OAB quer mudar Resolução do CJF sobre honorários advocatícios
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou hoje (10), por aclamação, relatório e voto do conselheiro federal por Minas Gerais, Aristoteles Atheniense, com pedido de providências para que sejam adotadas medidas cabíveis para modificação do parágrafo 1° da Resolução n° 559/2007, do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre os honorários advocatícios. O referido dispositivo, conforme o voto, não considera a natureza alimentícia dos honorários advocatícios contratuais, o que infringe os artigos 22 e 23 da lei 8.906/94, bem como disposições dos artigos 1°, 5°, 100 e 133 da Constituição Federal. Após aprovação da medida, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, informou que o pedido de modificação será encaminhado ao CJF.
A seguir, a íntegra da decisão da OAB pedindo mudança em Resolução do CJF sobre honorários advocatícios:
Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Pleno
Processo nº 2007.19.05046-01
Requerente: Dirceu Galdino Cardin
Requerido: Conselho da Justiça Federal
Relator: Conselheiro Aristoteles Atheniense
EMENTA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. NATUREZA ALIMENTÍCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO. DISPENSA DE PRECATÓRIO.
Os honorários advocatícios contratuais consistem em crédito de natureza alimentícia.
Este crédito é direito autônomo do causídico, sendo que seu pagamento deve ocorrer com a dispensa de precatório, assim como os demais créditos em que se tem reconhecida a natureza alimentícia.
RELATÓRIO
Trata-se de pedido de providências formulado por Dirceu Galdino Cardin, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, sob o nº OAB/PR 6.875, no qual se pleiteia a modificação do § 2º do artigo 5º da Resolução de nº 438, editada pelo Conselho da Justiça Federal.
O pedido foi originariamente proposto perante a OAB, Seção do Paraná, contudo, por se referir a matéria de competência do Conselho Federal (art. 54, II do Estatuto), foi o processo encaminhado a este órgão para a respectiva deliberação.
Sustenta o Requerente que o mencionado dispositivo legal desconsidera a natureza alimentícia dos honorários advocatícios contratuais, infringindo o artigos 22 e 23 da lei 8906/94, bem como os artigos 1º, III; 5º, II; 100, §1º-A e 133 da Constituição Federal.
Com estes fundamentos, o Requerente roga pela tomada das medidas necessárias para a alteração da aludida norma.
VOTO
A presente proposição insurge-se contra o teor da Resolução de nº 438/2005 do Conselho da Justiça Federal, especificamente quanto ao § 2º de seu artigo 5º.
Imprescindível salientar que o mencionado ato normativo não se encontra em vigor, tendo sido revogado pela Resolução de nº559/2007.
Entretanto, tal fato não impede a análise do mérito deste processo, uma vez que dispositivo vergastado tem seu teor reproduzido na Resolução de nº 559/2007, como se depreende:
"Art. 5o. – Se o advogado quiser destacar do montante da condenação o que lhe cabe por força de honorários, deverá juntar aos autos o respectivo contrato, antes da expedição da requisição.
(omissis)
§ 2o. – A parcela da condenação comprometida com honorários de advogado por força de ajuste contratual não perde sua natureza, e dela, condenação, não pode ser destacada para efeitos da espécie de requisição; conseqüentemente, o contrato de honorários de advogado, bem como qualquer cessão de crédito, não transforma em alimentar um crédito comum, nem substitui uma hipótese de precatório por requisição de pequeno valor, ou tampouco altera o número de parcelas do precatório comum, devendo ser somado ao valor do requerente para fins de cálculo da parcela".
Desta forma, permanece a pertinência quanto à análise da propositura realizada, com a ressalva já elucidada.
O aludido ato normativo do Conselho da Justiça Federal regulamenta o recebimento de créditos por precatórios, sendo que o dispositivo legal combatido refere-se ao tratamento dado ao crédito proveniente dos honorários advocatícios contratuais.
Pela norma discriminada, a quantia atribuída ao advogado, relativa aos seus honorários contratuais, não possui o condão de alterar a natureza do crédito devido pela Fazenda Pública, aplicando ao causídico as normas para recebimento de crédito comum.
A análise da questão posta demanda a avaliação de algumas premissas.
A Constituição Federal disciplina o pagamento dos créditos devidos pela Fazenda Pública de forma diferenciada, segundo sua natureza.
A regra geral estipulada pela Carta Magna impõe que tal pagamento ocorra “exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim” (art. 100 da CF).
Não obstante, a própria Constituição estabelece uma exceção, consubstanciada nos créditos de natureza alimentícia, eximindo os respectivos pagamentos do procedimento atribuído à regra geral, qual seja a submissão ao precatório.
Relevante constar que o §1º-A do mesmo dispositivo constitucional indica quais créditos são reputados como de natureza alimentícia, considerando “aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que o rol previsto no dispositivo supramencionado é meramente exemplificativo, sendo de natureza alimentícia os honorários advocatícios por se tratar de numerário garantidor da subsistência deste profissional e de sua família (RE 470407, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13/10/2006).
