Uso da força na educação das crianças e dos adolescentes

Uso da força na educação das crianças e dos adolescentes

O Projeto de Lei nº 7.672/10 da Câmara dos Deputados altera a Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos corporais ou qualquer outro de tratamento degradante ou humilhante. Dito isso, assim...

O Projeto de Lei nº 7.672/10 da Câmara dos Deputados altera a Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos corporais ou qualquer outro de tratamento degradante ou humilhante.

Dito isso, assim está a redação do PL:

Art. 1o  A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 17-A.  A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.

II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

Art. 17-B.  Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta Lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” (NR)

“Art. 70-A.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, tendo como principais ações:

I - a promoção e a realização de campanhas educativas e a divulgação desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;

II - a inclusão nos currículos escolares, em todos os níveis de ensino, de conteúdos relativos aos direitos humanos e prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;

III - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente nos Estados, Distrito Federal e nos Municípios, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e entidades não governamentais;

IV - a formação continuada dos profissionais que atuem na promoção dos direitos de crianças e adolescentes; e

V - o apoio e incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra criança e adolescente.” (NR)

Art. 2o  O art. 130 da Lei no 8.069, de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

“Parágrafo único.  A medida cautelar prevista no caput poderá ser aplicada ainda no caso de descumprimento reiterado das medidas impostas nos termos do art. 17-B.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Dessarte, há muito se discute o antigo método de educação por meio do uso da força, mediante castigos corporais. Para muitos especialistas em educação infantil, esse método é equivocado, para outros, no entanto, deve ser aplicado excepcional e moderadamente. Deixo a discussão para eles.

Igualmente, deve-se lembrar que as escolas, no passado, valiam-se frequentemente dessa prática, através da palmatória ou, do castigo lendário de ajoelhar no milho, dentre outras bizarrices, decorrentes, salvo engano, da ignorância, do autoritarismo (por falta de autoridade) e dos próprios conflitos psicológicos internos do educador.

Enfim, finalizo minhas considerações e passo à transcrever alguns trechos da mensagem que consta do PL, visto que é ela a única que pode modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Excelentíssimo Senhor Presidente da República, (...)

2. As crianças e adolescentes têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de qualquer forma de violência e, nesse quadro, confirma-se o dever do Estado na garantia desse direito, desenhando e executando políticas e alinhavando arranjos legais que instalem e desenvolvam sistemas de proteção em todos os níveis de governo. O Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas enfatiza, neste contexto, que a eliminação do castigo violento e humilhante de crianças, por meio da reforma legislativa e outras medidas necessárias, é uma obrigação imediata e integral dos Estados Partes.

3. O direito das crianças e adolescentes de viverem livres de violência e discriminação é, portanto, um desafio central e um compromisso ético e, por conseguinte, a elaboração de marcos legais que protegem direitos fundamentais - particularmente aqueles que visam à eliminação da violência contra as crianças e adolescentes - são prementes. Enquanto o aparato normativo vem avançando no sentido de coibir a violência praticada contra adultos, nas mais diversas formas, ainda convivemos com um quadro em que a criança e o adolescente são menosprezados, humilhados, desacreditados, ameaçados, assustados ou ridicularizados. A violência contra crianças e adolescentes tem sido, portanto, admitida, a pretexto de se constituir enquanto recurso pedagógico e educativo. (...)

6. Para além do olhar centrado na observância e aperfeiçoamento do aparato jurídico, incluímos como premissa de apresentação da proposição, portanto, a compatibilização do marco legal em vigor ao sistema internacional e nacional de proteção dos Direitos Humanos de crianças e adolescente e, de forma complementar, sinalizamos para a adoção, em primeiro plano, de medidas preventivas, educativas e de outra natureza que possam ser assimiladas para assegurar a eliminação de tais formas de violência. Contudo, a condição peculiar de crianças e adolescentes e a especificidade das relações intra-familiares demandam que a decisão de submeter sanções aos pais, ou de interferir formalmente na família de outras maneiras, seja tomada com muito cuidado, premissa que é preservada no âmbito do Projeto de Lei ora proposto. (...)

11. Assim, a proposta apresentada se coaduna ao esforço histórico recente que envolve a mobilização de atores políticos e a implementação de políticas públicas, ambos processos assentados nos marcos do Estatuto da Criança e do Adolescente, no paradigma da proteção integral e na assunção de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (...)

13. A proposição caracteriza os castigos corporais, bem como os tratamentos cruéis e degradantes que passam a figurar no rol de violações passíveis de enquadramento segundo as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente. Há que se ressaltar que a instauração de processos contra pais é na maior parte dos casos contrária ao interesse da criança e do adolescente e, portanto, o processo e outras intervenções formais (por exemplo, remover o agente violador) só serão considerados quando necessários para plena proteção da criança e do adolescente de situações extremas ou quando correspondam ao superior interesse dos mesmos.

14. Contudo, tendo como premissa que nada pode justificar o uso de formas de disciplina que sejam violentas, cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes, o projeto possui uma dimensão pedagógica e educativa que permitirá, de plano, estimular e ampliar o debate em torno de tais formas de violações, desaconselhar sua adoção por quaisquer responsáveis e, extensivamente, fomentar alternativas sadias e emancipatórias de educação e relacionamento com nossas crianças e adolescentes, afirmando em particular o direito à convivência familiar e comunitária. A sanção ou punição, ressalvado o devido processo legal, deve ser vista como medida excepcional e de última natureza. (...)

16. A proposição materializa, por fim, o crescente compromisso de sociedades contemporâneas que reconhecem que crianças e adolescentes tem direitos frente ao Estado e cabe a ele organizar ações para sua plena realização. A proposição, inegavelmente, aborda a realização de direitos que são inerentes a crianças e adolescentes e indispensáveis a sua dignidade e pleno desenvolvimento. É importante no contexto de uma ampla aceitação tradicional do castigo físico e, portanto, consideramos que a proibição, em si, não garantirá mudança das atitudes e práticas, mas, a ampla conscientização do direito das crianças à proteção e de leis que reflitam esse direito é necessária. Nesse sentido, é premente estimular que os pais parem de infligir castigos violentos, cruéis ou degradantes, adotando intervenções apoiadoras e educativas, não punitivas. (...)"

Finalizando, falta mencionar que a mensagem supracitada é de autoria de Paulo de Tarso Vannuchi, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, Marcia Helena Carvalho Lopes.

Sobre o(a) autor(a)
Carlos Eduardo Neves
Analista de Promotoria (Assistente Jurídico) do Ministério Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). Foi estagiário, por 2 anos, na Defensoria Pública do Estado de São...
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