Procedimentos impropriamente cautelares

Procedimentos impropriamente cautelares

Trata sobre a terminologia “impropriamente cautelares”, também denominada como “cautelares satisfativas”. Levando aos operadores do direito a origem da expressão, bem como diversos comentários doutrinário e jurisprudencial.

Aprioristicamente, convém esclarecer sobre a origem da expressão “impropriamente cautelares”, também conhecida na prática forense como “cautelar satisfativa”. Não são cautelares na verdade, tendo em vista que a satisfatividade não é compatível com os procedimentos das cautelares.

Pois bem, como é cediço, a atual denominação perdura por tempos no território nacional. Quando ocorre a prestação jurisdicional decorrente de uma tutela de urgência em procedimento autônomo, na qual o Poder Judiciário emana um provimento de urgência que não depende de ratificação no mesmo ato processual ou em outro, conclui-se que é desnecessário o ajuizamento da ação principal, tendo em vista o caráter satisfativo da medida.

Hodiernamente, há uma exprobração das melhores doutrinas quanto a terminologia “cautelares satisfativas”. Segundo elas a expressão reúne palavras contraditórias, isto é, a palavra “cautelar” não tem caráter satisfativo, mas sim conservativo.

Nesse diapasão preleciona Luciano Caseiro, que acompanha o ensinamento de Pontes de Miranda. Vejamos: “Assim, se se seguir o ensinamento de Pontes de Miranda segundo o qual a característica diferencial entre a ação cautelar e a principal se resume pela eventual satisfação do pedido que se possa obter com o resultado pretendido, jamais poderia existir uma ação cautelar com tal resultado, pois se existisse, não seria cautelar.”[1]

É importante ainda transcrevermos a lição do professor Galeno de Lacerda, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “E por fim, um item VII que foi introduzido pelo Senado: ‘a interdição ou a demolição do prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público. E essa distorção decorre a meu ver, da supressão da ação cominatória em destaque especial. Aqui é a velha ação demolitória do direito romano. A ação principalíssima, é o conflito principal”.[2]

Enfim, a terminologia é muito utilizada pela doutrina e operadores do direito, quando o jurisdicionado pleiteia uma medida definitiva que não dependa de outro ato processual para que ocorra a confirmação da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, expõe Nelson Nery e Rosa Nery: “há hipótese em que se ajuíza ação, pelo procedimento cautelar, com objetivo de obtenção de medida de cunho satisfativo. Neste caso é desnecessária a propositura posterior de ação principal, porque a medida se exaure em si mesma. São denominadas impropriamente pela doutrina e jurisprudência como cautelares satisfativas”.[3]

Mais adiante sustenta os autores que “seria mais apropriado falar-se em medidas urgente que, tendo em vista a situação fática concreta, ensejam pedido de liminar ou pedido que se processe pelo rito do processo cautelar.”[4]

Mas não é só. A expressão “cautelares satisfativas” é utilizada com grande frequência pelos nossos Tribunais. Vejamos a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça Gaúcho:

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. CARÁTER SATISFATIVO. Em princípio, as medidas cautelares estão vinculadas a uma ação principal, ou a ser proposta ou já em curso (art. 800 CPC). Toda a jurisprudência, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores, tem reconhecido, em certas situações, a natureza satisfativa das cautelares. O provimento jurisdicional que determina a ligação da energia elétrica exaure-se em si mesmo, resultando desnecessário formular outro pedido em caráter principal.”[5]

Assim, infere-se que a tutela de urgência satisfativa autônoma se caracteriza, mormente, pela desnecessidade de ratificação em ação principal.

É interessante trazer a baila o entendimento de Jorge W. Peyrano, qual seja: “Se está ante um requerimiento ‘urgente’ formulado al órgano jurisdicional por los jursticiables que se agota – de ahí lo autosatisfativa – com su depsacho favorable, no siendo entonces, necessária la iniciación de uma acción principal para evitar su caducidade odecaimiento”.[6]

Em relação em procedimento das ações impropriamente cautelares, tendo em vista a falta de regramento processual, utiliza-se como norte os artigos relacionados as ações cautelares (arts. 796 a 812 do CPC).

Ante a falta de procedimento específico para essas medidas, a jurisprudência tem adotado o procedimento cautelar. No mais, ao propor a ação em estudo, não é necessária a indicação da ação principal, como determina o artigo 801, III do CPC, já que a medida tem caráter satisfativo, dispensando, portanto, o ajuizamento da ação principal, nos moldes estabelecidos pelo artigo 806, do mesmo codex.

