Exercício da função de flanelinha sem registro não configura contravenção penal

Exercício da função de flanelinha sem registro não configura contravenção penal

O exercício da função de guardador ou lavador de carros, conhecida popularmente como flanelinha, não configura atividade econômica especializada apta a caracterizar a contravenção penal prevista pelo artigo 47 do Decreto-Lei 3.688/41 – exercer profissão ou atividade econômica sem preencher as condições exigidas por lei.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça levou a presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, a deferir liminar para suspender os efeitos da condenação à pena de um mês e 15 dias aplicada contra um guardador autônomo de carros que trabalhava sem autorização na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

De acordo com o Ministério Público, o flanelinha exercia a atividade no bairro carioca mesmo sem cumprir as condições previstas na Lei Federal 6.242/75, no Decreto Presidencial 79.797/77 e na Lei Municipal 1.182/87. Segundo o MP, em um dos casos apontados por testemunhas, o guardador cobrou R$ 20 para vigiar um veículo estacionado no local e chegou a discutir com uma pessoa que discordou do valor cobrado.

Conduta atípica

Após a condenação em primeira instância, o guardador apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que não seria plausível o argumento de atipicidade da conduta, já que ele exercia a atividade sem observar as condições estabelecidas na legislação.

Ainda segundo o TJRJ, também não seria possível reconhecer a insignificância da conduta em virtude da quantia abusiva exigida para o estacionamento dos veículos e da insegurança social gerada pelo comportamento do réu.

A ministra Laurita Vaz destacou entendimentos do STF e do STJ no sentido de que é atípica a conduta de exercer a atividade de guardador de carros sem o registro nos órgãos competentes, ainda que esta exigência esteja prevista em lei. 

“Desse modo, verifica-se, na hipótese, a plausibilidade do direito invocado e o risco na demora do provimento jurisdicional, tendo em vista que se trata de acórdão condenatório confirmado em segunda instância e, portanto, sujeito à execução imediata”, concluiu a ministra ao deferir o pedido de liminar.

O mérito do habeas corpus ainda será analisado pela Sexta Turma. O relator é o ministro Nefi Cordeiro.

HABEAS CORPUS Nº 457.849 - RJ (2018/0166072-1)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : ALEX DOS SANTOS GONÇALVES DE ALMEIDA
OUTRO NOME : ALEX SANTOS GONCALVES DE ALMEIDA
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de ALEX
SANTOS GONÇALVES DE ALMEIDA OU ALEX SANTOS GONÇALVES DE
ALMEIDA contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na
Apelação Criminal n.º 0002156-86.2015.8.19.0209.
Consta nos autos que o Paciente foi condenado como incurso no art. 47 da Lei
de Contravenções Penais, à pena de 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de prisão simples, em
regime inicial semiaberto (fls. 22-36).
Irresignada, a Defesa interpôs apelação no Tribunal de origem, que negou
provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
"APELAÇÃO. CONTRAVENÇÃO PENAL. EXERCÍCIO ILEGAL DE
PROFISSÃO OU ATIVIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESCABIMENTO.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA HABITUALIDADE DO EXERCÍCIO
DA ATIVIDADE. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE.
O conjunto probatório não deixa dúvidas quanto ao exercício da
atividade de guardador autônomo de veículos automotores em logradouro
público pelo recorrente, sendo essa regulamentada pela Lei Federal nº
6.242/75, pela Lei Estadual nº 2.077/1993 e pela Lei Municipal nº 1.182/1987.
Não há que se falar em atipicidade da conduta, uma vez que o
apelante exercia a atividade de guardador de veículos automotores, sem o
registro devido, deixando de observar as condições delineadas nas leis
mencionadas. Ainda que a referida atividade não exija uma qualificação
técnica especial, entendo que a conduta perpetrada pelo recorrente se amolda
ao tipo descrito no artigo 47 do Decreto Lei nº 3.688/41, do seguinte teor:
'Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem
preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício'.
Ademais, cumpre observar que a figura típica não exige a
comprovação da habitualidade do exercício, como invocado pela Defesa. Por
outro lado, tratando-se de atividade econômica da qual o recorrente extrai
sua subsistência mostra-se evidente o seu exercício contínuo.
Tampouco é caso de se reconhecer a insignificância da conduta e a
ausência de risco social da ação, diante das circunstâncias dos autos. Com

