A inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da polícia militar de Santa Catarina

A inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da polícia militar de Santa Catarina

O texto traça algumas reflexões sobre a Inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, com base no reconhecimento dos Direitos Fundamentais na caminhada em direção à consolidação do Estado Democrático

INTRODUÇÃO

A atividade policial desempenha um papel fundamental na sociedade atual. Em decorrência da variedade de aspectos do ofício de polícia, que está investida da função de proteger e promover liberdades, direitos individuais e coletivos, o que traz à tona a necessidade do aprimoramento dessa Instituição Pública, com a adequação de seus regulamentos disciplinares em consonância com os preceitos da Carta Magna.

Em um Estado Democrático de Direito, a sociedade livre e democrática depara-se com um conflito inerente à função desempenhada pelos policiais militares que, em tese, são responsáveis pela manutenção da ordem social, e proteção de direitos constitucionais básicos, quando os mesmos policiais se sentem privados bruscamente de seus próprios direitos.

Dentro do contexto histórico da criação da instituição policial no Brasil como força auxiliar das Forças Armadas Nacionais, que se fundamenta em bases sólidas nos princípios da hierarquia e da disciplina como forma de controle e domínio do poder da autoridade administrativa militar (comandantes), nota-se a grande dificuldade de reconhecer o Policial Militar como Cidadão.

Os atuais Estatutos, Regulamentos e Diretrizes da Polícia Militar de Santa Catarina apresentam uma grave ameaça aos direitos e garantias individuais, delegando autoridade e perpetuando condutas em total desconformidade com a Carta Magna. Como explicar serem privados bruscamente de seus próprios direitos aqueles de quem a sociedade depende para proteção de direitos constitucionais básicos? Não é um paradoxo garantir a sociedade sem a garantia de seus direitos fundamentais?

Tendo isso em conta, este estudo, atendendo aos objetivos a que se propõe, foi do tipo descritivo, com base no método indutivo, bem como, quanto aos procedimentos, do tipo bibliográfico, a fim de possibilitar a consulta e a análise histórico-evolutiva da Atividade Policial.

Assim, como se trata de um tema atual e importante, faz-se necessário uma nova abordagem da atividade policial com base nos princípios constitucionais, bem como o reconhecimento dos direitos fundamentais do Ser Militar como Cidadão.

1 POLÍCIA MILITAR – CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS

A Polícia Militar é uma Instituição da administração pública, que visa pôr em ação as limitações que a lei impõe à liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguardar e preservar a Ordem Pública.

Essa atribuição vem em decorrência da previsão constitucional elencada no art. 144º, § 5º: “Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (...)”.

Conforme os ensinamentos de Jesus (2009, p. 66), “a ordem pública é o pré-requisito para o funcionamento do sistema de convivências públicas, sendo imprescindível a existência de um polissistema social, pois viver em sociedade importa, necessariamente, um conviver publicamente”.

A definição do termo “polícia”, no decorrer dos séculos, passou por diversas definições e conceituações, dependendo da doutrina jurídica que se pretende conceituar.

Para Amaral (2002), “originariamente polícia era conjunto de funções necessárias ao funcionamento e à conservação da Cidade-estado (polis grega, daí a etimologia de polícia e civita romana, daí civil, isto é, inerente à civita).

Segundo o autor, Civil era, pois, derivação de cidade (conceito político e não urbanístico) e cidadão - aquele a quem é dado o direito de influir na gestão da coisa pública, da civita (daí república: res (coisa)+publica).

Ressalta o autor que, Militar era, e é antítese conceitual de civil, no sentido primitivo os que se domiciliavam na cidade (os civis) e os que estavam fixados fora da civita (os militares).

Para Silva (apud JESUS, 2009, p. 96) “a palavra polícia está correlacionada com a segurança e tem sua origem no grego polis, o que significa o ordenamento político do Estado”.

Para Jesus (2009, p. 95), “no Estado moderno, seu significado chegou a compreender toda a atividade da administração pública onde identificava-se com um Estado de Polícia, com que se designava um ordenamento em que toda a função administrativa era indicada com o termo de polícia”.

Segundo o autor, no inicio do século XIX, o termo polícia voltou a ter um significado mais restrito, passando a identificar-se com a atividade tendente a assegurar a defesa da comunidade contra os perigos internos, quando estes estavam representados nas ações e situações contrárias à ordem e à segurança públicas.

