O crime de corrupção de menores na visão psicológica de imputabilidade em detrimento à posição adotada pelo STJ

O crime de corrupção de menores na visão psicológica de imputabilidade em detrimento à posição adotada pelo STJ

A própria legislação penal estabelece a idade mínima de 18 anos completos para configuração da imputabilidade penal por um critério exclusivamente biológico, desprezando-se, assim, qualquer análise psicológica da mente do menor.

INTRODUÇÃO

O crime de corrupção de menores, insculpido sob a égide do Artigo 244 do Estatuto da Criança e do Adolescente, veio, assim como o próprio ECA, com o objetivo de proteger o menor em face da atuação criminosa dos plenamente imputáveis na prática de crimes. A própria legislação penal estabelece a idade mínima de 18 anos completos para configuração da imputabilidade penal por um critério exclusivamente biológico, desprezando-se, assim, qualquer análise psicológica da mente do menor. Destarte, procurarei expor minha crítica não ao critério biológico de imputabilidade, mas em relação ao desprezo ao critério psicológico do menor na configuração deste ilícito penal, em específico, para sua adequada tipificação com relação ao imputável. Discorrerei sobre o tratamento do direito penal ao menor, o crime em análise, imputabilidade penal, seus critérios biológicos, psicológicos, a consideração da psicologia como ciência auxiliar ao Direito, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e críticas doutrinárias, culminando com as minhas considerações finais.

O MENOR NA ÓTICA DO DIREITO PENAL.

O Código Penal Brasileiro, em seu Artigo 27 preceitua que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (neste caso, o ECA)”. Desta feita, pela simples leitura do dispositivo retro, conclui-se pela NÃO INTERVENÇÃO da lei substantiva penal pátria nos ilícitos cometidos pelos menores de 18 anos. Prudente salientar que o ilícito difere-se do crime, pois este último tem o primeiro como o um de seus elementos. Não existe o crime sem a ilicitude, todavia para o menor existirá o ATO INFRACIONAL, composto de tipicidade e antijuridicidade, dispensando-se, desta feita, a culpabilidade para sua configuração.

Tal mandamento encontra até mesmo sede constitucional: Artigo 228, CF/88.

A lei 8.069/90 veio revogando o antigo Código de Menores de 1979, posto que este “colaborava para fomentar a idéia falsa (e extremamente perversa) de serem os carimbados com o signo da situação irregular responsáveis pela sua própria marginalidade."¹

A aparente proteção de dita lei é inconteste. Por esta razão, não são poucas as críticas que a mesma recebe. Acusam o ECA de não prever medidas que caibam a prática de atos infracionais, estimulando o aumento da delinqüência infanto – juvenil, porém tais considerações, segundo Mário Volpi, são oriundas do desconhecimento legal: "O desconhecimento do ECA, bem como a resistência de alguns setores da sociedade brasileira à sua implantação, tem levado a uma visão distorcida dos avanços dessa lei no que concerne a proteção integral a criança e adolescentes. Assim, acusa-se o ECA de não prever medidas que caibam a prática de atos infracionais, estimulando o aumento da delinqüência infanto - juvenil.”²

Pela existência de lei especial, corroborada, sobretudo, com a própria exclusão dos menores do CPB, o Direito Penal, através de sua intervenção mínima não atinge os menores de dezoito anos, estando estes inteiramente fora do Código Penal, sejam na condição de autores ou partícipes. Serão punidos pelos ditames do ECA.

O CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES.

Disciplinado pelo Artigo 244-B do ECA, o referido assim preconiza:

Art. 244-B.  Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. 

§ 1o  Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. 

§ 2o  As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol dos crimes hediondos.

Trata-se de infração penal, logo, apenas imputáveis podem figurar como sujeitos ativos do mesmo. O objeto jurídico é o menor.

Em análise acurada ao tipo penal, Guilherme Nucci³ arremata:

Núcleo do tipo: Misto alternativo, pois traz 2 verbos aliados à uma alternatividade. Corromper (perverter, estragar) ou facilitar (tornar mais fácil tal perversão).

