Álcool em vítimas fatais de acidentes de trânsito

Álcool em vítimas fatais de acidentes de trânsito

Refere-se a levantamento feito no IML/SP sobre a relação álcool e vítimas fatais de acidente de trânsito no ano de 1999.

INTRODUÇÃO

O uso de álcool está estreitamente ligado às mortes por acidentes de trânsito, homicídios e outras mortes por causas externas. Esta relação varia nos diversos locais e países, mas está sempre presente. Hijar e col. (1998), em estudo com 177 vítimas de acidentes de trânsito, apontam o uso de álcool como um dos maiores fatores de risco para a ocorrência de lesões graves e mortes. Borges e col. (1999) referem que 17,7% dos 1511 pacientes atendidos em uma unidade de emergência da Cidade do México, vítimas de acidente de trânsito ou violência interpessoal, tinham alcoolemia positiva. Seymour & Oliver (1999) apontam 38% de alcoolemia positiva nos motoristas traumatizados ou mortos em acidentes na Escócia, entre 1995 e 1998. Crilly (1998) refere que 50% das mortes ocorridas por acidente de trânsito, em dois anos de pesquisa em Liverpool, estavam relacionadas com o uso de álcool. Lowenstein & Koziol-McLain (2001) referem que o álcool é o maior responsável por acidentes de trânsito ultrapassando as drogas ilegais, em estudo realizado no Colorado. No estudo realizado por Nery e col. (1997) em quatro capitais brasileiras, Salvador, Recife, Curitiba e Brasília, nos serviços de emergência (1169 vítimas) e nos institutos médico-legais (45 vítimas fatais), observa-se que 63,5% dos homens tinham alcoolemia positiva sendo 33,5% destas superiores a 0,6 g/L (limite estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro vigente) e 53,7% das mulheres apresentavam alcoolemia positiva sendo 9,6% superior a 0,6 g/L.

Pelo relatório técnico “The Economic Cost of Motor Vehicle Crashes, 1994” da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), (BLINCOE, 1994), estima-se que os custos anuais dos acidentes de trânsito nos Estados Unidos somaram U$ 150,5 bilhões no ano de 1994, com 40.676 mortes, 5,2 milhões de feridos e 27 milhões de veículos danificados sendo que o álcool responde por 30% desses custos (U$ 45 bilhões). Miller e col. (1998) referem que programas intensivos que envolvam controle dos níveis da alcoolemia dos motoristas (156 avaliações/ano/100.000 habitantes) custam 6 vezes menos que o atendimento aos acidentes.

Embora haja variações com relação aos dados disponíveis, é evidente que o uso de álcool está relacionado com a ocorrência de acidentes de trânsito. No Brasil, esse problema se agrava devido ao alto número de vítimas fatais nesse tipo de acidente. O objetivo deste trabalho é determinar a eventual correlação entre os acidentes de trânsito com vítimas fatais e o uso de álcool, a partir de dados obtidos no Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo no ano de 1999.


MÉTODOS

Foram avaliadas 2360 vítimas fatais de acidentes de trânsito autopsiadas nas unidades do IML do Estado de São Paulo (Capital, Grande São Paulo e Interior) entre janeiro e dezembro de 1999. Os dados foram coletados a partir de requisições para verificação de alcoolemia, enviadas ao Núcleo de Toxicologia Forense do IML-SP onde as dosagens de álcool foram realizadas. Foram excluídos os casos com informações incompletas. As informações coletadas foram: sexo, idade, tipo de acidente (atropelamento ou colisão de veículos) e valor de alcoolemia.


RESULTADOS

A Tabela 1 mostra a distribuição das mortes por acidente de trânsito em relação à alcoolemia e ao sexo da vítima. As vítimas do sexo masculino representam 89,41% de todos os acidentes e as do sexo feminino 10,59%.

Tabela 1 – Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito (IML-SP, 1999)

Alcoolemia Vítimas Homens Mulheres
Negativa
1.251

(53,0%)

1.058

(50,1%)

193

(77,2%)
Positiva
1.109

(47,0%)

1.052

(49,9%)

57

(22,8%)
Total
2.360
.
2.110
.
250
.


Na Tabela 2 é apresentada a distribuição dos casos positivos quanto aos níveis de alcoolemia encontrados. A média de alcoolemia das vítimas alcoolizadas foi 2,14 ± 0,95 g/l (0,2 - 5,3 g/l) sendo para as vítimas do sexo masculino 2,13 ± 0,95 g/l (0,2 - 5,3 g/l) e para as do sexo feminino 1,82 ± 0,92 g/l (0,4 - 4,9 g/l).