Enfatiza este aspecto FERNANDO JACQUES ONÓFRIO:
“Como um dos direitos constitucionais do trabalhador, o salário deve ser capaz de atender a suas necessidades e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer vestuário, higiene, transporte e previdência social etc (natureza alimentar do salário definida na Lei Maior.
Do mesmo modo, os honorários dos profissionais liberais têm idêntica destinação, conferindo-lhes a evidente natureza alimentar
(omissis)
Na verdade, o que confere o caráter alimentar aos honorários é a finalidade a que eles se destinam: manutenção, moradia, educação, lazer, alimentos e outras que os honorários possam suprir, de forma análoga aos salários” (Manual de honorários advocatícios. São Paulo, 1998, p. 30).
Este direcionamento também é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça em consolidada jurisprudência:
“OS HONORARIOS ADVOCATICIOS CONSTITUEM VERBA DE CARATER ALIMENTAR, ACHANDO-SE INCLUIDA NA RESSALVA DO ART. 100, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO” (STJ, RMS 1392, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 08/05/1995).
“Esta Corte já se manifestou, por meio do REsp nº 566.190/SC, DJ de 01/07/05, p. 514, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, reconhecendo a natureza alimentar dos honorários advocatícios contratuais, equiparando-os, nesse ponto, aos salários, afirmando que tais verbas podem ser restituídas de forma direta, sem que haja necessidade de inclusão no concurso de credores da massa falida, por se tratarem de quantum fixo, determinado” (STJ, Resp 571873, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 11/05/2006).
Corroborando com o texto constitucional, a lei 8906/2004 estatui:
Art. 22 A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
(...)
§4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou”.
A norma acima transcrita confere uma faculdade ao advogado, limitando-a ao exercício no prazo previsto.
Assim uma vez tempestivamente exercitado, tem-se assegurado o direito autônomo do advogado ao recebimento de seu crédito, oriundo de honorários contratuais, de forma independente do constituinte.
A aludida autonomia é reconhecida pela mais abalizada doutrina:
“Portanto, com o novo Estatuto, já não mais há interesse em se verificar para o exercício do direito autônomo, se existiria ou não disponibilidade para o pagamento direto dos honorários contratados.
Quanto ao momento em que o direito autônomo do advogado deve ser exercitado, o art. 22, § 4º, do novo Estatuto, repetindo o que se continha no art. 99, caput, da revogada Lei 4215/63, apenas lhe estabelece o termo limite: ‘até antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório’ da quantia a ser recebida pelo constituinte” (YUSSEF SAID CAHALI. “Honorários advocatícios”. 3 ed. São Paulo: RT, 1997, p. 829-830).
Percebe-se que esta autonomia atribuída pela lei 8906/94 aos honorários contratuais consiste no meio legal para concretizar o tratamento diferenciado, reconhecido e previsto na Constituição Federal, deste crédito, sob pena de inviabilizar a execução do preceito constitucional.
Nesta ordem de idéias, a Resolução 559/2007 do Conselho da Justiça Federal procede a uma inversão de raciocínio. Não se trata, como refere tal norma, de alteração de um crédito comum, atribuindo-lhe a natureza alimentícia.
Na espécie, o que se afigura é a tentativa pela norma regulamentar de extensão da natureza de crédito comum a um numerário distinto e autônomo, extraindo deste o status de crédito privilegiado, de natureza alimentar, reconhecido em lei.
Valiosa a assertiva de ALBERTO NOGUEIRA JÚNIOR:
“Mas o pior é que, embora o § 2o. do art. 5o., ora comentado, se esmere em tentar demonstrar que um direito (ao crédito decorrente dos honorários advocatícios contratados) não poderia ‘transformar em alimentar um crédito comum’, o fato é que a norma regulamentar acaba por transformar um crédito de indiscutível natureza alimentar em crédito comum, submetendo-o ao regime do precatório, sem preferência, ou a pagamento parcelado, como resultado do seu somatório ‘ao valor do requerente para fins de cálculo da parcela’.
Ou seja, a aparente intenção de não ‘beneficiar’ créditos comuns acaba por resultar em ‘prejudicar’ o crédito ‘não-comum’, alimentar” (A natureza alimentar dos honorários advocatícios e a resolução n. 559/2007. In:Jus Navigandi, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/lista.asp?assunto=251.
Merece atenção o fato de que a antinomia formada entre o § 2º do art. 5º da Resolução nº 559/2007 e o § 4º do art. 22 da lei 8906/94, somado ao art. 100 da CF, deve ser resolvida pelo critério hierárquico. Neste sentido leciona MARIA HELENA DINIZ:
“O critério hierárquico (lex superior derrogat legi inferiori) é baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra. O princípio lex superior quer dizer que num conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo” (Lei de introdução ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 68).
Ante o exposto, defiro o pedido de providências formulado, para que sejam adotadas as medidas cabíveis para a modificação do § 2º do art. 5º da Resolução n° 559/2007, do Conselho da Justiça Federal, adequando-o ao que preceitua a Constituição Federal e o Estatuto da OAB.
CONSELHEIRO ARISTOTELES ATHENIENSE
RELATOR