A teoria da perda de uma chance

A teoria da perda de uma chance

A Teoria da Perda da Chance surge no Direito Francês como um complemento da noção da “responsabilidade” no âmbito cível, considerando-se a impossibilidade de exercício de uma oportunidade.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com o presente artigo, busca-se observar a questão da possibilidade da aceitação da teoria da perda de uma chance no direito brasileiro.

De início, tem-se por necessário referir que o reconhecimento de tal teoria não é previsto textualmente em nenhum regramento contido no Ordenamento Jurídico pátrio vigente. Porém, isso não quer dizer que a aplicação de tal teoria não venha sendo discutida, enquanto uma possibilidade, tanto na doutrina quanto na jurisprudência atualmente desenvolvida em alguns tribunais do país.

Por meio dessa teoria busca-se reparar a perda de uma oportunidade que foi perdida exclusivamente por ato perpetrado por outrem. Essa responsabilização só pode ocorrer enquanto uma decorrência natural da existência de um prejuízo. Além disso, previamente, deve ocorrer um ato ilícito praticado por um terceiro, cujos efeitos alterem tão completamento o status quo dos sujeitos envolvidos que não seja mais possível qualquer tentativa de retorno a este. Assim, busca-se observar, através dos mecanismos legais, se o Poder Judiciário brasileiro “incorporou” a possibilidade da utilização da teoria da perda de uma chance e em que situações a mesma pode ser utilizada.

2. O PROCESO DE RESPONSABILIZAÇÃO E A ATUALIZAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PARA RESPONDER AS NOVAS DEMANDAS SOCIAIS: A TEORIA DA PERDA DA CHANCE

Imperioso é destacar que a Responsabilidade Civil tem a ver com a Obrigação Civil, reparação de um dano. O dano pode ocorrer, na esfera cível, quer pela ação, quer pela omissão, como evidencia Belmonte.[1]

Responsabilidade tem a ver com a reparação de um dano. Indenizar significa reparar o dano causado á vítima, integralmente. Só é possível, restaurando-se o statu quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Assim, o dano, em toda a sua extensão, há de abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante, como indica Gonçalves.[2]

Sergio Cavalieri conceitua o dano emergente (positivo) como a efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima, em razão da prática de um ato ilícito, o que efetivamente a vítima perdeu. Assim, a mensuração do dano emergente não enseja grandes dificuldades, será a diferença do valor do bem jurídico que tinha antes e depois do ato ilítico, “Assim dano emergente é tudo que se perdeu, sendo certo que a indenização haverá de ser suficiente para a restitutio in intefrum”.[3]

A Responsabilidade Civil por perda de uma chance é uma teoria que reconhece a possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado da oportunidade de obter um lucro ou de evitar um prejuízo. Essa teoria tem a característica de reconhecer uma nova categoria de dano indenizável, um dano autônomo, consistente na oportunidade (ou chance) perdida, o qual independe do resultado final. Atribui-se um valor econômico, de conteúdo patrimonial, a probabilidade de obter um lucro, sem que jamais se saiba se aquela probabilidade efetivamente se verificaria no caso concreto, pois um fato interrompe o curso normal dos acontecimentos antes que se pudesse constatar se aquela oportunidade se concretizaria.

Normalmente, a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização em razão da perda da própria vantagem. Ao assim proceder, a vítima esbarrava no requisito de certeza dos danos, tendo em vista que a realização da vantagem esperada será sempre considerada hipotética, em razão da incerteza que envolve os seus elementos constitutivos.[4]

Se a perda de uma chance for enquadrada como dano emergente ou lucro cessante, terá o autor da ação que comprovar de forma inequívoca que, não fosse a existência do ato danoso, o resultado teria se consumado, com a obtenção da chance pretendida, o que é impossível. Ora, se a vitória não pode ser provada e confirmada, o mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção do resultado esperado.[5]

Conforme afirma Sérgio Savi “[...] no caso de lucros incessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro”. Porém, já nas hipóteses de perda de uma chance, “permanece-se no campo do desconhecido, pois em tais casos, o dano final é, por definição, indemonstrável, mesmo sob aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva”.[6]

Não se deve, todavia, olhar para a chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará. Deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de se evitar um dano; devem-se valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado para ver se são ou não relevantes para o ordenamento. Essa tarefa é do juiz, que será obrigado a fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as concretas possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado favorável. A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinqüenta por cento, de ode se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance são indenizáveis, como preleciona Cavalieri Filho.[7]

O foco da indenização, portanto, não é a vantagem perdida, mas sim pela possibilidade séria e real de não se conseguir ter acesso a essa chance de obter a vantagem. Deve-se fazer uma distinção entre o resultado perdido e a real possibilidade de consegui-lo. A possibilidade de vitória terá valor menor que a vitória futura e isso devem ser analisadas no momento da quantificação do dano.

