Salário atrasado por dois meses motiva rescisão indireta e indenização
O atraso no pagamento de
salários por dois meses possibilita a rescisão indireta do contrato de
trabalho por culpa do empregador. Esse foi o entendimento da Quinta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao julgar o recurso de revista de
um empregado da Gipsocar Ltda.. Ele parou de comparecer ao serviço e
ajuizou ação trabalhista depois de ficar dois meses sem pagamento e
saber que o INSS e o FGTS não estavam sendo recolhidos.
O trabalhador recorreu ao TST após o Tribunal Regional do Trabalho
da 6ª Região (PE) ter considerado que o caso era de demissão voluntária,
e não de rescisão indireta ou abandono de emprego. Com essa decisão, o
autor da reclamação não teria direito à indenização prevista no artigo
483, alínea “d”, da CLT, que garante a rescisão indireta quando o
empregador não cumprir as obrigações do contrato. Para o Regional, a
inobservância de regularidade no pagamento dos salários no período
indicado pelo trabalhador não podia ser, efetivamente, causa para o fim
do contrato.
Para essa decisão, o TRT se baseou no prazo de três meses estipulado
no parágrafo 1º do artigo 2º do Decreto-Lei 368/68, que considera como
mora contumaz “o atraso ou sonegação de salários devidos aos empregados,
por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e
relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento”.
No TST, porém, o entendimento foi diverso. Segundo o relator do
recurso de revista, ministro João Batista Brito Pereira, o conceito de
mora contumaz aplicado pelo TRT/PE destina-se apenas a orientar
procedimentos de natureza fiscal, “não interferindo nos regramentos do
Direito do Trabalho relativos à rescisão do contrato de trabalho”.
Natureza alimentar
Na avaliação do ministro Brito Pereira, não é necessário que o
atraso se dê por três meses para que se justifique rescisão indireta do
contrato de trabalho. O relator citou diversos precedentes com esse
posicionamento, nos quais, além de se destacar que o prazo estabelecido
pelo Decreto-Lei 368/68 repercute apenas na esfera fiscal, o período de
três meses é considerado extremamente longo diante da natureza alimentar
do salário.
Em um dos precedentes, o ministro Lelio Bentes Corrêa, da Primeira
Turma, afirmou não ser crível que um empregado “tenha que aguardar
pacificamente mais de noventa dias para receber a contraprestação
pecuniária pelo trabalho já realizado”. Para o ministro Lelio Bentes, o
atraso, desde que não seja meramente eventual, caracteriza
inadimplemento das obrigações contratuais e justifica o fim do contrato
por ato culposo do empregador.
Já o ministro Pedro Paulo Teixeira Manus, da Sétima Turma, considera
que, se o salário tem natureza alimentar, “não é razoável exigir do
empregado que suporte três meses de trabalho sem a competente paga,
para, só depois, pleitear em juízo a rescisão do contrato, por justa
causa do empregador”. Para o ministro Manus, o atraso de apenas um mês
já é suficiente para causar transtornos ao trabalhador - privado de sua
única ou principal fonte de renda e, consequentemente, impedido de
prover o próprio sustento e de seus familiares e de honrar seus
compromissos financeiros.
Ao tratar do mesmo tema, em outro precedente em que o trabalhador
deixou de receber pagamento também por dois meses, o ministro Horácio
Senna Pires, à época na Sexta Turma, ressaltou não apenas a natureza
alimentar do salário, mas também o princípio da proporcionalidade. Ele
lembrou que, de acordo com as leis e a jurisprudência trabalhistas, o
descumprimento da obrigação do empregado de comparecer ao serviço por
período de apenas trinta dias – metade do prazo em que o empregador, no
caso, descumpriu seu dever de pagar os salários – já é suficiente para
caracterização da justa causa por abandono de emprego.