Da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto e do serviço

Da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto e do serviço

Trata da responsabilidade civil do comerciante pelo fato do produto ou serviço, também chamado de acidentes de consumos, à luz do Código de Defesa do Consumidor.

1. Introdução



O presente trabalho tem por objeto precípuo o estudo do instituto da responsabilidade civil do comerciante no âmbito das relações de consumo em face do sistema legal introduzido pela Lei n° 8.078/90. Ressalte-se, por oportuno, que o presente estudo não se ocupará das relações de consumo em suas diversas espécies, pois o alvo visado é a responsabilidade civil do comerciante.


2. Noções preliminares



Responsabilidade Civil no CDC. Responsabilidade civil é, de forma sucinta, a obrigação jurídica que tem alguém de responder ao dano causado ao patrimônio de outrem. À luz do Código do Consumidor, quando determinado produto ou serviço causa dano ao consumidor ou a qualquer um deles equiparado, nasce para o fornecedor a obrigação de indenizar, sendo esta responsabilidade objetiva [1]: constatando-se os elementos evento danoso, o acidente de consumo e o nexo causal entre estes, surge então a obrigatoriedade de reparação. Porém, a responsabilidade civil objetiva no CDC é mitigada, pois, como explica Rosana Grinberg [2], “permite a isenção de responsabilidade, desde que o fabricante, o construtor, o produtor, o importador e o fornecedor de serviços provem que não colocaram o produto ou o serviço no mercado, que, embora, o tendo colocado, o defeito inexiste, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. Ainda sobre responsabilidade do fornecedor pelos acidentes de consumo, temos que esta é regida pelo princípio da solidariedade passiva, em que o consumidor pode exigir de todos ou de apenas um responsável a indenização total ou parcial pelo dano sofrido; e que a reparação deverá ser ampla, devendo abranger tanto danos patrimoniais (materiais) quanto morais, tanto o dano emergente quanto o lucro cessante.

Comerciante e fornecedor. O Código Consumeirista Brasileiro traz nos seus primeiros artigos a noção do que seja consumidor, fornecedor, produto e serviço. Tanto consumidor quanto fornecedor dá o CDC aspectos amplos, definindo este, em seu art. 3º, como pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Vemos o quanto é largo o conceito de fornecedor, sendo gênero que tem como espécies, por exemplo, o importador, o construtor e o comerciante [3], este que absorvemos seu conceito no Código Comercial, como pessoa natural ou jurídica, que exercita atos de intermediação ou prestação de serviços, profissionalmente e com intuito lucrativo. Útil lembrar que a designação de comerciante como fornecedor strictu sensu no artigo supra serve para dar à relação jurídica comerciante-fornecedor a roupagem de relação de consumo. Fizemos inicialmente esta observação porque, apesar de ser uma das espécies de fornecedor, o comerciante tem tratamento diferenciado no âmbito da responsabilidade civil imposta pelo CDC, como adiante veremos na análise do art. 13 e seus incisos.

Fato do produto e fato do serviço. Necessária é a distinção preliminar entre vício e defeito. Em ambos, o produto desenvolve comportamento atípico, sendo que “quando a anomalia resulta apenas em deficiência no funcionamento do produto ou serviço, mas não coloca em risco a saúde ou segurança do consumidor não se fala em defeito, mas em vício. Portanto, fato do produto ou serviço está ligado a defeito, que, por sua vez, está ligado a dano” [4]. Deste modo, temos a noção de fato do produto, também chamado de acidente de consumo, que é o evento danoso verificado pela utilização de produto eivado de defeito. Já fato de serviço, que também trataremos em tópico vindouro, é o evento danoso que ocorre na prestação de serviço, entendendo-se como tal, em face da abrangência do conceito legal, toda a atividade por ele realizada no propósito de tornar o seu negócio viável e atraente, como, por exemplo, as facilidades colocadas à disposição da sua clientela.


3. Responsabilidade do comerciante pelo fato do produto e do serviço (art. 13 do CDC)



No art. 12 do CDC, temos que a responsabilidade dos fornecedores, exceto o comerciante, é objetiva, respondendo por danos causados independentemente de culpa, ressalvadas as hipóteses dos incisos I a III do art. 13. O comerciante tem responsabilidade subsidiária nos acidentes de consumo pois os obrigados principais são os fabricantes, produtores, construtores e o importadores, com a ressalva destes incisos acima citados.

