A instauração de inquérito civil pela Defensoria Pública
Recentemente o STF pacificou a discussão a respeito da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas, reconhecendo a constitucionalidade do art. 5º, II, da Lei 7.347, acrescentado pela Lei 11.448/07.
1. Introdução
Após o expungir da Constituição Brasileira de 1988 houve um grande incremento nos Direitos Coletivos. Houve o arcabouço para várias ações de natureza não individual, tais como: a) Mandado de Segurança Coletivo; b) Mandado de Injunção Coletivo; c) Habeas-Data Coletivo; d) Ação Popular; e)Habeas-Corpus Coletivo.
Anteriormente a Carta-Mor de 1988, a Lei Nº 7.347, de 24 de julho de 1985 já disciplinava a ação civil pública, instrumento de fundamental guarida dos direitos não individuais.
O fulcro de tais ações observa o princípio da economia dos atos processuais, procurando evitar que várias ações idênticas sejam ajuizadas, e não haver julgamentos contraditórios, conforme doutrina Hugo Nigro Mazzilli.
Tais embasamentos ganham singular relevância dado o grande número de feitos que assolam o Judiciário Brasileiro.
2. A Lei Nº 7.347, de 24 de julho de 1985
A lei acima é um grande meio de resguardo dos direitos coletivos. Segundo a mesma são legitimados para a propositura: a) o Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; d) a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e) associações.
Dentre os legitimados supra, vê-se uma tendência atual em ampliar o rol dos legitimados.
Atualmente ainda há uma grande preponderância do Ministério Público no ajuizamento das ações regidas pela lei acima.
A atribuição outorgada à Defensoria Pública para o ajuizar deu-se apenas no ano de 2007.
Como a mesma tem por objetivo maior o atendimento às pessoas necessitadas, há a tendência de que aumente muito a propositura de tais ações por parte daquela.
3. Do Inquérito Civil
No artigo 8º, § 1º, da Lei de Ação Civil Pública há a previsão do inquérito civil.
De forma análoga ao inquérito policial, o mesmo constitui-se em uma peça informativa, tendo por fim colher elementos que substanciem também a possível propositura da ação civil pública.
Conforme preleciona Hugo Nigro Mazzilli, de forma semelhante ao inquérito policial, o cível não é instrumento onde se aplicam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Analogicamente ao policial, o cível também pode ser objeto de arquivamento, com a diferença de que, neste caso, instaurado pelo Ministério Público, o mesmo tem que ser submetido ao Conselho Superior do Ministério Público, caso ajuizado por Promotor de Justiça.
4. Da legitimidade da Defensoria Pública para a instauração de inquérito civil
4.1 Doutrina
Questão bastante controversa é acerca da possibilidade da Defensoria Pública instaurar inquérito civil.
Aqueles que se opõem, alegam que a Lei N º 7.347, de 24 de julho de 1985 não outorga permissão para tal ato.
Neste sentido, pontifica AZAMBUJA (2012): "o Inquérito Civil foi trazido pela Lei Federal n 7.347/85. É de atribuição exclusiva do Ministério Público, tendo natureza inquisitiva, informal o que possibilita uma prévia investigação de fatos denunciados com o fim de se diminuir a propositura de Ações Civis Públicas sem fundamento, evitando assim o abarrotamento do Poder Judiciário. Sendo cabível quando puder ensejar o ajuizamento de uma ação civil. Em se tratando de dano local, ele será instaurado no foro do dano ou, em caso de dano regional se dará no foro da Capital do respectivo Estado e para os danos nacionais, é competente o foro do Distrito Federal. O indiciado em Inquérito Civil tem a faculdade de interpor recurso administrativo ao Conselho Superior, no prazo de 5 dias, com efeito suspensivo. Cabe ao indiciado prestar declarações ou fornecer subsídios à investigação. Trata-se de trâmite revestido de publicidade, exceto quando exigir sigilo. Sobre o sigilo bancário, só poderá ser quebrado com autorização judicial. Nesta investigação cabe celebração de Termo de Ajustamento de Conduta, desde que presentes todos os requisitos pertinentes, como a reparação integral do dano. Não havendo elementos suficientes a propositura da ação, promover-se-á o arquivamento do Inquérito Civil que, não torna a matéria preclusa, podendo ser reaberto a qualquer tempo".
O posicionamento acima é o predominante na doutrina, sendo que, fundamenta-se, segundo alguns, no fato de que a lei disciplinadora da Ação Civil Pública não outorga à Defensoria Pública a atribuição para instaurar a referida ação.
Os que adotam a postura acima acolhem a tese de que o rol de legitimados é exaustivo, não admitindo portanto, o instaurar por parte da Defensoria.