Tabela 2 – Níveis de alcoolemia encontrados nos casos positivos e distribuição por sexo Alcoolemia (g/l)

Alcoolemia (g/l) Vítimas Homens Mulheres
< 0,6
35

(3,2%)

33

(3,1%)

2

(3,5%)
³ 0,6
1.074

(96,9%)

1.019

(96,9%)

55

(96,5%)
Total
1.109
.
1.052
.
57

.


A Tabela 3 mostra a alcoolemia nas colisões e atropelamentos e a distribuição por sexo.

Tabela 3 - Distribuição das colisões e atropelamentos pela alcoolemia no grupo geral e pelo sexo

Tipo de acidente Total de vítimas Homens Mulheres
Negativa Positiva Negativa Positiva Negativa Positiva
Colisão
1541 (65,3%)
849
(55,1%)
692
(44,9%)
741
(52,9%)
659
(47,1%)
107
(75,89%)
33
(23,40% )
Atropelamento
819 (34,7%)
402
(49,1%)
417
(50,9%)
317
(44,65%)
393
(55,35%)
85
(77,98%)
24
(22,02%)


Nas Tabelas 4 e 5 verificam-se as distribuições dos tipos de acidente pelos níveis de alcoolemia e sexo.

A média de alcoolemia das vítimas de colisão foi 1,97 ± 0,92 g/l (0,2 - 5,3 g/l); 1,98 ± 0,92 g/l (0,4 - 5,3 g/l) para os homens e 1,78 ± 0,99 g/l (0,5 - 4,9 g/l) para as mulheres. Nos atropelamentos, o valor médio para todas as vítimas foi 2,36 ± 0,95 g/l (0,4 - 5,1 g/l) sendo para as vítimas do sexo masculino 2,39 ± 0,96 g/l (0,4 - 5,1 g/l) e 1,88 ± 0,82 g/l (0,4 - 3,1 g/l) para as do sexo feminino.


Tabela 4
- Distribuição das colisões pelo nível de alcoolemia e sexo das vítimas

Alcoolemia (g/l) Grupo geral Homens Mulheres
< 0,6
24

(3,5%)

23

(3,5%)

1

(3,0%)
³ 0,6
668

(96,5%)

636

(96,5%)

32

(97,0%)
Total
692
.
659
.
33
.


Tabela 5- Distribuição dos atropelamentos pelo nível de alcoolemia e sexo das vítimas

Alcoolemia (g/l) Grupo geral Homens Mulheres
< 0,6
11

(2,6%)

10

(2,5%)

1

(4,2%)
³ 0,6
406

(97,4%)

383

(97,5%)

23

(95,8%)
Total
417
.
393
.
24
.



DISCUSSÃO

Há uma evidente relação entre o uso de álcool e a presença de vítimas fatais em acidentes de trânsito. Esse fato é observado na maioria dos países, independente do grau de desenvolvimento. Em nosso estudo, essa relação ficou muito evidente, pois quase metade (47%) das vítimas fatais avaliadas apresentavam alcoolemia positiva no momento do acidente. Essa porcentagem aumentou para 49,9% quando se avaliou, separadamente, apenas as vítimas do sexo masculino, que respondem por 89,41% de todas as vítimas.

Observa-se (Tabela 1) que o número de vítimas fatais do sexo masculino é aproximadamente nove vezes maior que as do sexo feminino. O número de homens com alcoolemia positiva é quase 20 vezes maior que o número de mulheres com alcoolemia positiva. Os homens são as maiores vítimas dos acidentes de trânsito e há uma correlação muito estreita com o uso de álcool: quase metade das vítimas fatais do sexo masculino por acidente de trânsito tinham alcoolemia positiva.

Na Tabela 2 que mostra o nível de alcoolemia encontrado, a relação entre o acidente com vítima fatal e o uso de álcool fica ainda mais evidente, pois 96,8% de todas as vítimas tinham alcoolemia acima de 0,6 g/L, limite permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro vigente. Os valores médios eram até três vezes acima desse limite. Esse valor indica embriaguez em 100% das pessoas e proíbe de maneira absoluta a direção veicular especificamente (Greve & Leyton, 1999).

