Da competência do PROCON limitada às relações de consumo frente ao tema da segurança bancária
Os PROCONs são órgãos oficiais locais, podendo ser estaduais, distritais e municipais de defesa do consumidor. Foram criados especificamente para este fim, com competências no âmbito de sua jurisdição e são destinados a efetuar a defesa e proteção dos direitos e interesses dos consumidores.
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC – é a conjugação de esforços do Estado, nas diversas unidades da Federação e da sociedade civil, para a implementação efetiva da Política Nacional das Relações de Consumo[1]. Trata-se de uma infraestrutura protetiva do consumidor, sendo um conjunto de órgãos públicos e entidades privadas responsáveis, direta ou indiretamente, pela promoção de defesa das relações de consumo[2].
Essa estrutura está normatizada pelo Decreto 2.181/97, que dispõe sobre sua organização e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Integram o SNDC a Secretaria de Direito Econômico – SDE – do Ministério da Justiça, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC-, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de defesa do consumidor[3], onde insere-se o PROCON.
Os PROCONS são órgãos oficiais locais, podendo ser estaduais, distritais e municipais de defesa do consumidor, criados, na forma da lei, especificamente para este fim, com competências no âmbito de sua jurisdição, para exercitarem as atividades contidas no CDC e no Decreto nº 2.181/97, destinados a efetuarem a defesa e proteção dos direitos e interesses dos consumidores, tendo por função acompanhar e fiscalizar as relações de consumo ocorridas entre consumidores e fornecedores, aplicar as penalidades administrativas correspondentes, orientar o consumidor sobre seus direitos, planejar e executar a política de defesa do consumidor, entre outras atribuições.
Nessa seara, há algumas discussões sobre a atuação do PROCON frente aos órgãos reguladores (ANATEL, SUSEP, BACEN, ANEEL, etc.), que versam sobre conflitos no conteúdo normativo regulatório e os preceitos de defesa do consumidor. Todavia, a jurisprudência é pacífica na solução dessa contenda; se as condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse de consumidores, é legítima a atuação do PROCON para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC[4].
Entretanto, há casos não contemplados na jurisprudência em que a discussão não se encerra, nos quais o PROCON é por vezes envolvido diretamente em temas que podem estar separados da concepção prevista no CDC quanto ao consumidor, fornecedor e relação de consumo, ocasionando colisão de conceitos, quanto à sua competência e poder de polícia.
Isso porque, o consumidor, nos termos legais, é toda pessoa física, ou jurídica, que adquire, ou utiliza produto, ou serviço, como destinatário final, bem como a coletividade de pessoas que intervém nas relações de consumo[5]; o posicionamento do STJ é de que não basta que o consumidor seja destinatário final fático do bem ou serviço; deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta[6].
Por sua vez, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica que produz, realiza montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, incluindo os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária[7].
Já a relação de consumo pode ser entendida como toda relação
jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor, tendo como objeto
o fornecimento de um produto que é qualquer bem móvel, imóvel, material ou
imaterial[8],
ou da prestação de um serviço entendido por qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista[9].
O enleio dá-se quando o PROCON, diante de legislação municipal ou estadual, por vezes se afasta dos princípios da legalidade, isonomia, segurança jurídica, razoabilidade e proporcionalidade, adotando um poder de polícia arbitrário ao ampliar sua atuação administrativa e normativa; a revelia de sua competência inerente à Política Nacional de Defesa do Consumidor, nos casos que fiscaliza a segurança bancária, quanto a temas como “saidinhas” de bancos, instalação de câmeras de segurança, biombos, proibição de uso de celular, fachadas blindadas, entre outros, já que essas proposições não parecem estar reunidas no conceito das “relações de consumo”.
Destaca-se que não se quer aqui afastar a responsabilidade das instituições financeiras em promover a segurança. O que se quer é demonstrar que o PROCON não é o órgão responsável para fiscalizar temas de segurança bancária e, muito menos, aplicar as sanções previstas no artigo 56 do CDC.
É indiscutível que a segurança bancária deve ser exaustivamente planejada, elaborada, acompanhada e fiscalizada pelos órgãos responsáveis e com aptidão legal para esse fim, quais sejam a Polícia Federal ou a Secretaria de Segurança Pública.
Não obstante, quando o CDC fala em proteção a saúde e segurança do consumidor, nos artigos 8º e 14, o conceito guarda relação com o fornecimento de produtos e serviços para evitar os acidentes de consumo, ou seja, para evitar que o fornecedor coloque no mercado produtos ou serviços que possam ser nocivos ou perigosos à segurança de seus clientes.
