Terceirização: tema antigo e atual

Terceirização: tema antigo e atual

Abordagem acerca do instituto da terceirização, ao longo dos anos, em confronto com o PL 4330, em trâmite no Congresso Nacional. Há enfoque acerca das mudanças que surgirão, em relação à atual normatização do trabalho terceirizado, com a transformação em lei do PL, em exame.

O debate sobre a terceirização do trabalho no Brasil não é novo. Ao longo de alguns anos, a iniciar-se em 1984, o TST – Tribunal Superior do Trabalho - decidiu em inúmeras oportunidades sobre o assunto, de sorte a produzir a Súmula 331.

No item III daquela norma há determinar-se, ipsis litteris,

“III- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Em exame, ab initio, na norma sumular nesse item mencionado há a regulação na qual não haverá vínculo empregatício do tomador na contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza.

O serviço dos primeiros ampara-se pela Lei 7.102/83 e regulamentado pelo decreto nº 89.056/83. Referem-se, precipuamente, aos serviços prestados em estabelecimento financeiro, sem desnaturar se prestado para o particular individual.

Curioso, no entanto, basta ter cursado a quarta série do curso primário, para integrar esta valorosa profissão, verbis, “Art 16. Para o exercício da profissão, o vigilante deverá registrar-se na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho, comprovando: (...) III - ter instrução correspondente à quarta série do ensino do primeiro grau;”. (Sem o grifo).

Não obstante o nível escolar de baixo padrão, salvo melhor juízo, para o exercício de serviço de elevada significância, ainda o trabalhador poderá ter à sua disposição, arma de fogo, revólver, com direito a porte, consoante inteligência do art.20 do decreto 89.059/83, literalmente, “Art 20. É assegurado ao vigilante: (...) II - porte de arma, quando no exercício da atividade de vigilância no local de trabalho;, c/c art. 22, do mesmo decreto,verbis, Art 22. Será permitido ao vigilante, quando em efetivo serviço, portar revólvercalibre 32 ou 38 e utilizar cassetete de madeira ou de borracha. Parágrafo único. Os vigilantes, quando empenhados em transporte de valores, poderão, também, portar espingarda de uso permitido, de calibre 12, 16 ou 20, de fabricação nacional.

Sem mediar juízos de valores, o nível escolar de exigência, sendo o mesmo para o curso de formação, a nosso sentir, desborda do dever de cautela que deve, ou devia nortear as relações desses tipos de obreiros. O decreto usado para este estudo, citado linhas acima, apenas repete, nesse particular, as normas contidas na de regência da lei de nº. 7.102/83.

No que toca aos serviços de conservação e limpeza há de haver, de pronto, estudo hermenêutico do sentido que se quis dar o legislador. Sem alongar as vistas, o empregado doméstico exerce funções análogas às postadas para análise. E o empregador doméstico é tomador de serviços, em caráter individual do obreiro. Mas se distingue do examinado, em decorrência da pessoalidade e cumprimento de ordens. Nesse contexto, o legislador, em interpretação histórica, sistemática e lógica, refere-se àqueles contratados por sociedades empresárias que oferecem os serviços a outras organizações, de sorte a atender necessidades pontuais, dos que contratam.

Em continuidade, o item em estudo dispõe, in verbis, “(...) bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e asubordinação direta.” (Sem o grifo).

Mas o que são serviços especializados? Carece de melhor compreensão.

É sabido de todos ser os serviços umbilicalmente unidos à atividade-meio da organização aqueles não cingidos aos objetos do negócio. E os serviços de limpeza, se o negócio jurídico não seja este ramo, ter-se-á como serviço meio, sendo redundante tratar in fine, no texto da norma sumular.

A ressalva, “desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”, aplica-se somente aos serviços especializados (...) ou a todos, incluídos vigilantes, conservação e limpeza?

Indubitavelmente, se melhor interpretação não se puder oferecer, há ambiguidade, pela boa técnica redacional. Não se desconhece, ademais, que o princípio basilar da terceirização é a inexistência de pessoalidade, qualquer trabalhador que bem execute as tarefas será aceito, além da subordinação apenas de modo indireta. Nessa esteira, interpreta-se que atenderá a todos.