Assim, o enquadramento da indenização pela Perda de uma Chance não cabe exatamente como no dano emergente nem nos lucros cessantes, antes a probabilidade, e não certeza, de obtenção do resultado aguardado. Por isso, trata-se de uma terceira espécie intermediária de dano, entre o dano emergente e o lucro cessante.[8] O art. 402 do Código Civil, conclui o raciocínio legal, quando preceitua que: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. É nesta parte final, como terceira espécie de dano que se enquadra a indenização pela perda de uma chance.

Agora, como se observa, não há mais entrave algum para o reconhecimento á indenização pela perda de uma chance. Assim, as chances perdidas, desde que reais e sérias, deverão ser indenizadas quando restar provado o nexo causal entre o ato do ofensor e a perda da chance, uma vez que no novo Código Civil Brasileiro, a exemplo de outros sistemas jurídicos estrangeiros, ao prever cláusula geral de responsabilidade pela indenização de qualquer espécie de danos, inclui aquela decorrente da perda de uma oportunidade.[9]

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, uma sociedade precisa evoluir em termos jurídicos, para que produza regras que coincidam com os anseios da população, que possam suportar as relações que se formam entre os indivíduos. Nem sempre o direito funciona com a celeridade necessária para abarcar os comportamentos existentes. Porém, é necessário perceber e incorporar o que não foi originalmente previsto, sob pena de prejuízos ainda maiores.

Uma das inovações legais recentes e que merece destaque foi objeto do presente artigo. Discutiu-se a Teoria da Perda de uma Chance, demonstrando-se alguns de seus fatos mais importantes e o modo como ela surgiu. Essa é uma condição necessária para entender o animus que levou à sua admissão. Isso é necessário para que se possa entender o motivo pelo qual ela foi capaz de ser introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo sem uma previsão expressa.

Para que se pudesse perceber a importância dos valores contidos nessa teoria, foi feita uma breve discussão teórica, envolvendo a doutrina e o modo como esta percebe a compatibilidade (ou não), da Perda da Chance com as previsões contidas legais. Além disso, importante é observar os limites ao seu reconhecimento, que foram impostos pela prestação jurisdicional conferida pelos juízes, às questões envolvendo esse tema.

Desse modo, em relação ao tema proposto, resta-nos esperar. Pois a utilização ou não, da teoria da perda de uma chance em fatos ocorridos durante o regime ditatorial brasileiro só será pacificada quando tivermos um caso concreto sob análise jurisdicional.

4. REFERÊNCIAS

BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho – Curso de Direito Civil Aplicado ao Direito do Trabalho. 3. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil e aument. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. Direitonet. 04 jan. 2008. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chancena-responsabilidade-civil>. Acesso em: 15 jun. 2010.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

MELLO, Nehemias Domingos de. Dano Moral Trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007.

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.

TÚLIO, Marco. Indenização pela perda de uma chance. Blog do Professor Marco Túlio, 16, mar. 2009. Disponível em: <http://professormarcotuliofigueiredo.blogspot.com/2009/03/stj-revela-quais-sao-osdeslizes-mais.html>. Acesso em: 15 jun. 2012.

NOTAS

[1] BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho – Curso de Direito Civil Aplicado ao Direito do Trabalho. 3. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil e aument. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 444.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 588.

[3] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 74.

[4] BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. Direitonet. 04 jan. 2008. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-umachance-na-responsabilidade-civil>. Acesso em: 13 maio 2012.

[5] MELLO, Nehemias Domingos de. Dano Moral Trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007, p. 22.

[6] SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 18.

[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 77-78.

[8] TÚLIO, Marco. Indenização pela perda de uma chance. Blog do Professor Marco Túlio, 16, mar. 2009. Disponível em: <http://professormarcotuliofigueiredo.blogspot.com/2009/03/stj-revela-quaissao-os-deslizes-mais.html>. Acesso em: 20 jun. 2012, p. 01.

[9] MELLO, Nehemias Domingos de. Dano Moral Trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007, p. 22.

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Henrique Menengon Dutra
Luiz Henrique Menengon Dutra, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Constitucional. Mestrando em Direito Constitucional.
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