Exigência de perícia para concessão de liberdade condicional requer fundamentação concreta

Exigência de perícia para concessão de liberdade condicional requer fundamentação concreta

Ao avaliar pedido de liberdade condicional, o magistrado pode determinar a realização de exame criminológico antes da eventual concessão do benefício. Todavia, a necessidade de perícia deve ser concretamente fundamentada pelo juiz com base nas peculiaridades do caso, conforme estabelece a Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A jurisprudência e o enunciado sumular foram invocados pela presidente da corte, ministra Laurita Vaz, ao deferir pedido liminar e restabelecer decisão de um juízo de execuções de São Paulo que concedeu o livramento condicional a um preso, independentemente da realização de exame criminológico.

A decisão de concessão da liberdade condicional havia sido reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que determinou a realização de exame criminológico. Para o tribunal paulista, embora o preso tivesse cumprido o prazo para obtenção do benefício, o mero bom comportamento carcerário atestado pela autoridade penitenciária não seria suficiente para o atendimento do requisito subjetivo.   

Gravidade abstrata

A ministra Laurita Vaz destacou inicialmente que a Lei 10.792/03 afastou a obrigatoriedade do parecer da Comissão Técnica de Classificação e da submissão do condenado a exame criminológico para a concessão de progressão de regime e livramento condicional, cabendo ao magistrado verificar o atendimento dos requisitos subjetivos à luz do caso concreto e determinar, se entender necessário, a realização da perícia.

No caso analisado, a ministra destacou que o juízo das execuções deferiu o benefício por considerar presente o requisito subjetivo, inclusive em razão da boa conduta carcerária do condenado e da inexistência de falta disciplinar.

Já o TJSP, ao determinar a realização de exame criminológico, concluiu que o preso cumpre pena por delito grave – roubo majorado – e, além disso, ainda teria longa pena a cumprir, de forma que seria necessária uma melhor avaliação sobre a possibilidade de seu retorno ao convívio social.

Para a ministra, a corte paulista “baseou-se, essencialmente, na gravidade abstrata do crime cometido pelo Paciente e na suposta longa pena a cumprir – que, na verdade, não se demonstra tão longa assim –, para concluir pela necessidade de realização do exame criminológico, antes de analisar o pedido de livramento condicional. Não houve alusão a fato atual que recomendasse a medida”.

O mérito do habeas corpus ainda será analisado pela Quinta Turma, sob relatoria do ministro Jorge Mussi.

HABEAS CORPUS Nº 457.052 - SP (2018/0161124-2)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : GABRIEL DE PAULA SILVEIRA
ADVOGADO : GABRIEL DE PAULA SILVEIRA - SP384798
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JONATHAN RAMOS DOS SANTOS (PRESO)
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido de
liminar, impetrado em favor de JONATHAN RAMOS DOS SANTOS contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo em Execução Penal n.º
0012643-19.2017.8.26.0026.
Consta dos autos que o Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais
deferiu ao Sentenciado pedido de livramento condicional (fls. 62-63).
Inconformado, o Parquet interpôs recurso de agravo em execução, que foi
provido pelo Tribunal de origem (fls. 102-106).
Na razões da impetração, a Defesa sustenta ser "[...] desnecessária a
realização da perícia determinada pelo Tribunal Bandeirante, porquanto, ao que consta, os
autos trazem subsídios suficientes ao juízo para a aferição das condições subjetivas do
postulante, mormente considerando que já desfruta de regime carcerário que lhe propicia
pleno convívio social " (fl. 5).
Também alega que "[...] a justificativa da gravidade do fato, por si só, não
abona a submissão da Paciente à perícia, sendo que inexistem nos autos elementos outros
que recomendem a medida pretendida pelo juiz a quo" (fl. 5).
Requer "[...] LIMINARMENTE O CONHECIMENTO E A CONCESSÃO DE
ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA AFASTAR A EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE
EXAME CRIMINOLÓGICO PELO APENADO, MANTENDO-SE A DECISÃO DE
PRIMEIRO GRAU" (fl. 11).
É o relatório inicial.
Decido o pedido urgente.
Na hipótese dos autos, verifico, em juízo prelibatório, existência de ilegalidade
apta a ensejar o deferimento da liminar pretendida.
Como é cediço, o benefício do livramento condicional somente será concedido