A norma sumular, com forte apelo a proteger o operário, dispões, no item IV, verbis,

“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

O citado empregador, nessa parte, refere-se à sociedade empresária que contrata com o tomador a colocação de mão de obra. E transforma o tomador em responsável subsidiário. Este significa que, não tendo o empregador, explicado algumas linhas acima, cumprido com suas obrigações perante o obreiro, do ponto de vista trabalhista, depois de apurada a falta, ou seja, cabe o benefício de ordem (primeiro cobre dele).

Difere da solidariedade que deixa a critério do credor “escolher” qual dos devedores será acionado pelo todo.

Relevante notar a parte final daquele item reproduzido linhas acima, no qual há a determinação de ser imprescindível a relação jurídica processual do tomador, ou seja, “desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo”. Temperamento absurdo que desprotege o operário.

Em primeiro pode surgir, ao exame no previsto no inciso III do art. 70 do CPC, a denunciação à lide, em que o terceiro, pela lei ou pelo contrato, estiver obrigado a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda (no caso, o denunciante). Este seria aplicado se o obreiro atacasse o tomador diretamente, sem passar pela terceirizada, embora se pudesse alegar, em preliminar, no caso do tomador, ilegitimidade passiva, porquanto o devedor de fato e de direito seja a terceirizada.

Na dicção do dispositivo sumular teria o operário de acionar, conjuntamente, tanto a terceirizada quanto o tomador, de sorte a que ambos, condenados, participariam do título executivo, houvesse a inadimplência.

Depreende-se do quanto examinado ser parcas as legislações norteadoras de tão relevante tema e tampouco não há normatização dos envolvidos, apenas portarias do MTE que, na prática, não obrigam legalmente nesse sentido e sim procedimentalmente.

Notório que a norma, a par de favorecer o obreiro, obstaculiza o acesso à farta justiça, na medida em que não demonstra a facilitação dos requisitos, insculpidos no artigo 5, LV da CF/88.

Nesse diapasão, segundo se sabe, mais de 12 (doze) milhões de trabalhadores estariam sob o regime de trabalho terceirizado, sem legislação contundente que o ampare de modo singular.

Os defensores da PL 4330 argumentam sua imperiosa necessidade, em razão dessa lacuna normativa.

A PL em exame trata desse vazio normativo. Em seu bojo, normas, que admitem seus defensores, protetoras dos trabalhadores e seus algozes admitem a precarização e que tão-somente traria benefícios aos proprietários dessas sociedades de terceirização, em sua maioria de políticos da base governista, em função dos valores recebidos dos tomadores, em detrimento dos trabalhadores.

Não há se olvidar a possibilidade prevista naquele PL da “quarteirização” (art. 2, par. 1º.), i.e., a sociedade terceirizada repassar o contrato para outra sociedade, permitido no PL, de modo que mais ainda haveria redução na remuneração do obreiro.

No que tange ao serviço público, segundo estudiosos da matéria, a proposta favorece grupos privados na contratação direta de mão de obra, sem concurso, contrariando os pressupostos constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Houve alteração no texto original, de modo a deixar de fora até as sociedades de economia mista.

Situação que promete sangrar os debates está na relação do capital social da sociedade terceirizada e o número de empregados, constante do art. 3, letra “e” do PL 4330, cuja proporção de capital no valor de R$ 250.000,00 para cada 100 (cem) trabalhadores, e.g.. É desproporcional e irrazoável. O valor “per capita” deveria ser mais bem elevado.

No que se refere aos benefícios adquiridos ao longo dos tempos, o artigo 9º do PL 4330, dispõe que, in verbis,

“Art. 9º A contratante PODE estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços a terceiros benefícios oferecidos aos seus empregados, tais como atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existentes nas dependências da contratante ou local por ela designado.” (Sem o grifo).

Evidente supressão de direitos, ao permitir ao tomador conceder ou não os benefícios informados. Esta deve ser a interpretação, em caso da norma ser restritiva, ou seja, descabe interpretação extensiva, nesse caso.

A inteligência do art.15 e seus parágrafos, daquele PL, demonstram não haver maiores consequências, decorrente de questões sindicais, de sorte que permanecem as regras de recolhimento atuais.

