Inconstitucionalidade progressiva

Inconstitucionalidade progressiva

A inconstitucionalidade progressiva é técnica de flexibilização do controle de constitucionalidade, aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico.

1 – Introdução

De matriz germânica, a inconstitucionalidade progressiva também é denominada em nossa doutrina e jurisprudência como “norma ainda constitucional” ou “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”.

Em resumo, trata-se de uma técnica aplicável ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade e utilizada em situações constitucionais imperfeitas, que se situam entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta.i Foi concebida como alternativa de flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, a partir da idéia de que era necessário um meio termo na aferição de inconstitucionalidade, capaz de apontar situações “ainda constitucionais”.

Ou seja, por meio desta técnica busca-se dar ao Tribunal a possibilidade de rejeitar a inconstitucionalidade da norma, pronunciando, contudo, em face de uma deficiência capaz de converter a norma “ainda constitucional” em norma inconstitucionalii.

O que justifica a aplicação desta técnica é a existência de circunstâncias fáticas vigentes que naquele momento dão azo a manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico, sendo, pois, cabível aludida flexibilizaçãoiii.

Assim, conforme expõe o mestre Dirley da Cunha Júnior, a Corte, embora reconheça a constitucionalidade da lei, “recomenda que o legislador formule – às vezes até assinalando-lhe um prazo – disposição complementar de natureza corretiva”.iv Destarte, muitas vezes, referida recomendação ganha tom de verdadeiro apelo, justificando àqueles que se reportam a esta técnica como “apelo ao legislador” (appellentscheidung).

Complementando o exposto, lembra o Ministro Gilmar Ferreira Mendes que, referido “apelo”, dirigido ao legislador, não tem, em absoluto, o condão de obrigar juridicamente o órgão legislativo a legislar, pois não há nessa técnica decisória qualquer imposição de legiferaçãov. Em caso de inércia do órgão legislativo, a norma permanece constitucional até que o Tribunal se manifeste novamente sobre o assunto.

2 – Aplicação prática da Teoria

Por diversas vezes o Supremo Tribunal Federal já utilizou esta técnica de flexibilização, acreditando que circunstâncias fáticas vigentes sustentavam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico. Vejamos alguns exemplos:

1 – No Recurso Extraordinário nº 248.869-SP (j. 07.08.2003), o Ministro Sepúlveda Pertence salientou em seu voto que não vislumbrava a inconstitucionalidade do § 4º, do art. 2º, da Lei 8.560/92, por entender adequada a atuação do Ministério Público até que se viabilize a implementação plena da Defensoria Pública em cada Estado, nos termos do parágrafo único, do art. 134, da Constituição Federal.

2 – Noutra oportunidade, instado a se manifestar acerca da constitucionalidade do artigo 68 do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal expôs que “enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento" (RE 135328/SP, DJ 20.04.2001).

3 - A mesma técnica foi utilizada ainda para averiguar a constitucionalidade da Lei nº 1060/50 (que dispõe sobre concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados). Referida Lei em seu artigo 5º, § 5º, prevê prazo em dobro para o Defensor Público manifestar-se nos autos. Segundo o Supremo Tribunal Federal até que a Defensoria Pública não esteja devidamente habilitada ou estruturada: “Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.” (STF, HC 70.514, 23.03.1994).

3 – Conclusão

A inconstitucionalidade progressiva é técnica de flexibilização do controle de constitucionalidade, aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico.

A aplicação desta técnica não tem, em absoluto, o condão de obrigar juridicamente o órgão legislativo a legislar, já que não há nessa técnica qualquer imposição de legiferação, sendo que, em caso de inércia do órgão legislativo, a norma permanece constitucional até que o Tribunal se manifeste novamente sobre o assunto.

Bibliografia


i CAMARGO, Marcelo Novelino. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade, Juspodium, 2008.

ii CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade, 3ª ed, Juspodium, 2008, p. 193.

iii CAMARGO, Marcelo Novelino. Teoria..., cit. iv CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle..., cit., p. 194.

v MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, Saraiva, 2005, p. 249.

Sobre o(a) autor(a)
Diego da Silva Ramos
Assessor Jurídico-Legislativo e Advogado.
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