Opinião contrária é esposada por PAZ (2015): "em apertada síntese, alguns membros da magistratura e também o Ministério Público, têm se insurgido contra a instauração de inquérito civil pela Defensoria Pública, argumentando que trata-se de instrumento exclusivo do Parquet. Essa, contudo, não é a melhor interpretação da Lei 7.347/85, que deve ser submetida ao filtro da Constituição de 1988".
Ora, seria extremamente improvável que a legislação da época previsse tal atribuição à Defensoria. Primeiro, por que, em 1985, sequer havia a obrigatoriedade do modelo salaried staff na prestação de assistência jurídica gratuita (à época, pouquíssimos Estados adotavam tal modelo assistencial). Segundo, por que, ainda que houvesse, não havia consenso sobre a a atribuição do órgão para solução de litígios de forma coletiva.
Assim, não há como afirmar que ratio da lei seria atribuir exclusividade ao Ministério Público para instauração de inquérito. No atual contexto legal e constitucional da Defensoria Pública – mormente após a promulgação da ec 80/14 -, não há dúvidas de que essa Instituição detém atribuição para ajuizamento de ação civil pública.
Nesse sentido, como já comentado aqui, recentemente o STF, no julgamento da DI 3943, pacificou a discussão a respeito da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas, reconhecendo a constitucionalidade do art. 5º II da Lei 7.347, acrescentado pela Lei 11.448/07. Assim, e para usar ensinamentos do professor e defensor público do Rio de Janeiro Franklyn Roger, a Defensoria Pública possui o poder implícito de instaurar inquérito civil. Afinal, caso seja necessária a abertura de inquérito para subsidiar eventual propositura de ACP, não se pode negar ao legitimado um poder-meio que, se negado fosse, poderia tornar inócuo o poder-fim.
A teoria dos poderes implícitos, como bem destaca o professor Franklyn, foi largamente utilizada pelo Ministério Público para fundamentar a legitimidade do órgão acusatório para realizar investigação criminal. Não pode, portanto, o MP realizar uma interpretação seletiva da teoria, acolhendo-a quando lhe aprouver e rechaçando-a quando lhe convier.
Apesar de algumas resistências, várias defensorias estaduais já se valem do inquérito civil para subsidiar ações coletivas, a exemplo das Defensorias de São Paulo, do Pará e de Goiás. Na prática, contudo, a maioria dos defensores evitam nomear o procedimento instrutório de inquérito civil, de forma a precaver-se contra eventual arguição de nulidade do feito. Essa postura torna o assunto praticamente inexistente nos tribunais, evitando a formação de precedente positivo para a Defesa.
Inclina-se por esta posição, pois entende-se que a Defensoria Pública pode instaurar inquérito civil pelas seguintes premissas:
1) A Defensoria Pública é legitimada para a propositura de ação civil pública;
2) A Defensoria atua em prol dos necessitados, atuando em um rol de casos muito maior que os de atribuição do Ministério Público;
3) Como a Defensoria tem legitimidade para o maior (ação civil pública), consequentemente, tem para o menor (inquérito civil);
4) O inquérito civil é um procedimento meramente administrativo, não estando sujeito à observância dos Princípios Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, por exemplo.
Adota-se este entendimento, pois o Direito é algo lógico, como adverte IHERING.
Os que entendem predominar esta corrente adotam uma interpretação extensiva do Artigo 5º, incisos I, II, III, IV e V, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.
5. Conclusões
De todo o exposto, conclui-se que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública, pelos seguintes fundamentos:
1) A Defensoria Pública é legitimada para a propositura de ação civil pública;
2) A Defensoria atua em prol dos necessitados, atuando em um rol de casos muito maior que os de atribuição do Ministério Público;
3) Como a Defensoria tem legitimidade para o maior (ação civil pública), consequentemente, tem para o menor (inquérito civil);
4) O inquérito civil é um procedimento meramente administrativo, não estando sujeito à observância dos Princípios Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, por exemplo.
Referências
AZAMBUJA, Flavia Balieiro de. Inquérito civil. Investigação prévia. DireitoNet. 28 de outubro de 2012. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7585/Inquerito-civil-investigacao-previa. Acesso em: 16 dez. 2015.
IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. Meio ambiente, consumidor, patrimônio cultura, patrimônio público e outros interesses. 24ª ed. rev. amp. e atual – São Paulo: Saraiva, 2011.
PAZ, Danilo. Defensoria Pública pode instaurar inquérito civil? Disponível em: http://www.peladefesa.com.br/2015/05/defensoria-publica-pode-instaurar.html. Acesso em: 16 dez. 2015.