STJ concede liminar para afastar hediondez em tráfico privilegiado de drogas

STJ concede liminar para afastar hediondez em tráfico privilegiado de drogas

O tráfico de drogas em sua forma privilegiada não constitui crime equiparado aos delitos de natureza hedionda. A tese, fixada em recurso repetitivo julgado em 2016 pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguiu entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que esses delitos na modalidade privilegiada apresentam contornos menos graves e, portanto, são incompatíveis com o conceito de hediondez.

O entendimento foi invocado mais uma vez pela presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, ao afastar a natureza hedionda do delito de tráfico privilegiado e restabelecer decisão do juízo de execuções de Tupã (SP) que, em razão do cumprimento do prazo legal, havia concedido liberdade condicional a um preso.

O chamado tráfico privilegiado é definido pelo artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que prevê que as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços desde que o agente seja primário, com bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Já os crimes considerados hediondos estão previstos na Lei 8.072/90, além dos delitos equiparados (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo). Crimes dessa natureza são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, e a progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, caso o réu seja primário, ou de três quintos, se reincidente.

Súmula cancelada

No habeas corpus analisado pelo STJ, o réu foi condenado e cumpre pena, na primeira execução, por tráfico privilegiado e, em segunda execução, por tráfico ilícito de entorpecentes – este último equiparado a hediondo. As penas somadas totalizavam 13 anos e oito meses de reclusão, em regime fechado.

Após a concessão do livramento condicional, o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu recurso interposto pelo Ministério Público e cassou o benefício, sob o fundamento de que o réu seria reincidente específico em crimes hediondos, por equiparação.

A ministra Laurita Vaz ressaltou que, ao julgar a PET 11.796 sob a sistemática dos recursos repetitivos e afastar a hediondez do crime de tráfico privilegiado, a Terceira Seção também decidiu cancelar a Súmula 512, que anteriormente fixava que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 não afastava o caráter hediondo do delito de tráfico.

“Dessa forma, afastada a hediondez do crime de tráfico de drogas, na sua forma privilegiada, não se pode reconhecer a reincidência específica para os efeitos da concessão de livramento condicional, sendo inaplicável o inciso V do art. 83 do Código Penal”, concluiu a ministra ao deferir o pedido de liminar.

O mérito do habeas corpus ainda será analisado pela Quinta Turma, sob relatoria do ministro Felix Fischer.

HABEAS CORPUS Nº 457.419 - SP (2018/0162973-8)
RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RICARDO AUGUSTO PAGANUCCI LODI - SP0307983
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : FERNANDO GASPARINI GOMES MIRANDA
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido
liminar, impetrado em favor de FERNANDO GASPARINI GOMES DE MIRANDA contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido nos autos do Agravo em
Execução n.º 9000261-45.2017.8.26.0637.
Consta dos autos que o Paciente sofreu condenação e cumpre pena, na primeira
execução, por tráfico privilegiado (art. 33, caput, e § 4º da Lei n.º 11.343/2006) e,
posteriormente, na segunda execução, por tráfico ilícito de entorpecentes (art. 33, caput, da
Lei n.º 11.343/2006) - equiparado a hediondo -, totalizando as penas em 13 (treze) anos, 8
(oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado.
Em razão de ter atingido o lapso temporal necessário, o Juízo da Execução
penal, em 30/05/2017, concedeu o livramento condicional ao Paciente.
No entanto, o recurso interposto pelo Ministério Público foi provido pelo
Tribunal de origem para cassar a decisão concessiva do benefício, mediante o fundamento de
que o Paciente é reincidente específico em crimes hediondos, por equiparação.
Suscita a Impetrante, em síntese, que o Paciente está submetido a
constrangimento ilegal, em razão da cassação do livramento condicional, defendendo a
impossibilidade de equiparação do tráfico privilegiado a crime hediondo.
Requer seja concedida liminarmente a ordem " para restabelecer a r. sentença
que deferiu ao paciente o livramento condicional, uma vez que evidente não ser ele
reincidente específico em crime hediondo, já que o crime de tráfico 'privilegiado' não é
crime hediondo" (fl. 7).
É o relatório inicial.
Decido o pedido urgente.
A concessão da tutela de emergência, em juízo de cognição sumária e singular,