Antes de analisar o art. 13, temos uma observação que achamos útil seu friso [5]: quem coloca sua própria marca de comércio é fabricante ou comerciante? Nesta questão, se o comerciante põe sua marca precedida da expressão distribuído por ou equivalente, será ele responsável nos termos do art. 12, CDC. Se não, ocorrendo a aposição de sua marca ou outro sinal distintivo, ocultando o verdadeiro fabricante, será ele responsável nos termos do art. 13.

O caput do art. 13 traz que o comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, passando a enumerar três hipóteses. O professor Rizzato Nunes ressalta que o vocábulo igualmente tem duplo sentido, de modo que “o comerciante tem as mesmas responsabilidades firmadas no artigo anterior e que o comerciante é solidariamente responsável com os agentes do art. 12. [6]”

3.1. Quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados (art. 13, I)

Observa a doutrina [7] que não quer dizer que há “impossibilidade de identificar o fabricante, produtor, etc.” É o caso do comerciante que vende produtos a granel, expostos em feiras e supermercados, que não teve como identificar qual dos produtores forneceu a ele o produto gerador de acidente de consumo. Frise-se que a norma permite a venda de produto sem identificação é exceção a regra geral do dever de informar no ato da oferta, conforme art. 31, CDC, que trata do dever de o fornecedor informar, entre outras especificações do produto, a sua origem.

3.2. quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador (art. 13, II)

O inciso II faz menção ao caso do comerciante que tem condições de identificar o produtor, mas mesmo assim não o faz [8]. Diferentemente do item anterior, o comerciante fere o art. 31 do CDC quando pratica tal ato. Aqui merece atenção às conseqüências geradas pelos incisos I e II: No primeiro, nem a autoridade fiscal nem a judiciária pode realizar a apreensão dos produtos sem identificação, diferente ocorre com segunda hipótese, já que o elemento essencial da informação foi omitido.

3.3 não conservar adequadamente os produtos perecíveis (art. 13, III)

Neste último caso, temos como exemplo clássico o comerciante que, no desejo de reduzir custos, desliga seus freezers durante a noite, colocando em risco a qualidade de produtos como carnes e laticínios. Neste caso, o comerciante terá responsabilidade direta [9], pela não conservação adequada de produtos. Há a exclusividade da culpa do comerciante no evento danoso. “Como é intuitivo, o ônus da prova de culpa exclusiva do comerciante é dos fornecedores elencados naquele dispositivo [10]”. Não sendo os produtos perecíveis, a responsabilidade do comerciante é solidária, juntamente com a dos demais fornecedores do produto.

Por último, o comerciante é responsável por fato de serviço também, como, v.g., no julgado assim transcrito:

RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL – QUEDA DE CLIENTE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL – SUPERMERCADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 14 – C. DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Acidente de consumo. Fato do serviço. Responsabilidade objetiva. Responde o comerciante, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, entendendo-se como tal, em face da abrangência do conceito legal, toda a atividade por ele realizada no propósito de tornar o seu negócio viável e atraente, aí incluídos o estacionamento as instalações confortáveis e outras facilidades colocadas à disposição da sua clientela. Assim, provado que a vítima escorregou e caiu quando fazia compra em seu estabelecimento comercial, impõe-se o dever de indenizar os danos decorrentes da queda independentemente de culpa. No caso, nem seria preciso chegar a tanto porque a violação do dever de cuidado da suplicada, por negligência evidente, resultou configurada na medida em que os seus prepostos omitiram-se em manter o seu estabelecimento em condições de limpeza, higiene e segurança, de modo a garantir a mais absoluta integridade física a todos os seus milhares de clientes, enquanto estão sob sua proteção. Reforma da sentença. (DSF) (TJRJ – AC 6923/95 – (Reg. 290396) – Cód. 95.001.06923 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – J. 21.11.1995)

Neste exemplo, há responsabilidade objetiva do comerciante, bastando a prova do evento danoso (o fato que a vítima escorregou e caiu) e que esta fazia compra no estabelecimento comercial. Não houve aqui cuidado suficiente com a segurança dos clientes que transitavam pelo interior da loja, de modo a garantir a mais absoluta integridade física do consumidor. Aqui cabe uma indagação: o uso de sinal ostensivo (do tipo placa ou qualquer outro) que alerte a respeito do piso escorregadio, de modo a evitar o trânsito de clientes na área úmida exime o comerciante de responsabilidade, com base no art. 13, § 3º, III, que isenta o fornecedor de responsabilidade em caso de ser provada a culpa exclusiva do comerciante? O citado dispositivo enumera a isenção da culpa para fabricante, construtor, produtor e importador. Se esta lista for meramente exemplificativa, o dispositivo pode ser aplicado no caso trazido à baila. Achamos que é possível que a isenção de responsabilidade do comerciante, desde seja a área molhada bem alertada, ou melhor,ainda, isolada de pedestres.


