Morte de portuário ao descarregar navio resulta em condenação por dano moral coletivo
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Agemar Transportes e Empreendimentos Ltda. e o Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo) do Trabalho Portuário Avulso do Porto Organizado do Recife ao pagamento de R$ 300 mil de indenização por danos morais coletivos em decorrência da morte de um portuário ao descarregar navio. Segundo a decisão, a empresa e o Ogmo violaram direitos da coletividade ao descumprir normas de segurança e não fornecer equipamentos de proteção individual (EPI) ao trabalhador.
Na atividade de capatazia, o portuário foi escalado para descarregar sacos de até uma tonelada do porão de um navio para caminhões no cais do porto. Ao tentar soltar uma alça de segurança, ele foi imprensado por um guindaste e morreu pouco depois de chegar ao hospital. A investigação descartou problemas técnicos no equipamento do navio, mas constatou falhas nas condutas de segurança, como práticas de risco e falta de uso de EPIs.
A condenação por dano moral coletivo foi pedida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em ação civil pública. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) julgaram o pedido improcedente com o entendimento de que o acidente ocorreu por “enorme carga de falha humana”.
Conduta antijurídica
No recurso de revista, o MPT argumentou que a atividade desenvolvida pelos trabalhadores portuários é de risco e que a responsabilidade da empresa é objetiva. Para o MPT, as indenizações por dano moral coletivo devem ter caráter pedagógico.
A relatora, ministra Maria Helena Mallmann, explicou que o TST, considerando de risco a atividade desenvolvida por trabalhadores portuários, fixou a tese de que, independentemente de culpa, há a obrigação de indenizar. Nesses casos, a reparação moral deve ser feita no âmbito do dissídio individual.
No caso, porém, a ministra destacou que o acórdão do TRT não deixa dúvidas sobre a conduta antijurídica da empresa e do Ogmo. “A obrigação de indenizar decorre da culpa das empresas”, ressaltou. “A fiscalização do Ministério do Trabalho detectou irregularidades nas condutas de segurança, apontando, inclusive, a não utilização de EPIs e a falta de treinamento para o seu uso”.
A relatora observou que o entendimento jurisprudencial predominante no TST é o de que a prática de atos antijurídicos, “em completo desvirtuamento do que preconiza a legislação, além de causar prejuízos individuais aos trabalhadores, configura ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva”. Na sua conclusão, a empresa violou não apenas os valores sociais do trabalho e a função social da propriedade e dos contratos, “mas também a boa-fé objetiva que o ordenamento jurídico exige das partes contratantes”.
Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e determinou que o valor da indenização seja revertido a instituição filantrópica a ser definida na liquidação de sentença. Após a publicação do acórdão, foram opostos embargos de declaração, ainda não julgados.
Processo: RR- 800-03.2012.5.06.0006
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI
N.º 13.015/2014.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS COLETIVOS. ÓBITO DE
TRABALHADOR PORTUÁRIO. QUADRO FÁTICO
QUE INDICA O DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE
SEGURANÇA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 186 DO
CÓDIGO CIVIL. Ante a possível violação
ao art. 186 do Código Civil, deve ser
provido o agravo de instrumento para
determinar o processamento do recurso
de revista. Agravo de instrumento
conhecido e provido.
II - RECURSO DE REVISTA. LEI
13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS.
ÓBITO DE TRABALHADOR PORTUÁRIO. QUADRO
FÁTICO QUE INDICA O DESCUMPRIMENTO DE
NORMAS DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO
186 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Cuida-se de demanda coletiva
ajuizada pelo MPT com pedido de
indenização por danos morais coletivos
em razão da morte de um trabalhador nas
dependências do navio e em função da
inobservância de normas de segurança.
2. O Tribunal Regional adotou o
entendimento de que “o MM. juízo a quo, após
análise do conjunto probatório produzido nos autos,
concluiu no sentido de que não restou comprovada a
existência de falhas técnicas no equipamento do
navio SAGA ENTERPRISE utilizado para
desembarque das mercadorias, mas, sim, uma série de
infrações legais às normas de segurança de trabalho,
o que (sic) de responsabilidade do 2º réu
OGMO/RECIFE, julgando improcedentes os pedidos
em relação à 1° reclamada, mas impondo ao 2º e 3º réus
o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer”.
De forma conclusiva, a instância
ordinária afastou os elementos
caracterizadores do dano moral coletivo
ao registrar que a morte do trabalhador
“teve uma enorme carga de falha humana”.
3. Embora a morte de um trabalhador não
alcance diretamente a esfera moral
coletiva, a jurisprudência desta Corte
vem se firmando no sentido de que, nas
hipóteses em que demonstrada a conduta
antijurídica da empresa, mediante o
descumprimento de normas de segurança e
medicina do trabalho, o dano moral daí
decorrente é considerado in re ipsa.
4. In casu, restou cabalmente
demonstrado que a reclamada descumpria
normas de segurança e medicina do
trabalho relacionadas, inclusive, ao
não fornecimento de equipamentos de
proteção individual, entre outras.
5. A prática de atos antijurídicos, em
completo desvirtuamento do que
preconiza a legislação, além de causar
prejuízos individuais aos
trabalhadores, configura ofensa ao
patrimônio moral coletivo, sendo,
portanto, passível de reparação por
meio da indenização respectiva, nos
termos do artigo 186 do Código Civil.
Dessa forma, conclui-se que a conduta
antijurídica da empresa reclamada
acarretou a violação de direitos de toda
uma coletividade, razão pela qual esta
deve ser indenizada.
6. Nesse contexto, o recurso de revista
deve ser conhecido e provido para
condenar as empresas à indenização por
danos morais coletivos. Recurso de
revista conhecido e provido.