2 A INCONSTITUCIONALIDADE DO RDPMSC, FRENTE O PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL.

Neste trabalho, verifica-se que os regulamentos disciplinares das Polícias Militares foram recepcionados pelo Texto Constitucional vigente; algumas reflexões fazem-se necessárias a respeito da matéria, para uma adequação das normas castrenses ao Estado Democrático de Direito.

Importante registrar, que estes regulamentos disciplinares seguem o modelo do regulamento disciplinar do Exército.

Neste contexto, é de ser perquirido o seguinte: será que as normas contidas no regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina foram recepcionados pelo novo Texto Constitucional e encontram-se em consonância com os preceitos que tratam dos direitos e garantias fundamentais do cidadão militar?

Necessário observar que, ambas possuem uma estética militar, não obstante, cada uma das instituições apresenta particulares diferenças, que devem ser respeitadas.

Rosa (2007) traça uma comparação entre os policias civis e militares, apontando que, ao contrário do policial civil, tendo em vista as particularidades das funções desenvolvidas, o policial militar ao praticar uma falta administrativa, transgressão disciplinar pode ter seu "jus libertatis" cerceado por um período de até 30 dias, cumprindo a prisão em regime fechado, em “xadrez” existente nos quartéis. A transgressão disciplinar é classificada quanto à sua natureza, que vai de leve a grave, o que determina a dosimetria da sanção administrativa.

Afirma o autor, que antes do advento da Constituição Federal de 1988, a maioria dos regulamentos disciplinares foram editados por meio de decreto expedido pelo chefe do Poder Executivo, Federal, Estadual, ou Interventores nomeados pelo Presidente da República.

Com o advento do Texto Constitucional de 1988, pode-se afirmar que surgiu um novo Estado, com normas diversas das pré-existentes. O respeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana passaram a ser princípios constitucionais da República Federativa do Brasil.

Para Rosa (2007) “É importante se observar que em decorrência do princípio da recepção, os regulamentos disciplinares aprovados por meio de decreto foram recebidos pela nova ordem constitucional, como ocorreu com o Código Penal, Código de Processo Penal, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, e outros diplomas legais”.

Neste momento, deve-se fazer referência ao art. 5º, II da Constituição Federal, ao dispor que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esta expressão traduz o Princípio da Legalidade.

Como ressalta Moraes (2005, p. 36) “tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem criar obrigações para o indivíduo, pois, são expressão da vontade geral”.

Salientam Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, o Principio da Legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, considerando que ele não tutela, especificamente , um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei.

Para Ferreira (2009):

É preciso agora, entender a correta hermenêutica da expressão “em lei”. Mais do que amparar o princípio da recepção das leis dando sobrevida aos antigos diplomas, a expressão “em lei”, traz em si o princípio da reserva legal. Retornemos ao “marco zero”. Ao tratar de direitos e garantias individuais do cidadão, o constituinte de 1988, preocupou-se que tal matéria fosse restrita ao Poder Legislativo, ou seja, matérias que tratem de liberdade, privacidade, tributos, manifestação de pensamento, etc, só podem ser regidas por instrumentos produzidos pelo Poder Legislativo, que por sua vez produz leis.

Segundo o autor, ao regular a conduta dos integrantes das Organizações Militares, os Regulamentos Disciplinares tratam de matéria que versa sobre garantias e direitos fundamentais, pois prescreve condutas puníveis com prisão e detenção, que atingem diretamente o direito de liberdade, assunto este, exclusivo do Poder Legislativo. Por este motivo, não podem os Regulamentos Disciplinares ser regulados ou autorizados por ato do Poder Executivo, incompetente para isso, conforme se lê do princípio da reserva legal.

Ressalta o autor, que não prospera neste caso, o argumento que entende a expressão “em lei” como forma genérica, onde a expressão abarcaria os instrumentos: lei ordinária, lei complementar, decreto, medida provisória, etc. Isto seria confundir lei com legislação, ou lei com norma (em sentido amplo).