4. Impossibilidade de denunciação da lide (art. 88, CDC)



Na ação de reparação de danos, o comerciante não poderá usar do expediente da denunciação da lide, que é “expediente processual que introduz complicadores no pólo passivo da ação de responsabilidade” [11]. Tem esta proibição duas bases [12]: a primeira é a economia processual gerada com o prosseguimento da ação de regresso nos mesmos autos (nada impede que a ação de regresso seja em processo autônomo, que só terá cabimento se a ação originária for julgada procedente), e, segunda, a norma impede que a aglutinação de ações indiretas no mesmo efeito. Rizzato Nunes ainda observa que o art. 88 é incompleto, pois deveria ser vedado também o chamamento ao processo. Temos sobre este assunto este acórdão:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CARTÃO DE CRÉDITO – APONTE DO NOME COMO DEVEDOR INADIMPLENTE – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – DESCABIMENTO – ART. 88 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – AGRAVO PROVIDO – CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA MOVIDA CONTRA A FORNECEDORA DE SERVIÇO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INCABIMENTO. (TJRJ – AI 1892/97 – (Reg. 101097) – Cód. 97.002.01892 – RJ – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Nílson de Castro Dião – J. 01.07.1997)


5. Conclusão



À guisa das conclusões, temos, inicialmente, que a responsabilidade do fornecedor no CDC é objetiva e mitigada, pois permite a isenção de responsabilidade desde que provada qualquer das hipóteses do art. 12, § 3º, incisos I, II e III, aplicados os princípios da solidariedade passiva e da ampla reparação em caso de dano. Em segundo momento, temos o comerciante como espécie de fornecedor com tratamento diferenciado quanto à responsabilidade por acidente de consumo, sendo subsidiariamente responsável com os demais fornecedores do art. 12. Por último, a denunciação da lide é vedada em ação de reparação de dano causado por acidente de consumo, entendendo a doutrina que, apesar de não haver menção legal, o chamamento ao processo é também vedado.



Bibliografia

GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de Direito do Consumidor. 1ª Edição: Rio de Janeiro, Forense, 1ª Edição, 2001.

GRIMBERG, Rosana. Fato do produto ou do serviço: Acidentes de consumo. Revista de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 35, Julho/Setembro, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini [et alli]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001

NUNES, Luis Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (art. 1º ao 54). São Paulo, Saraiva, 2000

QUEIROZ, Ricardo Canguçu Barroso de. Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e responsabilidade pelo vício do produto e do serviço – paralelo. Disponível em <http://www.ujgoias.com.br> Acesso em 01 junho 2002

ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. A responsabilidade pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 5, Janeiro/Março, 1993.


[1] Pela própria dicção do art. 12 se extrai esta noção, já que este dispositivo fala que os fornecedores respondem pela reparação dos danos causados aos consumidores, independentemente de culpa, excluindo deste modo o elemento subjetivo.

[2] GRIMBERG, Rosana. Fato do produto ou do serviço: Acidentes de consumo. Revista de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 35, Julho/Setembro, 2000, pág. 158.

[3] Neste sentido: NUNES, Luis Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (art. 1º ao 54). São Paulo, Saraiva, 2000, pág. 94

[4] QUEIROZ, Ricardo Canguçu Barroso de. Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e responsabilidade pelo vício do produto e do serviço – paralelo. Disponível em <http://www.ujgoias.com.br> Acesso em 01 junho 2002

[5] ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. A responsabilidade pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 5, Janeiro/Março, 1993, pág. 41.

[6] NUNES, Luis Antônio Rizzato. Op.cit., pág. 173

[7] NUNES, Luis Antônio Rizzato. Op.cit., pág. 174

[8] NUNES, Luis Antônio Rizzato. Idem

[9] GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de Direito do Consumidor. 1ª Edição: Rio de Janeiro, Forense, 1ª Edição, 2001, págs. 56 e 57

[10] GRINOVER, Ada Pellegrini [et alli]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, pág. 172

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini [et alli]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, pág. 173

[12] NUNES, Luis Antônio Rizzato. Op. Cit., pág. 178
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Cláudio Saraiva
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