Examinado o art. 16 do PL houve por bem o legislador dispor o seguinte, dissipando dúvidas ou eventuais incongruências encontradas na Súmula 331:

“Art. 16. O disposto nesta Lei não se aplica:

I – à prestação de serviços de natureza doméstica, assim entendida aquela fornecida à pessoa física ou à família no âmbito residencial destas;

II – às empresas de vigilância e transporte de valores, permanecendo as respectivas relações de trabalho reguladas por legislação especial.”

Em certo lapso temporal, auditando sociedades empresárias do ramo de construção civil se era possível encontrar inúmeras incongruências e precariedade na fiscalização.

Com efeito, não era incomum sociedade contratada burlar as normas trabalhistas e a contratante não honrar sua parte, ao que, demais das vezes, eram autuadas pela fiscalização.

Em aparte, cumpre esclarecer que a normatização tributarista envolve duas figuras que são obrigadas a recolherem o tributo: o Contribuinte e o Responsável. Contribuinte é a pessoa que diretamente pratica o ato ou fato definidos pela norma legal impositiva tributária como suficientes para a constituição da obrigação tributária. Responsável é aquele que, embora não tendo praticado diretamente aquele ato ou fato, encontra-se ligado a eles por razões de fato e/ou de direito, ou seja, a lei assim o obriga. Contribuinte e responsável tributário, assim, não podem confundir-se.

Portanto, cabe ao tomador exigir da empresa de terceirização comprovante da folha de pagamento, relativa aos trabalhadores presentes na tomadora dos serviços, recolhimento de FGTS, INSS, entre outros, de modo a que não se possa responsabilizá-la judicialmente. E os cuidados devem ser enormes. Não há novidade nisso.

Usualmente, em tempo passado, certas empresas de terceirização prestavam seus serviços a quatro ou cinco tomadores e tão-somente recolhia encargos sociais e tributos de duas e apresentar estes a todas as outras, porquanto algumas não conferiam os pagamentos e os trabalhadores em exercício, à sua disposição.

Nesse exemplo, os tomadores são responsáveis tributários, portanto.

Não se deve olvidar, entretanto, haver a denominada “pejotização” que tem sido utilizada pela jurisprudência para se referir à contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de disfarçar eventuais relações de emprego que evidentemente seriam existentes, fomentando a ilegalidade e burlando direitos trabalhistas.

Deveras mais grave, porquanto há processos judiciais, em que se alega a obrigatoriedade de participar de sociedades constituídas para este fim. Em outras palavras, existem sociedades empresárias constituídas anteriormente, na qual o profissional que seria contratado como obreiro ingressa como sócio, forma absurda, na medida em que não existe o “affectio societatis”, desnaturando a suposta sociedade.

Não é rara, igualmente, a contratação de profissionais qualificados, que ingressam em certas organizações como sócios. Em verdade, participam, em alguns casos, com percentuais ínfimos de 0,000000000001% (exageramos, um pouco), p.ex., e retirada mínima de certo valor, na prática seu salário, porque não atingirá maior valor, com aquele percentual. Não há, portanto, conseqüências trabalhistas, em caso de retirada desse tipo de “sociedade”.

Despreocupam-se aqueles que devem decidir sobre a terceirização e quarteirização, com situações dessa natureza, exposta linhas antes.

Há de haver reparos e a presidenta Dilma pode não sancionar a futura lei e criar queda de braço com o Congresso Nacional de Renan e Cunha, pois há interesse mais que proteger o trabalhador, ao que parece, pois se informa serem políticos os proprietários de muitas sociedades de prestação de serviços terceirizados, ou seja, a agir em causa própria. O tempo mostrará.

Referências Bibliográficas

1. Súmulas do TST, disponível em: http://www.tst.jus.br/sumulas. Acesso em 16 de abril de 2015.

2. Câmera dos Deputados Federais. PL 4330: Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841. Acesso em: 16 de abril de 2015.

3. MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.20ª. Ed.Forense, 2011. 

Sobre o(a) autor(a)
José Lázaro Carneiro Rios
Advogado, Professor, Economista, Contador, Articulista do Boletim Jurídico, Trinolex, ViaJus, Jus Navegandi e DireitoNet, entre outros.
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