Para Martins (1996, p. 86):

Pode-se cometer o equívoco de entender-se que quando o legislador constitucional pede uma lei para integrar a eficácia da norma contida na constituição, está na realidade referindo-se à lei lato sensu (medidas provisórias, decretos, portarias, etc). Tal interpretação, contudo, em sendo feita de modo genérico, como mostraremos, é rematado erro hermenêutico, já que o universo das disposições restritivas da liberdade individual, a lei a que se refere o legislador é sempre o ato que tenha obedecido o processo legislativo como elemento de garantia do princípio da legalidade e mais exatamente da reserva legal.

O ilustre jurista Miguel Reale (1980) ao explicar o conflito entre leis e decretos diz: “[...] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam”.

No dia 16 de setembro de 1980 foi aprovado o Regulamento Disciplinar da PMSC, regido pelo Decreto Estadual n.º 12.112, de 16 de setembro de 1980, que consoante seu Art. 1º, tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, estabelecer normas relativas à amplitude e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial-militar das praças e à interposição de recursos contra a aplicação das punições.

Desta data até os dias atuais, este regulamento foi por diversas vezes alterado por força de atos administrativos (decretos), contrariando os preceitos constitucionais, tornando desta forma no mínimo questionável quanto a sua legalidade, conforme estabelece o Texto Constitucional.

Segundo Rosa (2007), após 05 de outubro de 1988, na verdade, todos os regulamentos disciplinares das polícias militares dos Estados Federados que sofreram modificações levadas a efeito por meio de decreto, expedido pelo chefe do Executivo, após a vigência da Constituição Federal de 1988 são normas inconstitucionais.

Em verdade, verifica-se a necessidade de ajustar este regulamento aos preceitos constitucionais, considerando que sua aprovação ocorreu, anteriormente, à promulgação da Carta Magna. Mister registrar que se deve corrigir as distorções e as lacunas existentes, por serem inconstitucionais os termos ali contidos.

Verifica-se que a Corporação PMSC, viveu uma época de grande autoritarismo político, onde foi criado o Regulamento Disciplinar da PMSC, com diversos dispositivos incompatíveis com a Constituição Federal de 1988, os quais devem ser alterados e reeditados o mais breve possível. As esperanças de ajustes à LEI, adequações ao Estado Democrático de Direito e modernização do Regulamento Disciplinar tornaram-se ainda maiores.

Acredita-se que, mesmo em estado letárgico de quase trinta anos de desrespeito legal, finalmente reconhecer-se-ia os direitos e garantias fundamentais dos policiais militares, que se contrapondo ao que muitos denegam, até mesmo aos policiais militares são assegurados e encontram-se amparados e garantidos pelos direitos e garantias fundamentais insculpidos pela Carta Cidadã.

Concordando com as palavras de Ana Clara Victor da Paixão, autora do artigo Regulamento Disciplinar e Reserva Legal, ao afirmar a inconstitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares Militares, frente ao princípio da Reserva Legal. A autora reflete o pensamento de que o fato, de constar em seu bojo a previsão de prisão e detenção por transgressão disciplinar, a própria forma pela qual foi editado, o Decreto, fere o princípio da reserva legal, opondo-se violentamente ao disposto no inciso LXI do artigo 5º da CF/88:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Desta forma, pode-se fazer uma analogia com o Decreto Estadual n.º 12.112/80 - Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina - RDPMSC tendo em conta que este fere o Princípio da Reserva Legal, por não ter sido, até a presente data, atualizado nos parâmetros democráticos.

Para firmar este posicionamento, cita-se Plácido e Silva, em sua obra "Vocabulário Jurídico", ao definir o termo LEI, como: "... regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato que lhe é outorgado pelo povo. Considerando-a neste aspecto é que GAIUS a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit (...aquilo que o povo ordena e constitui.)".

Os decretos, por sua vez, "são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação. Como ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei, e, por isso mesmo, não a pode contrariar". (MEIRELLES, 1986, p 138).

E, na lição de Reale (1980, p. 163):

[...] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria.

Neste contexto Moraes (2005), fazendo referência aos ensinamentos de José Afonso da Silva, demonstra que a doutrina muitas vezes não distingue suficientemente o principio da legalidade e o da reserva legal, sendo o primeiro a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislado. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal.

Assim encontra-se o principio da reserva legal quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à Lei.

Para Silva, (2006, p. 368) “tem-se pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal, subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquelas subordinadas”.

