Mesmo sem ingestão, STJ vê risco para consumidor que encontrou corpo estranho em refrigerante

Mesmo sem ingestão, STJ vê risco para consumidor que encontrou corpo estranho em refrigerante

A compra de produto alimentício que contenha corpo estranho no interior na embalagem, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, expõe a saúde do consumidor a risco e, como consequência, dá direito à compensação por dano moral, em virtude da ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, resultante do princípio da dignidade da pessoa humana.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve indenização de R$ 10 mil a um consumidor que, após comprar três garrafas de refrigerante, percebeu que em uma delas havia um corpo estranho, semelhante a um inseto em decomposição. Antes de encontrar o objeto, ele e sua família já haviam consumido dois litros da bebida de uma das garrafas.

“É evidente a exposição a risco nessas circunstâncias, o que necessariamente deve afastar a necessidade de ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. Exigir que, para a reparação, houvesse a necessidade de que os consumidores deglutissem tal corpo estranho encontrado no produto parece não encontrar qualquer fundamento na legislação de defesa do consumidor”, afirmou a relatora do recurso da fabricante de bebidas, ministra Nancy Andrighi.

Em primeira instância, o juiz entendeu que a fabricante, por ter comercializado produto impróprio para consumo, deveria ressarcir o consumidor em R$ 3,99 – valor referente ao refrigerante. O magistrado rejeitou o pedido de indenização por danos morais porque concluiu que o elemento estranho no interior da bebida era facilmente perceptível pelo consumidor, tanto que ele conseguiu evitar a ingestão.  

Repugnância

A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Ao fixar a indenização por danos morais em R$10 mil, a corte concluiu que o sentimento de repugnância vivenciado pelo consumidor não poderia ser considerado mero aborrecimento.

Por meio de recurso especial, a fabricante do refrigerante alegou que a simples contemplação do líquido contendo corpo estranho não poderia causar sensação tão grave a ponto de implicar dano moral indenizável, tampouco constituiria risco à saúde do consumidor que adquiriu o produto. 

Risco concreto

A ministra Nancy Andrighi destacou inicialmente que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral nos casos em que o produto alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de risco à saúde ou à incolumidade física. Contudo, no caso dos autos, há a peculiaridade de que não houve a ingestão do produto.

Nesse contexto, a relatora assinalou que o Código de Defesa do Consumidor protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco a sua segurança e a sua saúde física e psíquica. Desse dever legal de proteção é que decorre, conforme previsto pelo artigo 12 do CDC, a responsabilidade de o fornecedor reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de fabricação, fórmulas, manipulação ou acondicionamento de seus produtos.

“É indubitável que o corpo estranho contido no interior da garrafa de refrigerante expôs o consumidor a risco, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna defeituoso o produto”, declarou a relatora.

Segundo a ministra, mesmo que a potencialidade lesiva do dano não possa ser equiparada à hipótese de ingestão do produto contaminado – diferença que terá efeitos no valor da indenização –, ainda permanece a obrigação de reparar o consumidor pelos danos morais e materiais sofridos por ele.

“Assim, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do artigo 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança a risco concreto”, concluiu a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.768.009 - MG (2018/0214304-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SPAL INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S/A
ADVOGADOS : ANDRÉ MYSSIOR - MG091357
LOYANNA DE ANDRADE MIRANDA - MG111202
TANIA MARIA PIRES DE MAGALHAES - MG104794
JOSIANE LESSA VIANA - MG138706
RENATO PAULO PIRES DE MAGALHAES - MG172812
RECORRIDO : SIDNEI ANTONIO VALENTIN
ADVOGADOS : GILMAR DWANES VIEIRA - MG157669
ROBERTA REGINA MARQUES - MG138597
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE
DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE
GARRAFA DE REFRIGERANTE. CONSTATAÇÃO DE CORPO ESTRANHO EM SEU
INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À
SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO
MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO
CONSUMIDOR.
1. Ação de reparação de danos materiais e compensação de danos morais,
em virtude da constatação de presença de corpo estranho no interior de
garrafa de refrigerante adquirida para consumo.
2. Ação ajuizada em 11/06/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em
06/09/2018. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é determinar se, para ocorrer danos morais em
função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é
necessária a sua ingestão ou se a mera constatação de sua existência no
interior de recipiente lacrado é suficiente para a configuração de dano
moral.
4. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior
corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde
e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à
alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana.
5. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual
expõe o consumidor a risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em
clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º
do CDC.
6. Na hipótese dos autos, ao constatar a presença de corpo estranho no
interior de garrafa de refrigerante adquirida para consumo, é evidente a

exposição negativa à saúde e à integridade física do consumidor.
7. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). LEANDRO ANTONIO DE LIMA E
SOUSA, pela parte RECORRENTE: SPAL INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S/A.
Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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