Álcool e trânsito – Alterações introduzidas pela Lei nº 11.705 de 11/06/2008

Álcool e trânsito – Alterações introduzidas pela Lei nº 11.705 de 11/06/2008

Os acidentes de trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública. A relativa estimativa dos riscos de envolvimento em infrações e acidentes de trânsito, por parte de motoristas embriagados, corresponde à cerca de 95%.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com as alterações introduzidas pela Lei nº. 11.705/08.

A discussão gira em torno dos §§ 2º e 3º do art. 277, segundo os quais “a infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” e “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”.

Por um lado, temos o princípio do “nemo tenetur se detegere”, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por outro lado, temos o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Assim é que se faz necessário um estudo mais aprofundado do tema.

ÁLCOOL E TRÂNSITO – ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº. 11.705, DE 19 DE JUNHO DE 2008

De acordo com uma pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de bebidas alcoólicas pelos brasileiros cresceu 70,5% nos últimos 35 anos. Esse resultado coloca o Brasil entre os 25 países com o maior aumento no consumo de álcool nesse período.

Dados do estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  levaram o Ministério da Saúde a estimar em 290 mil o número de pessoas que dirigem alcoolizadas diariamente no país.

Conforme o art. 306 da Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro):

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único.  O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

De acordo com o art. 2º do Decreto nº. 6.488/08:

Art. 2º Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

I-exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou

II-teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.

Conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos significa dirigir ébrio, bêbado, embriagado.

A embriaguez é a conseqüência, no sistema nervoso central, de uma ingestão maciça e recente de álcool. Ela se manifesta, com doses relativamente fracas de álcool, por uma fase de jovialidade, de familiaridade e excitação eufórica, em que, às vezes, pode despontar a irritabilidade. Logo que a alcoolemia aumenta, há perda de controle, liberação da agressividade, distúrbios da palavra e distúrbios perceptivos (o indivíduo “vê duplo”, “vê dobrado”).

De acordo com o art. 276 do Código de Trânsito Brasileiro, “qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código”.

Art. 165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração – gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

O art. 277 dispõe que “todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

A discussão gira em torno dos §§ 2º e 3º do art. 277, segundo os quais “a infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” e “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”.

De acordo com o Promotor de Justiça Ricardo Antônio Andreucci, em artigo intitulado “A inconstitucionalidade da obrigatoriedade do exame do bafômetro”:

O legislador excedeu-se ao estabelecer, no art. 277, § 3º, do CTB, a aplicação das penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no “caput” dos artigo, tais como exames sanguíneos de alcoolemia e o denominado “teste do bafômetro”.

Não pode o motorista ser compelido a submeter-se ao exame sanguíneo ou ao teste do bafômetro, em atenção ao consagrado princípio do “nemo tenetur se detegere”, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos, que, em seu art. 8º, II, g, estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada, o que pode ser estendido para a colaboração com a colheita de provas que possam incrimina-lo.

Nesse aspecto, é inconstitucional o art. 277, § 3º, do CTB, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº. 11.705/08, não podendo o motorista ser obrigado a submeter-se a qualquer tipo de teste de alcoolemia, não se podendo a ele aplicar, assim, qualquer espécie de sanção administrativa prevista pelo art. 165 do citado diploma.

Em sentido contrário, Marcelo José Araújo, advogado e consultor de trânsito, em artigo intitulado “Lei do Bafômetro – novos caminhos a seguir”:

Se o agente da autoridade possuir o bafômetro, devidamente aferido dentro da periodicidade legal, e houver recusa a sua submissão, entendemos que está o agente legitimado a promover a autuação do Art. 165 do CTB, e no auto de infração não haverá necessidade de constar nenhum limite, nem 0,00g/l, e sim apenas no campo de observações os sintomas que justificariam a lavratura. Entendemos que o apontamento de testemunhas que não outros agentes além de dispensável não é sequer recomendável, pois causa exposição desnecessária de outros cidadãos. Além disso entendemos que no processo administrativo trazido no Código de Trânsito não cabe a figura da testemunha para fins de lavratura de autos de infração, e tão-só a declaração do agente o qual goza de presunção de veracidade dos seus atos cabendo nesse caso a inversão do ônus da prova. Tal qual não pode um agente lavrar desobediência ao semáforo com base em testemunhas, pois essa presunção pressupões a identidade física do agente que verificou a ocorrência da infração, ao ponto de um agente não lavrar o que o outro flagrou. Testemunhas têm seu papel no processo criminal ou cível, mas nesse caso do administrativo não seriam admissíveis, até porque haveria risco do agente citar sua testemunha e o cidadão exigir outra sua que não vislumbra sinais ou sintomas.

