de garantia em virtude de alienação fiduciária firmada entre a construtora e a instituição financeira.

Para o colegiado, embora a Súmula 308 diga respeito ao instituto da hipoteca, o objetivo central do enunciado é proteger o comprador de boa-fé que cumpriu o contrato e quitou os valores negociados. Nesse sentido, o colegiado entendeu que as diferenças entre hipoteca e alienação fiduciária não são suficientes para impedir a aplicação do enunciado nos casos de alienação.

O colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que garantiu a uma compradora o direito de escriturar em seu nome imóvel que estava alienado em virtude de contrato entre a construtora e o banco.

Editada em 2005, a Súmula 308 estabelece que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

De acordo com os autos, a autora da ação adquiriu de uma pessoa física os direitos e obrigações de um imóvel e quitou o contrato em 2012. Apesar de estar na posse do apartamento desde 2011, ela alegou que não obteve extrajudicialmente a outorga da escritura definitiva de compra e venda.

Segundo a autora, o banco informou que a construtora firmou contrato de financiamento para abertura de crédito para a construção de unidades habitacionais com pacto de alienação fiduciária, no qual foi dado como garantia, entre outras, o apartamento comprado por ela.

Registro

Em primeira instância, o magistrado tornou definitiva a outorga da escritura pública do imóvel em favor da autora e garantir a manutenção do registro do apartamento em seu nome.

A sentença foi mantida pelo TJDF. Para o tribunal, é inexigível que o homem médio faça consulta aos órgãos cartorários ao adquirir imóvel de terceiro com anuência expressa da construtora, presumindo-se que o bem será de propriedade do comprador após quitar as suas obrigações.

Ainda segundo o TJDF, a construtora não comunicou ao adquirente a existência de alienação fiduciária, ofendendo o direito de informação previsto pelo artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Por meio de recurso especial, a instituição financeira afirmou que somente com o pagamento da dívida e de seus encargos é que se resolveria a propriedade fiduciária do imóvel em favor do devedor fiduciante – no caso, a construtora. Como a dívida não foi paga, o banco iniciou os procedimentos para a consolidação da propriedade em seu nome.

O banco também argumentou que não seria aplicável na hipótese a Súmula 308 do STJ, a qual só teria incidência em relação ao instituto da hipoteca.

Propósito real

A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, explicou que é comum que a garantia imobiliária firmada por meio de alienação fiduciária tenha a sua configuração confundida com outras modalidades de garantia, como a própria hipoteca. Todavia, enquanto na alienação fiduciária atribui-se a posse direta ao devedor-fiduciante e a posse indireta ao credor fiduciário, na hipoteca o devedor retém o bem, apenas gravando-o para a garantia de uma obrigação.

Em relação à Súmula 308, a relatora apontou que os julgamentos que motivaram o enunciado estão firmados no sentido do controle do abuso nas garantias constituídas na incorporação imobiliária, de forma a proteger o consumidor de pactuação que acaba por transferir a ele os riscos do negócio.

“Partindo-se da conclusão acerca do real propósito da orientação firmada por esta corte – e que deu origem ao enunciado sumular em questão –, tem-se que as diferenças estabelecidas entre a figura da hipoteca e a da alienação fiduciária não são suficientes a afastar a sua aplicação nessa última hipótese, admitindo-se, via de consequência, a sua aplicação por analogia”, concluiu a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.576.164 - DF (2015/0324836-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BRB BANCO DE BRASILIA SA
ADVOGADO : ALAN LADY DE OLIVEIRA COSTA - DF011361
RECORRIDO : ADRIANA LIMA
ADVOGADO : ALBERTINO RIBEIRO COIMBRA - DF019081
ADVOGADA : DALILA APARECIDA BRANDÃO DO SERRO - DF025362
INTERES. : CONSTRUTORA ARGUS- EIRELI
ADVOGADOS : RODRIGO DE CASTRO GOMES - DF013973
WALDIR SANTIAGO GOMES - DF021886
KARINA MENEZES MIRANDA - DF020846
EMENTA
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM
OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FIRMADA ENTRE A
CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO
ADQUIRENTE DO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA
308/STJ.
1. Ação declaratória cumulada com obrigação de fazer, por meio da qual se
objetiva a manutenção de registro de imóvel em nome da autora, bem
como a baixa da alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente
financeiro.
2. Ação ajuizada em 12/03/2012. Recurso especial concluso ao gabinete em
05/09/2016. Julgamento: CPC/73.
3. O propósito recursal é definir se a alienação fiduciária firmada entre a
construtora e o agente financeiro tem eficácia perante a adquirente do
imóvel, de forma a se admitir a aplicação analógica da Súmula 308/STJ.
4. De acordo com a Súmula 308/STJ, a hipoteca firmada entre a construtora
e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de
compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
5. A Súmula 308/STJ, apesar de aludir, em termos gerais, à ineficácia da
hipoteca perante o promitente comprador, o que se verifica, por meio da
análise contextualizada do enunciado, é que ele traduz hipótese de aplicação
circunstanciada da boa-fé objetiva ao direito real de hipoteca.
6. Dessume-se, destarte, que a intenção da Súmula 308/STJ é a de proteger,
propriamente, o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e
venda do imóvel e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui
legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações
perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento e, desse
modo, tornando livre de ônus o bem negociado.
7. Para tanto, partindo-se da conclusão acerca do real propósito da
orientação firmada por esta Corte – e que deu origem ao enunciado

sumular em questão –, tem-se que as diferenças estabelecidas entre a
figura da hipoteca e a da alienação fiduciária não são suficientes a afastar a
sua aplicação nessa última hipótese, admitindo-se, via de consequência, a
sua aplicação por analogia.
8. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista), Marco Aurélio Bellizze
e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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