Itaú deve manter taxa de juros diferenciada para bancário demitido
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do mérito de um recurso do Itaú Unibanco S.A. contra a decisão que havia determinado a manutenção de taxa de juros diferenciada a um bancário mesmo após a sua dispensa. Para a Turma, a celebração do contrato é ato jurídico perfeito, que não pode ser alterado por fatos supervenientes.
Taxa reduzida
Na condição de empregado, o bancário, em novembro de 2011, celebrou contrato de empréstimo para financiamento habitacional com taxa de juros reduzida. Uma semana depois, ele foi dispensado e continuou a pagar as prestações. Em fevereiro de 2012, no entanto, foi informado por meio de telegrama que, em razão da dispensa, deixara de ser enquadrado nas condições em que a taxa era mais vantajosa. Com isso, a prestação do financiamento sofreu aumento, passando de R$ 949 para R$ 1.286.
Na reclamação trabalhista, ele sustentou que o banco não poderia, mesmo após a ruptura do contrato de trabalho “alterar a taxa de juros sob qualquer fundamento”, sobretudo quando a iniciativa da rescisão havia sido do próprio empregador.
Boa-fé objetiva
O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Londrina (PR) julgou procedente o pedido do bancário e considerou inaplicável a perda do benefício por ser o empregador a própria instituição financeira beneficiada pelo exercício de um direito potestativo, contra o qual o empregado não poderia se opor. A sentença está fundamentadanos artigos 187 e 422 do Código Civil.
De acordo com o artigo 187, o titular de um direito que “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, comete ato ilícito. O artigo 422, por sua vez, obriga os contratantes a guardar, na execução e na conclusão do contrato, “os princípios de probidade e boa-fé”. Para o magistrado, é inadmissível que o empregado seja onerado por ato unilateral do empregador e, como devedor, se submeta “ao puro arbítrio do credor”.
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que negou seguimento ao recurso de revista do banco.
Na tentativa de trazer o recurso ao TST, o Itaú interpôs agravo de instrumento no qual sustentou que a alteração da taxa de juros em virtude da rescisão do contrato de trabalho não era ilegal. Segundo o banco, a concessão de taxa menor a empregados não está em desacordo com a função social do contrato, especialmente porque havia benefícios para ambas as partes (para o banco, a vantagem seria a menor probabilidade de inadimplemento).
Conduta ética
O relator, ministro Cláudio Brandão, assinalou que o postulado da dignidade da pessoa humana impõe, na relação contratual, a noção de comportamento das partes pautado na honestidade, na transparência e, principalmente, na lealdade e na confiança que depositam por ocasião da celebração de um contrato. “Tais deveres impõem um padrão de conduta minimamente ético que deve se estender mesmo após o término da relação contratual. Violado um dever específico de boa-fé, exsurge a responsabilidade pós-contratual”, afirmou.
O ministro salientou ainda que a alteração da taxa de juros viola o ato jurídico perfeito, tendo em vista que, na celebração do contrato, foi pactuada condição específica e mais benéfica que vinculou os contratantes. “A disposição contratual segundo a qual a superveniência da dispensa do empregado suscita a revisão do contrato, prevendo a alteração prejudicial das condições ajustadas, afeta a manifestação de vontade já consumada no momento em que firmado o negócio jurídico”, concluiu.
Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo do Itaú.
Processo: AIRR-148-68.2012.5.09.0663
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA
ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO
IMOBILIÁRIO. TAXA DE JUROS DIFERENCIADA
EM RAZÃO DA CONDIÇÃO DE EMPREGADO.
CONTROVÉRSIA DECORRENTE DO CONTRATO DE
TRABALHO. Cinge-se a controvérsia em
definir se compete à Justiça do Trabalho
processar e julgar ação na qual se
postula a manutenção da taxa de juros
diferenciada concedida ao autor, em
financiamento imobiliário, pelo fato de
ser empregado da instituição bancária
que realizou a operação financeira. A
pretensão dirigida ao reclamado recai
sobre questão de natureza civil, mas que
decorre diretamente da relação de
trabalho, uma vez que a taxa de juros
objeto da controvérsia apenas foi
praticada em razão e em função do
preexistente contrato de trabalho
firmado entre as partes. Aliás, a
Consolidação das Leis do Trabalho, já
antes da Constituição Federal de 1988 e
das alterações introduzidas pela EC nº
45/2004, em seu artigo 643, caput,
determinava que "os dissídios oriundos das
relações entre empregados e empregadores, bem como
de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços,
em atividades reguladas na legislação social, serão
dirimidos pela Justiça do Trabalho". A propósito,
em julgamento acerca da matéria, o STF
reconheceu a competência da Justiça do
Trabalho para julgar demanda de
empregados do Banco do Brasil para
compeli-lo ao cumprimento da promessa
de vender-lhes, em dadas condições de
preço e modo de pagamento,
apartamentos, em razão de assentirem
transferir-se para a nova Capital
Federal. Na ocasião, a Suprema Corte
assentou que a determinação da
competência da Justiça do Trabalho não
importa que a solução da lide dependa de
questões de Direito Civil, mas sim o
fato de a promessa de contratar ter sido
feita em razão da relação de emprego,
inserindo-se no contrato de trabalho
(STF CJ 6959-6 (DF) – Ac. Tribunal
Pleno, 23.05.90, Rel. Min. Célio
Borja). É mister, portanto, o
reconhecimento da competência material
da Justiça do Trabalho. Agravo de
instrumento conhecido e não provido.
CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO.
MUTUÁRIO EMPREGADO DO BANCO MUTUANTE.
TAXA DE JUROS DIFERENCIADA EM RAZÃO DO
VÍNCULO DE EMPREGO. RESILIÇÃO DO
CONTRATO DE TRABALHO. CONDIÇÃO
RESOLUTIVA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
OBJETIVA. A partir da Constituição de
1988, fincou-se de modo definitivo a
opção política em estabelecer
tratamento privilegiado ao trabalho
como elemento integrante do próprio
conceito de dignidade humana e
fundamentador do desenvolvimento da
atividade econômica, o que representou
um compromisso inafastável com a
valorização do ser humano e a
legitimação do Estado Democrático de
Direito, no qual se inserem o trabalho
enquanto valor social, a busca pela
justiça social, a existência digna, a
função social da propriedade e a redução
das desigualdades sociais, entre outros
princípios (art. 170). Essa inspiração
principiológica - que deve servir de
vetor interpretativo para todo o
sistema jurídico - modificou
consideravelmente nosso direito civil
e, por conseguinte, representou uma
verdadeira virada de página no modelo
instituído em 1916 e que em grande parte
foi e tem sido fruto da incorporação de
teses consagradas pela jurisprudência
dos tribunais: o seu processo de
constitucionalização e de
despatrimonialização no tratamento das
relações privadas. Posto isso, é
salutar mencionar a evolução do direito
obrigacional brasileiro que, sob o
prisma desses princípios
constitucionais, consagrou
expressamente a cláusula geral da
boa-fé objetiva (art. 422), que
possibilita verdadeiro progresso e
aperfeiçoamento na construção do
ordenamento jurídico; moderniza a
atividade jurisdicional, na busca do
ideal de justiça, por permitir ao órgão
julgador a solução de problemas a partir
da valoração dos fatos e concretização
do que, até então, se pautava no plano
da subjetividade dos sujeitos
integrantes da relação jurídica, na
perspectiva meramente individual,
portanto, particularmente no que diz
respeito à função criadora de direitos
e não apenas interpretativa. Isso
porque sua base inspiradora é o
princípio da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CF), na medida em que
o ser humano, como sujeito de direitos,
pratica atos que, à luz dos mandamentos
constitucionais, devem estar adequados
à sua própria dignidade, da qual é, ao
mesmo tempo, detentor e destinatário,
fundamento e inspiração, origem e
destino. Referido postulado impõe na
relação contratual a noção de
comportamento das partes pautado na
honestidade, transparência e,
principalmente, na lealdade e na
confiança que depositam quando da
celebração de um contrato. E de tal
reconhecimento tem-se por conclusivo
que em todos os contratos existem os
chamados deveres anexos. É pacífico na
doutrina e jurisprudência que a boa-fé
objetiva tem ampla incidência em todas
as fases da relação obrigacional, em
razão de que os contratantes devem
seguir seus ditames - lealdade e
confiança - na celebração, na execução
ou extinção da relação jurídica. Do
exercício da função criativa decorre
que, além dos deveres principais, devem
nortear a relação contratual os deveres
de informação, proteção e lealdade,
tradicionalmente exemplificados pela
doutrina e jurisprudência como sendo
alguns dos deveres anexos ou de
consideração, decorrentes da chamada
complexidade intraobrigacional.
Dinâmicos por natureza, referidos
deveres impõem um padrão de conduta
minimamente ético que deve se estender
mesmo após o término da relação
contratual. Caso contrário, ou seja,
violado um dever específico de boa-fé,
exsurge a responsabilidade
pós-contratual, a chamada culpa post
pactum finitum. No caso, o quadro fático
registrado no acórdão regional revela
que o autor, empregado do banco réu,
firmou com este contrato de
financiamento em 03/11/2011, tendo sido
dispensado imotivadamente em
10/11/2011 e em 02/02/2012 recebeu
telegrama noticiando que, “’ em virtude do
desenquadramento das condições requeridas para a taxa
benefício de colaboradores do Itaú Unibanco, [...] a taxa
de juros de seu contrato de financiamento imobiliário
será alterada a partir da próxima prestação, de acordo
com o contratado no momento da concessão da taxa
subsidiada.’”. Nesse contexto, registrado
no acórdão regional a dispensa
arbitrária do autor, uma vez que
realizada apenas uma semana depois da
assinatura do contrato de
financiamento, há de prevalecer a regra
inserta no Código Civil, atualmente sob
a égide do artigo 129, que reputa não
verificada a condição maliciosamente
levada a efeito por aquele a quem
aproveita o implemento da condição. Ao
adotar tal entendimento, a Corte a quo
deu a exata subsunção dos fatos aos
comandos insertos nos artigos 129 e 422
do Código Civil. Agravo de instrumento
conhecido e não provido.
MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC/1973.
MATÉRIA REMETIDA À FASE DE EXECUÇÃO. A
indicação de violação dos artigos 876 a
892 da CLT não logra impulsionar a
insurgência do réu no que se refere à
desconstituição da conclusão a que
chegou o Tribunal Regional, no sentido
de que a aplicação da multa do artigo
475-J do CPC/1973 não comporta
discussão na fase de conhecimento,
tendo em vista que mencionados
preceitos nada dispõem a esse respeito.
Por sua vez, ao remeter a discussão à
fase de execução, inexiste, por ora,
condenação, carecendo a parte de
interesse recursal. Agravo de
instrumento conhecido e não provido.