Interesse econômico não deve prevalecer sobre a proteção ao ambiente
No Direito Ambiental moderno, a leitura que se faz do ambiente não é só jurídica. É também, essencialmente, ecológica. A nova abordagem parte do princípio de que o Direito, sozinho, é incapaz de resolver os problemas advindos da complexidade ambiental. É preciso dar um tratamento interdisciplinar à interpretação das normas que tutelam o meio ambiente – cuja preservação, muitas vezes, transcende a capacidade dos estudos e práticas existentes.
Foi o que fez a Segunda Turma do STJ, ao manter, no ano passado, uma decisão judicial que proibiu a queimada de palha como método preparatório para colheita de cana-de-açúcar no interior paulista (REsp 1.094.873/SP). O processo originou-se de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Além de pedir a proibição da queimada para a proteção do meio ambiente e da saúde dos trabalhadores que fazem o corte da cana, o Parquet pediu a condenação dos infratores, mediante indenização. O pedido foi aceito pela primeira instância e mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
No recurso apresentado ao STJ, os produtores alegaram que a decisão da Justiça paulista violava o artigo 27 do Código Florestal Brasileiro (Lei n. 4.771/65). O dispositivo proíbe o uso de fogo em florestas e outras formas de vegetação, mas prevê uma exceção: autoriza o emprego de fogo se peculiaridades locais ou regionais justificarem tal prática em atividades agropastoris e florestais. Neste último caso, a lei ressalva que deve haver permissão do Poder Público para a realização da queimada.
Dispondo-se contra uma leitura meramente dogmática da legislação, o relator, ministro Humberto Martins, destacou a necessidade de o desenvolvimento ser sustentável, e votou pela manutenção da proibição dessas queimadas. Ao decidir, o magistrado postulou que, quando há formas menos lesivas de exploração, o interesse econômico não pode prevalecer sobre a proteção ambiental.
Além de refletir a tendência de admitir a proteção da natureza pelos valores que representa em si mesma, e não apenas pela utilidade que tenha para o ser humano, a decisão da Segunda Turma foi paradigmática por outro motivo: reconhecer o caráter transdisciplinar do Direito Ambiental. Segundo o ministro Martins, a interpretação das normas que tutelam o meio ambiente não comporta apenas a utilização de instrumentos estritamente jurídicos. “As ciências relacionadas ao estudo do solo, ao estudo da vida, ao estudo da química, ao estudo da física devem auxiliar o jurista na sua atividade cotidiana de entender o fato lesivo ao direito ambiental”, afirmou.
Nessa linha, o relator citou estudos científicos acerca do tema que comprovam os efeitos danosos da queima da palha da cana-de-açúcar, em virtude de liberar gases nocivos não apenas à saúde do homem, mas de várias espécies vivas. E observou a existência de medidas tecnológicas atuais capazes de substituir a queimada sem inviabilizar a atividade econômica da indústria.
Emblemática, a decisão do STJ priorizou os interesses difusos e coletivos referentes à saúde e ao equilíbrio ecológico em relação a interesses individuais que poderiam se beneficiar do aproveitamento do meio ambiente. E ajudou, assim, a consolidar uma jurisprudência mais ativa e avançada na área do Direito Ambiental.