A gratuidade do ensino público

A gratuidade do ensino público

Analisa o princípio da gratuidade do ensino à luz do artigo 206 da constituição Federal de 1988.

N o presente artigo, fazemos comentários ao inciso IV, do artigo 206, da Constituição Federal de 1988, que trata do princípio da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.

Comecemos por uma questão básica: será mesmo gratuito nas escolas públicas?

O pagamento dos impostos significa que o povo, de forma muito regular financia diariamente as escolas públicas, de modo que a noção de gratuidade não existe, a rigor.

A escola pública não é dada, pois, de graça, ao povo. Quando se é de graça, o imperativo legal é inócuo, como aconteceu na Carta de 1824.

Para entendermos bem o inciso IV, do artigo 206, da Constituição de 1988, devemos compreender bem o conceito de financiamento da educação. Isso, por outro lado, exige que tenhamos bem claro, em mente, um outro conceito, o de escola pública.

A idéia de escola pública vem de educação pública, direito de todos os cidadãos e dever constitucional do Estado. É a tradição do Estado Liberal que nos remete à Revolução Francesa de 1789.

As escolas públicas são as escolas do povo, isto é, instituições destinadas ao povo, à coletividade, de uso de todos, pobres, ricos, negros, brancos, sem qualquer forma de discriminação ou preconceito, mantidas pelo poder público, isto é, pelo poder do povo, através da gestão dos recursos públicos pelo Ministro da Educação e dos Secretários de Educação dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Através do Poder legislativo, os parlamentares federais, estaduais e municipais, fiscalizam o cumprimento das leis educacionais.

O povo mantém, através do poder público, as suas escolas públicas. As escolas públicas são, portanto, escolas do povo para o povo, daí, na sua imanência, seu caráter democrático.

Dizemos, acima, que o povo mantém, através do poder público, suas escolas públicas. Mas, como as mantém? Como se dá sua manutenção?

O verbo manter, vem do latim manutenere, quer dizer, ao pé da letra, ter na mão. Se o povo, de alguma forma, mantém a escola pública, significa que tem a escola pública na sua mão, no seu poder. Através do imposto, o povo mantém as escolas públicas. O Estado criou o imposto [1] como meio pecuniário do povo prover a escola pública do necessário ao seu sustento, isto é, sua manutenção e desenvolvimento.

A palavra imposto, porém, é na sua etimologia (do latim impositu), uma palavra negativa, porque indica que algo foi imposto ao povo, isto é, feito aceitar ou realizar à força, o que vem revelar a faceta coercitiva [2] do Estado. . A coerção do Estado é um mal, mas um mal necessário porque é através do imposto, que o Estado vai poder manter as escolas públicas. Ao contrário de tornar o Estado autoritário por impor, a coerção do imposto vem apenas do caráter de obrigatoriedade do cumprimento da lei por todos. A idéia de imposto de renda vem exatamente da idéia de tributo que pessoas físicas e jurídicas pagam ao Estado, relativamente aos seus rendimentos, em proporção estabelecida pela lei.

Assim, no plano do Estado, isto é, no plano do jurídico, o povo deixar de ser apenas a aglomeração de gente, a multidão, as pessoas que nos cercam, os colegas, os amigos e nossos companheiros. A noção de povo passar a ser de nação, pessoas físicas e jurídicas que se submetem às mesmas leis, as mesmas regras de democracia. No entanto, a noção de povo ficou, no senso comum, reduzido a noção de classe, isto é, de plebe, de conjunto das pessoas pertencentes às classes menos favorecidas.

As escolas públicas durante muito tempo ficaram longe do alcance, isto é, da decisão popular, o que acabou tirando uma faceta significativa do seu caráter democrático. Isto porque as escolas públicas não podem ser consideradas democráticas unicamente por garantir o acesso às crianças, jovens e adultos, oriundos das classes populares, mas por contar com a efetiva participação efetiva do povo, em suas formas de organização popular, nas decisões da escola, isto é, na gestão escolar.

A maioria das pessoas acredita que as escolas públicas são escolas gratuitas, isto é, o poder público oferta à comunidade como dever e esta mesma comunidade se serve graciosamente do serviço público. Não é verdade. As escolas públicas são escolas pagas, mas não são privadas, isto é, não visam auferir lucro, mas atender uma demanda social. E quem paga as escolas públicas? O próprio público, isto é, o povo, através dos impostos. Os impostos são os principais fontes de recursos financeiros para a manutenção e desenvolvimento da educação pública.

Na medida que vemos as escolas públicas como escolas pagas, que dependem de meios pecuniários para enfrentar seus gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino, estamos enxergando, doutra sorte, o mecanismo do sistema capitalista, que envolve não apenas as industrias, as empresas, mas o próprio Estado.

Numa palavra: o Estado reproduz toda a engrenagem do sistema capitalista, do contrário, não tem como prestar serviço à sociedade.

Voltaremos ao assunto.



[1] Imposto: Jur. Contribuição monetária, direta ou indireta, que os poderes públicos exigem de cada pessoa física ou jurídica para ocorrer às despesas da administração por serviços não especificados.

[2] Coerção: No jurídico, a força que emana da soberania do Estado e é capaz de impor o respeito à norma legal.

Sobre o(a) autor(a)
Vicente Martins
Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará, Brasil. Pós-doutorado em Linguística pela UFBA.
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