É necessária a concordância do cedente para o ingresso do cessionário no contrato
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou a um ex-sócio da empresa que comercializou jazigos do Cemitério do Morumbi o direito a indenização por 67 títulos de jazigos perpétuos. A Terceira Turma confirmou decisão da Justiça de São Paulo, segundo a qual é necessário o consentimento expresso da Comunidade Religiosa João XXIII – associação que administra o cemitério – para validar a cessão dos títulos à empresa por antigos proprietários.
Na década de 1970, durante a instalação do cemitério, a Universal Empreendimentos foi contratada para comercializar os jazigos. Por conta de comissões e ajustes, o sócio majoritário da empresa narra que recebeu direitos relativos a 67 jazigos. Os títulos de cessão de direitos foram assinados por duas pessoas, para quem, anteriormente, os proprietários originais do terreno já haviam transferido os jazigos. Inicialmente, os títulos foram recebidos como parte de pagamento pelo uso da área como cemitério.
A disputa jurídica teve início no ano 2000, quando o sócio majoritário da Universal Empreendimentos ingressou com ação para ser indenizado pelos títulos ou para ser declarado detentor de direitos sobre os jazigos não alienados pela associação a terceiros.
Em primeiro grau, após analisar o conteúdo dos contratos e destacar que não continham a identificação nominal de cessionários, foi decidido que “a mera posse dos documentos relativos aos títulos não permitiria inferir que o autor [da ação] fosse titular do direito de uso neles consignado”. A sentença diz, ainda, que o empresário teria recebido os contratos na condição de mero detentor, para comercialização, conservando-os em nome e por conta daqueles que contrataram sua empresa para negociar no varejo os jazigos.
O empresário apelou. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou a pretensão, ao argumento de que, além de os contratos apresentados não comprovarem a titularidade dos direitos reclamados, “era viciado o próprio negócio jurídico”.
O relator do recurso, ministro Sidnei Beneti, fez um longo estudo em seu voto sobre o que é chamado de jus sepulchri, o direito de comercialização de sepulturas. Ele afirmou que, no caso em julgamento, à época da produção dos documentos de cessão de uso, os jazigos estavam vagos, o que representa exceção à regra de não comercialização (jazigo vago ou de onde os restos mortais já tenham sido transladados).
Concordância
O ministro Beneti concluiu que, embora se admita a cessão, no caso concreto ela é inviável pelos seguintes motivos: falta de concordância da Comunidade Religiosa João XXIII à cessão do contrato em favor do ex-sócio da Universal; não configuração do contrato como título apto à transferência imediata de direito de uso ao portador; e não demonstração de causa jurídica, legitimadora da transferência dos créditos ao empresário.
Quanto ao primeiro ponto observado, o ministro Beneti afirmou que a doutrina ressalta a necessidade de concordância do cedente com o ingresso do cessionário no contrato, afinal, “o cedido pode recusar-se a prestar na pessoa do cessionário as obrigações que lhe incumbam”. No caso analisado, não houve notificação à associação religiosa de cessão dos contratos ao empresário, alegadamente realizadas por cessionários que, por sua vez, já haviam recebido dos primitivos proprietários e primeiros cessionários.
Em outro ponto, o ministro Beneti ressaltou que os contratos não eram aptos a qualificar-se como títulos de crédito, de forma a deduzir direito neles contido, em favor de quem os possuísse – no caso, o empresário. O relator destacou que não há norma legal que considere o contrato de cessão de uso de jazigo em cemitério como um título de crédito. Além disso, o longo tempo em que o empresário deixou de praticar os alegados direitos que sustenta em títulos de crédito ao portador fulmina os documentos pelo “desuso”.