Segundo Ferreira (2009), ao regular a conduta dos integrantes das Corporações, os Regulamentos disciplinares das polícias militares, tratam de matéria que versa sobre garantias e direitos fundamentais, pois prescreve condutas puníveis com prisão e detenção, que atingem diretamente o direito de liberdade, assunto exclusivo do Legislativo, não podendo então, ser regulado ou autorizado por ato do Executivo, este é o princípio da reserva legal.

Vê-se, pois, que ao dispor que a restrição da liberdade de ir e vir do indivíduo só será tolerada pelo Direito quando decorrer de infração disciplinar ou crime militar previstos em lei, o Constituinte vedou que tal matéria fosse regulada por decreto, atribuindo a competência para fazê-lo exclusivamente à lei formal.

Trata-se, portanto, de reserva legal absoluta, conforme aponta José Afonso da Silva: "É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: "a lei regulará", "a lei disporá", "a lei complementar organizará", "a lei criará", "a lei definirá", etc.".

A adoção da reserva legal em matéria disciplinar constitui, na verdade, uma garantia para o militar, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração Pública na imposição da sanção.

A propósito, discorre Franco (1997): "Na relação tensional entre o poder punitivo do Estado e o direito de liberdade do cidadão, só a lei, emanada do Poder Legislativo, poderá imiscuir-se. E isto porque o procedimento legislativo, apesar de suas imperfeições e incertezas, é ainda o mais idôneo para tutelar o bem jurídico fundamental da liberdade pessoal".

Assim, se há alguma necessidade ou interesse por parte das autoridades militares em aplicar as penas administrativas de detenção e prisão disciplinar, que, nos dias atuais, considera-se absurdas, devem providenciar que sejam aplicadas através de lei, pela indiscutível inconstitucionalidade destas medidas restritivas da liberdade estarem previstas no Decreto Estadual n.º 12.112/80.

Concordando com Gouveia (2000), acredita-se que os quartéis não são ilhas onde a Constituição não vigora. É imperativo que a autoridade competente desperte para a necessidade de elaborar um Regulamento Disciplinar compatível com a ordem jurídica vigente, que é ancorada, sem exceções, no Estado Democrático de Direito criado pela Constituição Federal de 1988.

Enquanto assim não se fizer, as referidas punições serão anuláveis por via judicial, e a autoridade administrativa que as tenha aplicado, embasada no referido decreto, responderá pelo crime previsto no artigo 4º, "a", da Lei n.º 4898/65.:

Atualmente todas as instituições estão se democratizando e modernizando. A Polícia Militar de Santa Catarina não pode permanecer parada no tempo! Mesmo porque ao insistir em fazer uso de um Regulamento repleto de inconstitucionalidades implicará na desmoralização da Autoridade Administrativa, que, por força de decisões judiciais, terá que se retratar quanto às punições ilegalmente impostas.

Neste contexto, enquanto não existir uma LEI DISCIPLINAR em conformidade com as normas constitucionais, legal, justo e legítimo, na instituição Policial do Estado de Santa Catarina que trate do assunto, conforme preconizam as constituições Federal e Estadual, estará fadada a permanecer no arbítrio atroz, ímpio, desumano e ilegal.

Dentre outra irregularidade, nota-se que o RDPMSC, em seus artigos demonstram uma incompatibilidade com o Principio da Igualdade, consagrado em nossa Carta Magna no seu art. 5º1, prevendo igualdade de direitos, aptidões, e igualdade de possibilidades para todos os cidadãos no tratamento idêntico pela Lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico Nacional.

Segundo Moraes (2005) o que se veda com o principio da igualdade, são as diferenciações arbitrárias, e as discriminações absurdas, impedindo que na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias não possam ser criados tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas.

Verifica-se que a inconstitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares já foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3.340-9, trazendo à tona uma discussão sobre a ofensa ao inciso LXI do Art. 5º da CF, por dispor que o crime militar e a transgressão militar devem estar definidos em lei.

Neste contexto, faz-se necessário trazer o excelente parecer do Procurador Geral da República da presente ação:

[...] emitiu parecer de folhas 81 a 88, no sentido de se declarar a inconstitucionalidade do decreto atacado. Ressalta a necessidade de se dar eficácia a signos e regras de concordância assentados pelo constituinte, não cabendo cogitar de equívocos. A ruptura entre o regime de 64 e a ordem constitucional de 1988 teria implicado ênfase ao principio da legalidade, donde a impossibilidade de o Presidente da República estabelecer pena de prisão sem base legal. Antes de serem servidores do Estado, os militares da Forças Armadas estariam na condição de cidadãos protegidos pela Constituição Federal, a revelar que a privação da liberdade de locomoção de qualquer pessoa jamais pode ser decretada à revelia da lei.