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (imputável).

Sujeito passivo: O menor de 18 anos em caráter primário, tendo como a família do menor e toda a sociedade, secundariamente.

Elemento subjetivo do tipo: Regra geral de todos os tipos penais, qual seja, o dolo. Inexiste a figura culposa.

Objeto Material: O menor de 18 anos.

Bem jurídico: A boa formação moral da criança/adolescente.

Classificação: Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), material (depende da ocorrência de resultado naturalístico, consistente em efetivo prejuízo para a formação do menor, ou seja, ele precisa corromper-se – grifo meu), de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente), comissivo (os verbos referem-se à ações), instantâneo (a consumação ocorre em momento definido), unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa), plurissubsistente (conduta fracionada) e admite tentativa (embora de difícil configuração).

Observa-se o grifado como fase fundamental do delito, para sua configuração.

IMPUTABILIDADE.

A imputabilidade penal, como sabido, é de fundamental importância para consolidação da culpabilidade, terceiro elemento do crime para os que adotam a teoria tripartida do delito. Inocorrendo a imputabilidade, não se perfaz a culpabilidade, inexistindo, destarte, o crime em si.

Para Cláudio Brandão4, “a imputabilidade é um juízo de reprovação pessoal sobre o autor de uma conduta típica e ilícita. O sujeito imputável é aquele capaz de alcançar a exata representação de sua conduta e agir com plena liberdade de entendimento e vontade”.

Com relação ao menor de 18 anos, fica bastante clara a norma emanada pelo Artigo 27 do CPB. Não se exigem critérios subjetivos. A figuração da imputabilidade, em razão de idade, surfa no campo objetivo.

Atingida a idade de 18 anos, estará configurada a maioridade penal para fins de imputabilidade penal. Trata-se, portanto, do critério biológico.

CRITÉRIO BIOLÓGICO DA IMPUTABILIDADE.

Existirá a inimputabilidade sempre que se configurem certos estados de patologia mental, de desenvolvimento mental deficiente ou de transtornos mentais transitórios, patológicos ou não. Para que o sujeito seja declarado inimputável, é suficiente que prove esses fatos biológicos5.

Existe, para o direito brasileiro, sobretudo na área penal, a presunção júris et de júri, isto é, que não admite prova em contrário que o sujeito menor de 18 anos não tem um desenvolvimento intelectual e volitivo suficiente para compreender o caráter ilícito de sua conduta ou dirigir sua ação conforme seu entendimento.

A estrita observância à idade biológica do autor de um ilícito para a configuração de um crime acabar por deixar às claras que nosso Código Penal Brasileiro adotou esse critério, e tão só ele, para a aferição da imputabilidade penal com relação ao menor de 18 anos.

CRITÉRIO PSICOLÓGICO DA IMPUTABILIDADE.

Para este critério, não adotado no Brasil com relação à maioridade penal, a imputabilidade estará reconhecida de acordo com o psiquismo do agente ao tempo de sua conduta, tornando despicienda a aferição de sua idade biológica. A ausência dessa previsão tornará o individuo inimputável.

O acerto deste critério, em meu ver, está em desvincular a presunção absoluta da incapacidade de discernimento dos menores de 18 anos para cometer um ilícito. Uma das maiores características do direito está em sua mutabilidade. O direito não poderá estagnar-se, sob pena de tornar-se estático. O direito terá que, obrigatoriamente, acompanhar a evolução da sociedade. Hoje, permissa vênia, meninas de 16 anos estão mais desenvolvidas sexualmente e experimentalmente que algumas mulheres de mais idade, porém que viveram sua fase dos 16 anos em época diversa de nossa atual. Os tempos são outros e o direito não poderá fechar seus olhos para isso.

Críticos desta teoria afirmam que seria quase impossível a constatação exata da ausência de consciência e vontade no momento em que o crime é cometido.

Entretanto, tais considerações, com o devido respeito não merecem prosperar.