No que tange as demandas relacionadas a jurisdição voluntária, é importante deixar claro que não há lide, os interesses das partes são convergentes, o Poder Judiciário não atua como substituto das partes, e a atividade do Estado cinge tão-somente na aplicabilidade do direito para o caso concreto., v.g., inventário, homologação de separação consensual, etc.

Nas palavras do notório professor Wambier, “desde o princípio sabe-se a quem a tutela jurisdicional deverá ser conferida, pois inexiste conflito entre as partes.”[7]

Muito embora estejam localizadas no livro de Processo Cautelar, a doutrina reconhece como procedimentos de jurisdição voluntária as seguintes ações: (i) Justificação; (ii) Protestos, Notificações e Interpelações; (iii) Homologação do Penhor Legal; (iv) Posse em Nome do Nascituro; e (v) Protesto de Títulos.

Na justificação não há contenciosidade, tendo em vista que trata-se de jurisdição voluntária, isto é, exercida muitas vezes sem a necessidade da parte contrária. É bem verdade que a justificação não trata-se de uma medida cautelar, pois visa tão-somente constituir a prova e não assegura-la, portando, não há demonstração do periculum in mora.

Nessa seara, temos ainda a protesto, a notificação e a interpelação, que também são procedimentos não contenciosos, figurando-os como jurisdição voluntária, incluídos no campo das cautelares. Utilizando de Humberto Theodoro Júnior, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, “não atuam para preservar o processo de periculum in mora, nem servem especificamente para assegurar eficácia e utilidade de outro processo.” [8]

A homologação de penhor legal, não se trata de uma medida de cunho cautelar, levando-se em consideração o interesse na satisfação do direito e não interesse relacionado ao periculum in mora.

Doutra banda, temos a posse em nome do nascituro, que há exemplo das anteriores, também não poderá ser conceituada como uma ação cautelar, configurando tipicamente como procedimento de jurisdição voluntária.

Melhor explicando. Nos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, “o que há na espécie, é tão somente a comprovação judicial da existência de um ser, que ainda não penetrou no mundo das pessoas, e, que para atuar na tutela de seus interesses, precisa de um representante.” [9]

Mais adiante, preleciona o citado autor: “Tudo, na verdade, não passa de mero negócio judicial de tutela de interesses privados, configurando tipicamente um procedimento de jurisdição voluntária, semelhante àqueles relacionados com a tutela e a curatela.” [10]

Por fim, é de rigor explanar sobre o protesto de títulos, que também não se trata de uma medida cautelar, mas sim de um procedimento extrajudicial, realizando-se toda a solenidade proveniente da esfera extrajudicial, prevista em lei especial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTONIO de Oliveira, Francisco; Medidas Cautelares; Editora LTR; 4.ª edição; 2008;

CAMPOS, Gledson Marques; DESTEFENNI, Marcos; Tutelas de Urgência e Cautelares; 2010.

CASEIRO, Luciano Caseiro; Lide Cautelar; Livraria e Editora Universitária de Direito; 1996;

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY Rosa; Código de Processo Civil comentado, 3.º edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997;

ORIONE Neto, Luiz; Processo Cautelar; Editora Saraiva; 2004;

PEYRANO, Jorge W.; La medida autosatisfactiva: uno de los principales ejes de la reforma procesal civil, in Medidas Cautelares, coord de Jaime Greif, Santa Fe: Rubinzal – Culzoni, 2002;

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, volume II, 42.º edição, Editora Forense, 2008;

WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 11. Ed., 2010.


[1] CASEIRO, Luciano Caseiro; Lide Cautelar; Livraria e Editora Universitária de Direito; 1996; pg.129

[2] RT. 247/158

[3] Código de Processo Civil comentado, 3.º edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997; p.908

[4] Código de Processo Civil comentado; cit., p. 908

[5] STJ, 4ª turma. Relator do acórdão: Ministro Cesar Asfor Rocha. Julgamento ocorrido no dia 22/06/2004 e publicado no DJ do dia 11.10.2004, p. 336

[6] La medida autosatisfactiva: uno de los principales ejes de la reforma procesal civil, in Medidas Cautelares, coord de Jaime Greif, Santa Fe: Rubinzal – Culzoni, 2002; p.213

[7] Curso Avançado de Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 11. Ed., 2010, pg. 91

[8] Curso de Direito Processual Civil, volume II, 42.º edição, Editora Forense, 2008, p. 699

[9]Curso de Direito Processual Civil, cit., p. 711

[10] Curso de Direito Processual Civil, cit., p. 711

Sobre o(a) autor(a)
Thiago Ferreira Marques
Pós graduado em Processo Civil nas Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo (FMU). Participante da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP - desde 2010. Advogado Jr. Banco Indusval S.A.
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