Neste caso, o Ministro Cezar Peluso ao concluir seu voto, pugnou pela parcial procedência, declarando a inconstitucionalidade deste regulamento nos casos de prisão para as transgressões militares ali definidas: “Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Relator e a quem o acompanhou, para julgar, em parte, procedente ação, para alcançar apenas os casos de cominação de prisão para as transgressões militares definidas em regulamento”. (Ministro Cezar Peluso, ADI nº. 3.340-9/2002)

Mesmo que esta ação de inconstitucionalidade não tenha sido conhecida pela ausência de exatidão em sua formulação, cabe relembrar que o debate entre os Ministros, deixou claro que esta matéria é no mínimo controversa.

Nota-se que o decreto nº. 12.112/80 (RDPMSC), bem como a portaria n. 09/PMSC de 30/03/2001 (PAD/PMSC), tem como base o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que foi a matéria desta ADI, podendo assim serem questionados quais os parâmetros utilizados para se ensejar as punições de detenção e prisão elencadas nestes regulamentos, pois se verifica flagrante afronta aos princípios constitucionais no que diz respeito a liberdade do cidadão consagrado em nossa Carta Magna.

Poder-se-ía tomar como exemplo o Estado de Minas Gerais, que no ano de 2002, através da Lei Estadual n. 14.310/2002 editou um novo Regulamento Disciplinar, o qual recebeu o nome de Código de Ética e Disciplina, excluindo do rol de sanções disciplinares as penas privativas de liberdade, na modalidade de detenção e prisões, tornando-se referencia nacional, pela observância aos preceitos constitucionais.

CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo abordar a inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da polícia militar de Santa Catarina, bem como buscar o reconhecimento do Ser Militar como Cidadão e a aplicação dos Direitos Fundamentais na caminhada em direção à consolidação do Estado Democrático e da valorização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Nota-se que a Instituição Policial Militar vem perpetuando condutas ultrapassadas, que impossibilitam a modernização e o aprimoramento de aspectos inerentes ao desempenho da atividade policial, tornando-se quase uma “anomalia” dentro de um Estado Democrático de Direito.

Primeiramente neste trabalho, foram abordados os conceitos e aspectos históricos da criação da polícia até os dias atuais, com suas atribuições em decorrência da previsão legal, bem como a influência da hierarquia e da disciplina nesta instituição.

Em seguida foram estudados

Nota-se que as Instituições Militares, não reconhecem o Ser Militar como cidadão, pois privilegiam o princípio da hierarquia e da disciplina como base institucional e como forma de manutenção do poder, em detrimento dos demais princípios constitucionais.

Observa-se que a Constituição Federal, objetiva a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, pois tenta reduzir as desigualdades e a intolerância imposta pelo poder estatal através do autoritarismo.

Assim conclui-se que o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, pela forma como foi editado este decreto, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, encontra-se em dissonância com os preceitos constitucionais que tratam dos direitos e garantias fundamentais do cidadão/militar, tornando-se inconstitucional frente ao principio da reserva legal, pois prescreve condutas puníveis com prisão e detenção, que atingem diretamente o direito de liberdade, assunto este, exclusivo do Poder Legislativo.

Concordando com os ensinamentos doutrinários apresentados, acredita-se que os quartéis, não são ilhas onde a Constituição Federal não tenha validade, sendo de suma importância para toda a Sociedade que as autoridades competentes: Executivas, Legislativas ou Judiciárias, despertem para a necessidade de elaborar um novo Regulamento Disciplinar, compatível com a ordem jurídica vigente, tomando como exemplo o Estado de Minas Gerais, que no ano de 2002 editou um Regulamento Disciplinar, o qual recebeu o nome de Código de Ética e Disciplina, excluindo do rol de sanções disciplinares as penas privativas de liberdade, na modalidade de detenção e prisões, tornando-se referencia nacional, pela observância aos preceitos constitucionais.

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NOTAS

1 Art. 5º CF “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade,, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:”

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