efeito, a testemunha Andrea narrou, de forma segura e coerente, que o
recorrente exigiu quantia abusiva para o estacionamento do veículo em que
estava com sua família, iniciando uma discussão com o sobrinho dela, na qual
afirmou ser o 'dono da rua'. Acrescentou a depoente ficou temerosa e, que
pouco tempo depois, já visualizou o apelante, em companhia de outro homem;
que foi encarada pelo recorrente e se sentiu ameaçada. Como cediço, trata-se
de conduta que causa grande insegurança e intranquilidade aos usuários de
espaços públicos, exigindo uma resposta estatal, que, no caso dos autos,
restou corretamente estabelecida na sentença.
DESPROVIMENTO DO RECURSO " (fls. 53/54).
Nas razões da impetração, sustenta-se, em síntese, que a atividade de
guardador de carros (flanelinha ) não exige nenhuma capacidade técnica particular, razão pela
qual o seu exercício, ainda que sem a necessária autorização administrativa, não se amolda à
conduta descrita no art. 47 da Lei de Contravenções Penais.
Pleiteia-se, liminarmente, a suspensão dos efeitos da condenação e, no mérito,
o reconhecimento da atipicidade da conduta imputada ao Paciente.
É o breve relatório.
Decido o pedido urgente.
No caso, verifica-se que a Corte estadual decidiu que "[n]ão há que se falar em
atipicidade da conduta, uma vez que o apelante exercia a atividade de guardador de veículos
automotores , sem o registro devido, deixando de observar as condições delineadas nas leis
mencionadas " (fl. 53).
No entanto, a jurisprudência desta Corte Superior, em harmonia com o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que é atípica a conduta
de exercer a atividade de guardador de carros – denominado "flanelinha " – sem o registro
nos órgãos competentes, ainda que esta exigência encontre previsão em lei. Nesse sentido:
"[...]
II - A jurisprudência do col. Supremo Tribunal Federal, bem como
desta Corte, há muito se firmou no sentido de ser atípico o exercício da
atividade desenvolvida pelo denominado 'flanelinha', sem o registro nos
órgãos competentes, ainda que esta exigência encontre previsão em lei, uma
vez que a sua ausência não atingiria de forma significativa o bem jurídico
tutelado pela norma penal.
III - Segundo entendimento do excelso Supremo Tribunal Federal e
desta Corte, a contravenção penal descrita no art. 47 da LCP (Dec.-Lei n.
3.688/41), tem como objetivo a tutela da organização do trabalho,
notadamente as profissões que exigem habilitação ou qualificação técnica
especializada, razão pela qual deve haver complementação por outra norma
para definir tais requisitos.
IV - A existência de norma estabelecendo a necessidade de registro
para o exercício da atividade do 'flanelinha', mediante a simples apresentação

de documentos pessoais sem exigência de conhecimentos técnicos
especializados, não se afigura, todavia, apta a criminalizar referida conduta à
luz dos princípios do direito penal, em especial o da intervenção mínima e da
ofensividade, Recurso ordinário provido para determinar o trancamento da
ação penal em face da atipicidade da conduta. " (RHC 88.815/RJ, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe
06/12/2017, grifei).
"[...]
4. Inviável concluir que o guardador ou lavador de carros exerça
profissão ou atividade econômica especializada, apta a caracterizar
a contravenção penal prevista no artigo 47 do Decreto-lei 3.688/1941. Isso
porque lavar ou guardar automóveis são atividades que não
exigem quaisquer conhecimentos técnicos ou habilidades específicas as
quais, caso não preenchidas ou não observadas, possam ofender a proteção
à organização do trabalho pelo Estado. Ademais, não geram perante a
sociedade a presunção da habilitação do profissional . [...]
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para,
nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, determinar o
trancamento do processo penal de autos nº. 13.006.269-8. " (HC 309.958/MG,
Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
22/09/2016, DJe 28/09/2016, grifei).
Desse modo, verifica-se, na hipótese, a plausibilidade do direito invocado e o
risco na demora do provimento jurisdicional, tendo em vista que se trata de acórdão
condenatório confirmado em segundo instância e, portanto, sujeito à execução imediata.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar para suspender os efeitos da
condenação proferida nos autos da ação penal n.º 0002156-86.2015.8.19.0209.
Oficie-se ao Juízo de primeira instância e ao Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, que deverão prestar informações pormenorizadas.
Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 09 de julho de 2018.
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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