Se o agente não possuir bafômetro, ou possuindo não estiver devidamente aferido dentro da periodicidade estabelecida pelo Inmetro, não poderá autuar nem com base em exame (por não dispor do equipamento), nem por declaração própria com base nos sintomas, ficando prejudicada a autuação administrativa. As conclusões acima em nada prejudicam a apuração do crime de embriaguez (Art. 306 do CTB) que em nada foi modificado e caberá ao delegado de polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário apurar e julgar conforme sua convicção.

No entendimento da Advocacia Geral da União (AGU), “realizar o teste do bafômetro não é produzir prova contra si mesmo, portanto. É apenas o meio de comprovar que o motorista cumpre requisito estabelecido em lei (estar sem álcool no sangue) para dirigir automóveis”. A AGU diz ainda que os direitos “à vida, à integridade física, à saúde pública e à segurança no trânsito” se sobrepõem ao de um indivíduo não produzir provas contra si.

Ainda nesse sentido, a Justiça de Sergipe negou pedido de habeas corpus preventivo feito por um advogado contra a realização de testes de bafômetro. O desembargador Netônio Machado do TJ-SE negou o pedido e ressaltou, na decisão, que “a lei existe” e as autoridades encarregadas pela fiscalização “agem no exercício regular de direito”. De acordo com a decisão, “não há como falar-se em ilegalidade ou abuso de poder por parte de quem cumpre apenas a lei”. O magistrado ressaltou, no documento, que "a vida em sociedade supõe alguns incômodos ou mesmo sacrifícios individuais" e que não encontrou elementos plausíveis para concessão do habeas corpus.

Aplicou-se ao caso o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Nesse sentido, a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 69):

Depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.

O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantias dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem estar coletivo.

Os acidentes de trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública. Estudo realizado pela Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), intitulado “Trânsito no Brasil – Avanços e desafios”, diz que o Brasil gasta por ano R$ 28 bilhões com acidentes de trânsito. São 34 mil mortes por ano, uma a cada 15,45 minutos. Com base em estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada morte no trânsito, outras quatro pessoas saem feridas. Dessas quatro, duas vão ficar com seqüelas permanentes.

Rafael Eduardo Pereira, em dissertação de mestrado intitulada “Relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e as infrações e acidentes de trânsito”, diz que:

Estudos demonstraram que 24% das infrações e acidentes de trânsito estão diretamente relacionados ao consumo de bebida alcoólica, pois os motoristas envolvidos apresentavam concentração de álcool no sangue de 0,1 a 0,7 g/l. Essa porcentagem de envolvimento em ocorrências de trânsito aumenta para 43,5% quando os motoristas apresentam alcoolemia de 0,8 a 0,9 g/l e para 91% naqueles com alcoolemia igual ou superior a 1,0 g/l (Shults et al., 2001). Zador et al (2000), estimaram que um indivíduo apresenta 1,4 vez mais chance de se acidentar após ingerir uma dose de bebida alcoólica do que um indivíduo sóbrio. Ao serem consumidas três doses, essa taxa sobe para 11,1 vezes e, após ingestão de cinco doses, o risco aumenta 48 vezes.

Portanto, fica evidenciado que o risco de envolvimento em acidentes de trânsito cresce a medida em que há um aumento da concentração de alcoolemia no condutor do veículo (Gazal-Carvalho et al., 2002; Jeffrey & Runge, 2003; Edward set al., 2005).

De acordo com Desaprya et al. (2006), a relativa estimativa dos riscos de envolvimento em infrações e acidentes de trânsito, por parte de motoristas embriagados, corresponde à cerca de 95%.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, não há que se falar em inconstitucionalidade quanto à alteração introduzida pela Lei nº. 11.705/08. Trata-se de um caso onde vidas estão em jogo. Dessa forma, aplica-se ao caso em tela o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, uma vez que, as normas de direito público têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Os acidentes de trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública. A relativa estimativa dos riscos de envolvimento em infrações e acidentes de trânsito, por parte de motoristas embriagados, corresponde à cerca de 95%. É necessário uma postura firme de toda a sociedade e do poder público para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor.

REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. A inconstitucionalidade da obrigatoriedade do exame do bafômetro. Disponível em: <http://www.legale.com.br/SISTEMA/PRODUTO/MATERIALGRATIS/ARQUIVOSVIS/-%20A%20inconstitucionalidade%20da%20obrigatoriedade%20do%20teste%20do%20baf%C3%B4metro%20-%20Prof.%20Ricardo%20Andreucci.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2008.

ARAÚJO, Marcelo José. Lei do Bafômetro – novos caminhos a seguir. Disponível em: <www.perkons.com.br/arquivos/artigos/lei_bafometro.rtf>. Acesso em: 03 dez. 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Sobre o(a) autor(a)
Thomas de Carvalho Silva
Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR; Advogado, inscrito na OAB/CE sob o nº 20.498.
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