A constitucionalidade do art.16 da Lei nº 6.368 de 21 de outubro de 1976

A constitucionalidade do art.16 da Lei nº 6.368 de 21 de outubro de 1976

Explica porquê a tipificação da conduta de porte de substância entorpecente, do art.16 da Lei nº 6.368/76, é plenamente constitucional, descartando todo e qualquer argumento divergente a respeito.

A ntes de entrar no problema da constitucionalidade do referido dispositivo legal, devo explicar o que vem a ser crime de perigo. Os crimes de perigo se diferenciam dos crimes de dano, pois estes se consumam com a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, como por exemplo o homicídio (art.121), a lesão corporal (art.129), o infanticídio (art.123), o dano (art.163), etc. Já os crimes de perigo, são aqueles que a lei considera consumados com a simples possibilidade de um dano ou uma lesão. Ex: incêndio (art.250), omissão de socorro (art.135), ato obsceno (art.233), etc.

Não há necessidade de a conduta do agente lesar efetivamente um bem jurídico, pois basta o perigo de dano. Para que se considere uma conduta como crime, é necessário que a mesma lese um bem jurídico relevante, segundo o princípio da lesividade. Embora maus pensamentos sejam considerados pecados, não possuem relevância penal, devido ao brocardo jurídico cogitationis poenam nemo patitur. São igualmente impuníveis os atos preparatórios, exceto se constituírem atos executórios de outro crime, como por exemplo quadrilha ou bando (art.288).

O legislador também considerou atípica a conduta inidônea a produzir um resultado lesivo ou ao menos causar um perigo, que é o crime impossível ou quase crime (art.17), como por exemplo atirar em um defunto, tentar matar alguém mediante uso de veneno, quando a substância usada é açúcar (exceto se se tratar de indivíduo diabético), etc.

A conduta descrita no art.16 da Lei nº 6.368/76 é considerada crime de perigo, pois há a probabilidade e a potencialidade de um dano. A questão é saber se o perigo é real ou é apenas criação legal. Na verdade, ele existe, exigindo um juízo indutivo.

Há o perigo concreto e o abstrato, sendo que o primeiro precisa ser provado, enquanto o outro é presumido. Há 3 (três) posições que explicam a admissibilidade ou não do perigo abstrato segundo o princípio da lesividade. A primeira diz que o perigo não precisa ser provado, pois há presunção absoluta (juris et de jure). A segunda posição aceita a presunção relativa do perigo. E a terceira não admite, sob pena de violar o presente princípio, sendo que o Direito Penal não pode presumir perigos. Alguns autores pensam ser inconstitucional o art.16, por entenderem não afetar bem jurídico de terceiras pessoas, exigência do princípio da lesividade.
Predomina na doutrina e na jurisprudência a posição de que o dispositivo em estudo não é inconstitucional, por afetar um bem jurídico, que é a Saúde Pública. As condutas de trazer e adquirir põem em risco a Saúde Pública, pois portar certa substância, faculta o acesso a outras substâncias através de outras pessoas. Este é perigo que causa a conduta de adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente. O perigo que a conduta causa é abstrato, independente de prova em contrário.

O que certamente os partidários da outra posição entendem é que a conduta de portar substância entorpecente para uso próprio lesa o bem jurídico saúde e integridade corporal do próprio usuário, sem causar dano a terceiras pessoas, argumento este totalmente improcedente, pois o legislador não considerou o mal que a substância causa ao próprio usuário, mas sim o perigo que causa à coletividade. O risco aqui, entendo eu, é o de outras pessoas presenciarem o indivíduo usando a droga, podendo assim tornarem-se usuários também, ainda que seja uma única pessoa. Não importa se alguém passou a usar a droga ou não, o que importa é o risco que isso venha a acontecer.

Alguns juristas defendem a descriminalização de condutas consistentes em adquirir, trazer e guardar consigo substância entorpecente em ínfima quantidade, sob o argumento de que são incapazes de causar efeitos psicotrópicos, invocando o princípio da bagatela ou da insignificância.

Pela leitura do art.16, não se encontra absolutamente nada a respeito da quantidade da substância que o sujeito deve portar, para que seja considerada criminosa a sua conduta, sucumbindo qualquer alegação de quem invoca o princípio da insignificância para sustentar que uma pequena quantidade de entorpecente torna atípica a conduta de portar para uso próprio.

Para o representante do Ministério Público denunciar o indivíduo, basta a existência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, circunstâncias estas que o compele a iniciar a ação penal, não importando a quantidade da droga.

Segundo entendeimento do Supremo Tribunal Federal, basta o perigo presumido que causa à coletividade, não a quantidade da substância. Obviamente que a não instauração de inquéritos policiais, os arquivamentos, as sentenças ou os acórdãos absolutórios baseados única e tão somente no pretexto da pequena quantidade da substância, só incentivarão o sujeito a portar maior quantidade da droga futuramente. Para evitar isso, existe a pena, que em um Estado Democrático de Direito como o nosso, não serve apenas para reprimir o crime, mas também para prevenir novos crimes.

O pior é que mais indivíduos poderão seguir o mesmo exemplo, por isso nossos tribunais vem decidindo reiteradamente que a conduta do art.16 é punível não levando em conta o mal que a substância entorpecente causa ao usuário, mas sim o risco que causa à saúde da coletividade, sendo sua tipificação plenamente constitucional.

Sobre o(a) autor(a)
Ronaldo Pilon Sabbadini
Estudante de Direito
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