A avaliação do psiquismo do sujeito, em formato de ciência, torna-se de difícil configuração e constatação quando do momento de uma conduta penalmente relevante. O homem dito normal, ou seja, o homus medius, flui de maneira harmônica em face de seu habitat, gozando da integridade de suas faculdades mentais, acarretando, por conseguinte, no conhecimento dos atos e ações que pratica, sendo sabedor do que é lícito e do que é ilícito, portanto, quando age em contrariedade ao que sabe ser correto, possui a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A prática reiterada de delinqüência por parte de menor de 18 anos, sob o prisma psicológico deverá, sobremaneira, ser considerada para aferição de sua consciência criminal em contraponto ao critério biológico, o qual é vinculado estritamente à idade.

A PSICOLOGIA COMO CIENCIA AUXILIAR DO DIREITO.

A psicologia, atuando como ciência auxiliar ao direito, já se encontra com ramo próprio e atuação definida. Trata-se da psicologia jurídica, a qual consiste na aplicação dos conhecimentos psicológicos aos assuntos relacionados ao Direito, mormente quanto à saúde mental, quanto aos estudos sócio-jurídicos dos crimes e quanto a personalidade da Pessoa Natural e seus embates subjetivos.

Possui, portanto, atuações definidas e profissionais aptos a exercer tal múnus.

Jacques Lacan6 , psicanalista francês, foi um dos pioneiros da área.

ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE O CRIME ESCOPO DESTE ARTIGO.

Recentemente, o STJ foi instado a se manifestar em um caso concreto sobre qual a incidência dos critérios de imputabilidade aqui expostos, não com relação ao sujeito ativo, mas sim com relação ao sujeito passivo.

Transcrevo notícia referente ao assunto do HC 181021:

“A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que basta a participação de uma criança ou adolescente em crime com o envolvimento de um adulto para que fique caracterizado o delito de corrupção de menores. A Turma considerou que o crime é de natureza formal e não procede o argumento de que o menor já estava corrompido para livrar o réu da responsabilidade.”

O STJ, pelo visto, entende que o crime é de natureza formal e não material, porquanto a corrupção do menor seria presumida absolutamente, tal como se faz para a presunção de incapacidade do menor para fins de imputabilidade.

Destarte, para o STJ a alegação de “Menor já corrompido previamente” não exclui imputação do maior que crime com ele pratica.

CRÍTICAS DOUTRINÁRIAS.

Como maior expoente crítico desta posição do STJ em minha opinião, Luiz Flávio Gomes assim preconiza7:

“Com a devida vênia discordo das conclusões acima elencadas. Só se pode falar hoje (na doutrina penal moderna) em crimes materiais, formais e de mera conduta quando os enfocamos do ponto de vista natural (resultado naturalístico). Ocorre que na atualidade não se pode mais falar em crime sem a presença de dois desvalores: da ação e do resultado jurídico. Admitir que o crime de corrupção de menores é puramente formal significa desconsiderar completamente o desvalor do resultado. O crime, na atualidade, de acordo com a teoria constitucionalista do delito, sustentada por nós, não pode nunca resultar configurado apenas com o desvalor da ação. Não se pode ignorar o princípio constitucional da ofensividade. Não se pode ignorar que a norma penal é imperativa, mas também valorativa. Toda norma existe para proteger um valor. Se o menor já está corrompido, valor nenhum mais existe para ser tutelado. Logo, não basta o plano formal da participação do menor no ato criminoso. Mais que isso. É preciso descobrir se essa participação concorreu para a corrupção do menor. A norma existe não para proibir a participação do menor em atos criminosos, sim, para evitar a corrupção dele. O escopo da norma é que manda (não o meio).”

Podem perguntar: O CPB não é expresso quanto à adoção do critério biológico?

Responderei que sim.

Podem perguntar: Então, já que é assim, o STJ jamais poderia contrariar a lei e definir que mesmo o menor em questão sendo psicologicamente desenvolvido e apto a compreender o ilícito de seu ato, estaria este em coautoria com o maior, não é?