ao condenado que preencher, cumulativamente, os requisitos objetivo e subjetivo, consoante
o disposto no art. 83 do Código Penal.
A Lei n.º 10.792 – que alterou, em 2003, a redação do art. 112 da Lei de
Execuções Penais –, afastou a obrigatoriedade do parecer da Comissão Técnica de
Classificação e a submissão do condenado a exame criminológico para a concessão de
progressão de regime e livramento condicional, cabendo ao magistrado verificar o
atendimento dos requisitos subjetivos à luz do caso concreto, podendo, por isso, determinar a
realização da perícia, se entender necessário, ou mesmo negar o benefício, desde que o faça
fundamentadamente, quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem, em
observância ao princípio da individualização da pena, previsto no art. 5.º, inciso XLVI, da
Constituição da República.
A propósito, a referida orientação restou consolidada no enunciado n.º 439 da
Súmula desta Corte, que possui o seguinte teor: "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso,
desde que em decisão motivada. " Na hipótese, o Juízo das Execuções, ao apreciar o pedido de livramento
condicional do Paciente, examinou concretamente as circunstâncias fáticas referentes ao
cumprimento da pena e deferiu tal pretensão, pois considerou presente "[...] o requisito
subjetivo para o beneficio, inclusive em razão da boa conduta carcerária atual e da
inexistência de falta disciplinar " (fl. 62).
O Tribunal de Origem, contudo, reformou a decisão e determinou a
realização de exame criminológico, à base da seguinte fundamentação (fls. 104/105,
grifou-se):
"[...]
Malgrado o preenchimento do requisito objetivo-temporal, tem-se
que os elementos informativos encartados aos autos não demonstram,
extreme de dúvidas, o cumprimento do requisito subjetivo pelo agravado
para deferimento do livramento condicional.
Com efeito, o atestado de bom comportamento carcerário, emitido
por autoridade penitenciária, exprime unicamente, como o próprio nome diz, a
conduta do reeducando intramuros.
[...]
Pois bem, ainda que não se considere a longa pena a cumprir, cujo
TCP está previsto somente para 18/12/2020 (fls. 20), tem-se que a gravidade
com a qual atuou ele nos delitos ais quais condenado, sua transferência ao
regime semiaberto, em que a vigilância, é sabidamente menor foi feita sem a
prévia realização do exame criminológico, indispensável no caso para a

constatação das condições pessoais do sentenciado (requisito subjetivo).
[...]
Importante consignar, que não se trata de considerar o fato já
julgado na aferição da periculosidade do sentenciado. Mas sim dizer que o
sentenciado que desconta pena por delitos graves (roubos majorados), como
é o caso do agravado, deve ser mais bem avaliado, de forma a se verificar se
está apto a retornar ao convívio social. Portanto, verifica-se in casu, por prematuro, não pode subsistir o
benefício concedido, que deve ser revogado.
De rigor, pois, a reforma da r. decisão atacada. " Verifica-se, dos excertos transcritos, que a Corte de origem baseou-se,
essencialmente, na gravidade abstrata do crime cometido pelo Paciente e na suposta longa
pena a cumprir – que, na verdade, não se demonstra tão longa assim –, para concluir pela
necessidade de realização do exame criminológico, antes de analisar o pedido de livramento
condicional. Não houve alusão a fato atual que recomendasse a medida.
Conclui-se, desse modo, que o Tribunal proferiu decisão em dissonância com o
entendimento sedimentado na Súmula n.º 439 desta Corte Superior, cuja inteligência exige,
para a determinação de exame criminológico, a precedência de fundamentação
concreta. De outra parte, constata-se que, na sentença condenatória, o Juízo de primeiro
grau fixou o regime inicial semiaberto (fls. 24-28) e, durante a execução provisória da pena,
foi deferido ao Paciente a progressão ao regime aberto, "[...] em razão da boa conduta
carcerária atual e da inexistência de nova falta disciplinar " (fl. 34), sendo certo que o
Ministério Público estadual "[...] opinou favoravelmente à concessão do benefício " (fl. 34).
Diante dessas informações, e como bem ressaltado pelo Juízo das Execuções,
"[...] não há necessidade da realização de exame criminológico, não tendo sido apontado
nenhum motivo concreto recente que justificasse a realização de tal exame " (fl. 62).
Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar para restabelecer a decisão do
Juízo das Execuções que concedeu o benefício do livramento condicional ao Paciente (fls.
62/63).
Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
ao Juízo da Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM
3.ª RAJ - Comarca de Bauru/SP.
Requisitem-se informações ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao
Juízo das Execuções, em especial, quanto à situação prisional do Paciente.

Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para o parecer.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 06 de julho de 2018.
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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