Aceitar o PROCON como órgão de fiscalização, instrução e julgamento nos temas de segurança bancária seria como aceitar que ele possui competência semelhante a que é atribuída à Polícia Federal ou a Secretaria de Segurança Pública. E mais: saindo da esfera bancária, pensando no tema “segurança dos clientes”, da mesma forma, compartilhar que o PROCON tem aptidão para vigiar, julgar e punir casos que possuem risco inerente a atividade fim, tomando-se como exemplos, o assalto de automóvel, assim que o cliente adquire e retira o carro de uma concessionária; blindagem da fachada de uma loja de jóias e relógios; ou a necessidade de instalação de câmeras de segurança no entorno de quaisquer estabelecimentos comerciais; não parecem fazer nenhum sentido.
É inegável a responsabilidade do banco em prover a segurança de seus clientes, garantindo o patrimônio que se encontra aplicado em seu estabelecimento, o que é efetivamente realizado nos termos da Lei 7.102/83 que disciplina a segurança para estabelecimentos financeiros, bem como pela portaria 387/2006 alterada pela portaria 781/2010 da Polícia Federal a qual dispõe sobre as normas da segurança privada. Nessa seara, para que uma instituição financeira funcione, ela necessita de ter um Plano de Segurança aprovado anualmente pela Polícia Federal, fato que por si só, demonstra o cumprimento legal do tema e caracteriza a boa prestação de serviço, mesmo que secundário, quanto à promoção da segurança bancária.
Além disso, inúmeros dispositivos de segurança suplementares são constantemente inseridos e aperfeiçoados pelos bancos para proteção de seus clientes e funcionários. Por exemplo, o aprimoramento da tecnologia de monitoramento, segurança física, informação quanto à fraudes bancárias, limitação de horário de saque, entre outros, são cautelas preventivas para precatar-se ou até impedir práticas delituosas.
E mais, considerando que os bancos constituem alvo de ações criminosas, pelo risco inerente a sua atividade quanto à existência sabida de dinheiro em suas dependências, há de ser levada em conta a constante adoção de medidas informativas preventivas aos clientes nos canais de atendimento e nas próprias agências, com a intenção de inibir o evento danoso.
Para os que podem suscitar o questionamento quanto à responsabilidade objetiva do banco, esse entendimento é compartilhado nos termos da teoria do risco do negócio e periculosidade inerente à atividade, todavia, sob a égide do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, considerando que os prestadores de serviços devem responder pelos danos causados, independentemente de agirem com culpa, tendo responsabilidade direta por seus produtos ou serviços, ainda mais, quando a atividade desenvolvida por eles implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, de forma que mais uma vez, não se vislumbra a aplicação do CDC.
De outro lado, caso haja a inquietação do PROCON quanto à segurança bancária, acredita-se que a forma razoável de atuação seria a utilização de suas aptidões legais previstas no artigo 4º do decreto 2181/97, a fim de representar ao Ministério Público competente, a adoção de medidas processuais, penais e civis, no âmbito de suas atribuições, ou ainda, levar ao conhecimento dos órgãos competentes, as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores, mas não, por falta de competência legal, ser o agente fiscalizador, julgador e punitivo.
Diante das considerações apresentadas, o serviço de segurança bancária invocado, sobretudo disciplinado pelas Leis Municipais/Estaduais, não é uma atividade que está inserida nas relações de consumo, normatizada pelo CDC, em razão de sua especificidade, essência e falta de requisitos legais, sendo incorreta a fiscalização realizada pelo PROCON, atitude que pode e deve ser discutida no judiciário como excesso de poder, caracterizada como vício do ato administrativo, vez que o agente público excede os limites de sua competência, exorbitando de suas atribuições[10], discricionariedade que arrepia os princípios da administração pública, além da colisão com os princípios do direito das relações de consumo.
REFERÊNCIAS
[1] Código de Defesa do Consumidor. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010. Art. 4ºCDC
[2] MEIRA, Castro. REsp 1138591 / RJ. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma, julgado em 22/09/2009, DJ 05/10/2009.
[3] Decreto 2181, de 20.03.97. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010. Art. 2ºCDC.
[4] MEIRA, Castro. REsp 1138591/RJ. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma, julgado em 22/09/2009, DJ 05/10/2009.
[5] Código de Defesa do Consumidor. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010. Art. 2º
[6] ANDRIGHI, Nancy, in: REsp 476.428-SC. TERCEIRA TURMA, julgado em 19.04.2005, DJ 09.05.2005 p. 390.
[7] Código de Defesa do Consumidor. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010.Art. 3º.
[8] Código de Defesa do Consumidor. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010. Art. 3º, §1º
[9] Código de Defesa do Consumidor. ANGHER, Anne Joyce, coordenadora. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8 ed., São Paulo – SP: Rideel, 2010. Art. 3º, §2º.
[10] NOHARA, Irene Patrícia. Limite a razoabilidade nos atos administrativos. São Paulo: Editora Atlas, 2006.