Responderei que sim.

Podem perguntar: Então, já que o menor jamais poderia estar em concurso de pessoas com o maior, qual a influencia do critério psicológico?

Explico.

Não se trataria de imputação de crime ao menor. Tratar-se-ia, tão somente, de exclusão da imputabilidade do maior. A influência do psiquismo do menor poderia até mesmo ser presumida em face da ocorrência de delinqüência habitual por parte deste.

Como assinalou Luiz Flávio Gomes, toda norma existe para proteger um valor. Se o menor já está corrompido, valor nenhum mais existe para ser tutelado. Dita corrupção pode ser constatada através do psiquismo, reincidência em delinqüência, prática comprovada de atos infracionais, etc.

Em minha visão, o STJ destoou do comando da norma penal em análise.

Uma interpretação gramatical do tipo penal é capaz de compreender seu sentido teleológico, senão vejamos:

Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:

O tipo penal fala em CORROMPER ou FACILITAR (verbos que dão a idéia de induzir algo ainda não existente) PARA, com ele (o menor), APÓS A CORRUPÇÃO DO MESMO POR PARTE DO MAIOR praticar infração penal.

Uma interpretação gramatical deixa claro que não basta a prática conjunta de infração penal com um menor para a configuração deste delito. O núcleo do tipo exige que o sujeito ativo CORROMPA ou FACILITE a corrupção do menor.

Suponhamos que “A”, menor de 18 anos, seja autor de mais de 10 roubos em determinada comunidade. “B”, maior de idade, porém de fácil induzimento, faz amizade com “A”. Certo dia, “A” convence “B” praticar mais um roubo na comunidade consigo. “B”, abestalhadinho, aceita a proposta. Ambos roubam uma velhinha.

Neste exemplo acima, “B” corrompeu ou facilitou a corrupção de “A” que já demonstrava estar corrompido em suas atitudes?

Não se corrompe o que já está corrompido, apenas pode ser consertado. Todavia, a norma penal não exige isso. Não se pode punir a omissão de alguém sem previsão legal. “B”, portanto estaria enquadrado com sujeito ativo do crime de corrupção de menores?

O posicionamento do STJ, em considerando seu crime como formal dispensando a efetividade da corrupção do menor, acaba por ser um desrespeito com o próprio tipo penal. A conduta de praticar infração penal com o menor é acessória à conduta da corrupção do mesmo.

É BASILAR NO DIREITO O FATO DE QUE O ACESSÓRIO NÃO EXISTE SEM O PRINCIPAL.

CONSIDERAÇOES FINAIS.

Por tudo que fora acima exposto, considero como de vital importância a avaliação do psiquismo do menor (se o mesmo já se encontra corrompido), não para sua imputabilidade penal, mas para a exclusão de tipicidade deste crime com relação ao maior que infração penal com ele pratica.

Considero, ainda, tal crime como MATERIAL e não FORMAL, visto que para sua configuração se faz necessária a efetiva corrupção do menor (resultado naturalístico), dada a função precípua de tutela dos bens jurídicos do Direito Penal.

Destarte, entretanto, sempre disposto a ouvir, ponderar e aprender.

REFERENCIAS BIBILIOGRÁFICAS:

¹Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. - Comentários Jurídicos e Sociais. Coordenadores: Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, pag. 339, 1992.

²Mário Volpi. "O adolescente e o ato infracional." Cortez Editora, 1997, pags.62 e 63.)

³Nucci, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais comentadas. Pág. 275/276.

4Brandão, Cláudio. Curso de Direito Penal. Pág. 221.

5Aníbal Bruno. Direito Penal, op. Cit., pag. 510.

6 http://www.bsfreud.com/jlestadioespelho.html

7 http://www.juristas.com.br/informacao/revista-juristas/corrupcao-de-menor-crime-formal-criticas-desde-a-teoria-constitucionalista-do-delito/367/

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Zamboni Lins Filho
Professor
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