exige a demonstração concomitante, e em grau bastante satisfatório, da plausibilidade do
direito arguido e do perigo da demora.
Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao
recurso do Ministério Público Estadual para considerar o crime de tráfico privilegiado como
equiparado aos delitos hediondos, cassando a decisão do Juízo das Execuções Penais, com
base nos seguintes fundamentos:
"Como bem se sabe, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes (art.
33, 'caput', da Lei n° 11.343/2006) está previsto no rol dos crimes hediondos
ou assemelhados elencado pela Lei dos Crimes Hediondos.
Inexiste ressalva qualquer, na legislação, no que diz à aplicação da
causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Daí porque a modalidade típica usualmente conhecida como 'tráfico
privilegiado' não representa exceção à regra, mas, ao contrário, encontra-se
por ela abrangida. Ademais, e isto verdadeiramente importa, trata-se de causa
de diminuição de pena aplicável a réus que possuam condições pessoais
favoráveis, o que não significa, jamais, menor gravidade do delito.
Daí porque não há motivo para a o afastamento de seu caráter
hediondo, que, como já se disse, é expressamente previsto pela lei." (fl. 26,
grifei)
Ocorre que, ao julgar a Petição n.º 11.796/DF, sob a sistemática dos recursos
repetitivos (Tema n.º 600), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na linha do
entendimento do Supremo Tribunal Federal, decidiu afastar a hediondez do crime de tráfico
privilegiado, nos seguintes termos: "PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS
NA SUA FORMA PRIVILEGIADA. ART. 33, § 4.º, DA LEI Nº. 11.343/2006.
CRIME NÃO EQUIPARADO A HEDIONDO. ENTENDIMENTO RECENTE
DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO JULGAMENTO DO
HC 118.533/MS. REVISÃO DO TEMA ANALISADO PELA TERCEIRA
SEÇÃO SOB O RITO DOS REPETITIVOS. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA Nº 1.329.088/RS.
CANCELAMENTO DO ENUNCIADO Nº 512 DA SÚMULA DO STJ.
1. O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do HC
118.533/MS, firmou entendimento de que apenas as modalidades de tráfico
ilícito de drogas definidas no art. 33, caput e § 1°, da Lei nº 11.343/2006
seriam equiparadas aos crimes hediondos, enquanto referido delito na
modalidade privilegiada apresentaria 'contornos mais benignos, menos
gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do
agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a
inexistência de vínculo com organização criminosa.' (Rel. Min. Cármen Lúcia,
Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2016).
2. É sabido que os julgamentos proferidos pelo Excelso Pretório em

Habeas Corpus, ainda que por seu Órgão Pleno, não têm efeito vinculante
nem eficácia erga omnes. No entanto, a fim de observar os princípios da
segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, bem como de
evitar a prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e
também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, é necessária a
revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos
repetitivos (Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº
1.329.088/RS - Tema 600).
3. Acolhimento da tese segundo a qual o tráfico ilícito de drogas na
sua forma privilegiada (art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006) não é crime
equiparado a hediondo, com o consequente cancelamento do enunciado 512
da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça ." (Pet 11.796/DF, Rel. Min.
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
23/11/2016, DJe 29/11/2016.)
Dessa forma, afastada a hediondez do crime de tráfico de drogas, na sua forma
privilegiada, não se pode reconhecer a reincidência específica para os efeitos da concessão de
livramento condicional, sendo inaplicável o inciso V, do art. 83, do Código Penal. Nesse
sentido, confira-se precedente do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:
"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS
PRIVILEGIADO. REVISÃO DO ENTENDIMENTO ANTERIORMENTE
CONSOLIDADO PELA TERCEIRA SEÇÃO. CANCELAMENTO DO
ENUNCIADO SUMULAR Nº 512/STJ. AFASTAMENTO DO CARÁTER
HEDIONDO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. INAPLICABILIDADE DO
ART. 83, INCISO V, DO CÓDIGO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Terceira Seção desta Corte, em 23/11/2016, ao julgar a Petição
nº 11.796/DF, reviu o entendimento consolidado no Recurso Especial
Representativo da Controvérsia n.º 1.329.088/RS (DJe 26/4/2013), o que
repercutiu no afastamento do caráter hediondo do crime de tráfico de drogas
privilegiado e, por conseguinte, no cancelamento do enunciado n.º 512 da
Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.
2. A partir de uma interpretação sistemática e teleológica da
legislação de regência, conclui-se que, em se tratando de condenado pela
prática de 'tráfico privilegiado' (art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006), cuja
natureza não se equipara a dos crimes hediondos, incabível a aplicação do
inciso V do art. 83 do Código Penal. Precedentes deste Sodalício e da
Suprema Corte.
3. Ordem concedida para, confirmando a liminar, restabelecer a
decisão de primeiro grau que deferiu ao paciente o livramento condicional."
(HC 403.891/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 18/09/2017)
Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar para, com o afastamento da
natureza hedionda do delito de tráfico de entorpecentes, na sua forma privilegiada,

restabelecer a decisão do Juízo das Execuções Criminais da Comarca de Tupã/SP que
homologou os cálculos da pena do Paciente.
Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
ao Juízo da Execução Penal o teor da presente decisão.
Solicitem-se informações pormenorizadas ao Tribunal a quo, notadamente
sobre a atual situação da execução da pena do Paciente.
Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para o parecer.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 09 de julho de 2018.
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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