A Tabela 3 mostra a distribuição das vítimas fatais pelo tipo de acidente, que foram divididos em colisões (entre veículos) e atropelamentos (pedestres e veículos). Nesta tabela evidencia-se ainda mais a predominância do sexo masculino no número de vítimas e a influência do uso de álcool. Nas mulheres, em número muito menor, nota-se que o uso do álcool tem presença bem menos acentuada. Quanto ao tipo de acidente, ambos tem uma grande relação com o álcool. O número de vítimas fatais, por atropelamento, aponta para uma questão difícil de ser resolvida pela legislação vigente, pois é muito difícil controlar a segurança de pedestres embriagados nos centros urbanos, segurança esta agravada por aspectos conjunturais e estruturais: falta de faixas para travessia de pedestres, falta de educação de trânsito tanto para motoristas como para pedestres, cultura da imprudência e desrespeito, quantidade de veículos, pistas expressas, iluminação insuficiente, alta velocidade, etc. Nas Tabelas 4 e 5 observa-se que a maioria esmagadora das vítimas tinha nível de alcoolemia acima do permitido. A média de alcoolemia encontrada, leva ao estado de embriaguez na totalidade das pessoas, mesmo naquelas com o hábito de usar bebidas alcoólicas.

O álcool é uma droga psicoativa lícita, pode ser vendida livremente para indivíduos maiores de idade e a legislação de trânsito é bem clara quanto aos limites permitidos de alcoolemia para a direção veicular. As questões relacionadas ao uso abusivo de álcool e comportamentos de risco no trânsito são bem estudados em vários países. Punições severas, responsabilização civil e criminal ao motorista embriagado e normas muito rígidas são comuns nos países desenvolvidos. No Brasil, no entanto, ainda se observa, com freqüência, uma tolerância social muito grande em relação ao ato de beber e dirigir. Este comportamento está, de certa forma, expresso nos números deste estudo, que mostra, de forma clara, a estreita relação entre a mortalidade dos acidentes de trânsito com o uso abusivo de álcool.

Os números encontrados neste estudo permitem que se recomende de forma enfática que os programas de prevenção sejam apoiados por uma fiscalização eficiente, com o uso ostensivo de etilômetros (“bafômetros”); que se cumpra a legislação que obriga a dosagem de álcool no sangue de todas as vítimas e motoristas envolvidos em acidentes de trânsito e que estes acidentes sejam considerados eventos de notificação compulsória no sistema de saúde.


CONCLUSÕES

  1. uso de bebidas alcoólicas contribuiu para quase metade das mortes por acidente de trânsito na amostra estudada,

  2. as mortes por acidente de trânsito no sexo masculino estão mais relacionadas com o uso do álcool que no sexo feminino,

  3. os valores médios de alcoolemia encontrados foram aproximadamente três vezes superiores ao estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro vigente, de seis decigramas de álcool etílico por litro de sangue (0,6 g/L) indicando que a maioria das vítimas alcoolizadas fez uso excessivo de bebida alcoólica.



REFERÊNCIAS

Blincoe LJ. The economic costs of motor vehicle crashes, 1994. Plans and Policy, Washington DC: NHTSA

Borges G, Medina Mora ME, Cherpitel C, Casanova L, Mondragón L, Romero M. Alcoholic beverage consumption in the patients of the emergency services of the city of Pachuca, Hidalgo. Salud Publica Mex 1999; 1:3-11.

BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Crilly M. Contributory factors to traffic accident deaths identified at coroner's inquest. J Public Health Med 1998; 20:139-43.

Greve JMD, Leyton V. Alterações clínicas por ingestão de cerveja X alcoolemia direta. Simpósio Álcool e suas repercussões médico-sociais 1999; 51-52.

Híjar M, Flores M, López MV, Rosovsky H. Alcohol intake and severity of injuries on highways in Mexico: a comparative analysis. Addiction 1998; 93:1543-51.

Lowenstein SR, Koziol-McLain J. Drugs and traffic crash responsibility: a study of injured motorists in Colorado. J Trauma, 2001, 50:313-20.

Miller, TR. Costs of Injuries to Employers: A NETS compendium. Washington DC: NHTSA, 1993.

Nery, AF; Medina MG; Melcope AG; Oliveira EM. Impacto do uso de álcool e outras drogas em vítimas de acidentes de trânsito; ABDETRAN, Brasília, 1997.

Seymour A, Oliver JS. Role of drugs and alcohol in impaired drivers and fatally injured drivers in the Strathclyde police region of Scotland,1995-1998. Forensic Sci Int 1999; 103: 89-100.

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Vilma Leyton
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