Os Direitos Autorais e o Direito Comparado no universo eletrônico

Os Direitos Autorais e o Direito Comparado no universo eletrônico

Noção acerca da legislação mundial aplicável às controvérsias advindas dos direitos autorais e do mundo informatizado. São encontradas no texto referências às legislações mais modernas relativas à matéria.

A legislação do proteção aos direitos autorais desempenha um importante papel no complexo mundo das comunicações modernas. Atualmente é evidente o fato de que se vive num mundo onde a comunicação global é exercida instantaneamente. Resta patente, ainda, que, no final das últimas décadas, as técnicas de reprodução, as quais possibilitam facilidade e rapidez inigualáveis no que concerne o acesso e conseqüentes obtenção e armazenamento de praticamente todo e qualquer tipo de obra ou criação, têm revolucionado as possibilidades de reprodução de obras protegidas pelos direitos autorais, gerando justificada inquietação nos meios jurídicos.

É evidente, destarte, que o aparecimento de novas tecnologias e, o conseqüente potencial, cada vez mais elevado, de se poder utilizar em escalas maiores e com uma melhor qualidade de produção obras protegidas, tem gerado problemas consideráveis, haja vista a inquestionável relevância econômica atribuída à propriedade intelectual no comércio contemporâneo.

Exemplos a ilustrar a preocupação global, relativamente ao aspecto imaterial da economia atual, principalmente no que tange a rápida desmaterialização do suporte de informação e decorrente acesso à quase qualquer obra musical, literária ou artística já produzida, são inúmeros. Tal fenômeno traduz-se primordialmente nas mais recentes discussões teóricas e jurídicas acerca do tema e inevitáveis revisões e adaptações da legislação pertinente, objetivando-se, dessa maneira, apaziguar antinomias a fim de que criadores, distribuidores e público angariem o máximo de benefícios advindos do incisivo e irretratável ingresso da rede no panorama atual.

A partir da controvérsia gerada pela comunicação via Internet, a qual permite que dados depositados em qualquer parte do mundo possam ser rapidamente atingidos, lidos, reproduzidos, estampados e manipulados, têm sido disseminados debates ao redor do globo como o Fórum mundial da organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI) [1], realizado em 1995, que ressaltou que o controle da utilização das obras se tornará mais difícil e que os autores e artistas só poderão ser tutelados por sistemas informatizados de gestão coletiva e por coligação entre as várias sociedades de autores e artistas do mundo e, a não menos relevante, Conferência Diplomática sobre Certas Questões de Direitos de Autor e Conexos que ocorreu em dezembro de 1996, em Genebra, Suíça.

Na tentativa de convergir interesses que apontam para os mais diversos caminhos, surgem tratados e normas, dentre os quais, é possível elencar as diretivas da Comunidade Européia nos. 91/250, de 14 de maio de 1991, e 93/82, de 27 de setembro de 1993, que inovaram ao tratar do campo das relações entre o direito do autor e a nova tecnologia da informação [2]; o Tratado Mundial de Copyright (WCT) e o Tratado de Performance e Fonogramas (WPPT) [3], esses últimos patrocinados pela OMPI.

Como exemplos de codificação estrangeira [4] competente para regular direitos autorais e conexos é, ainda, possível citar três leis relativamente recentes a “Lei de Direito de Autor e de Direitos Conexos da Suíça” [5], a “Lei de Direito de Autor do Senegal” [6], bem como a “Digital Performance Rights in Sound Recordings Act”, promulgada pelo presidente norte-americano que trata, dentre outras matérias, das violações cometidas em face dos direitos autorais na mídia digital.

Por derradeiro, apesar de incansáveis esforços da comunidade internacional, é inevitável reconhecer que parte atual do ordenamento legal é insubsistente para dar controle ou disciplinar essa realidade informatizada, dada a complexidade dessa novíssima área do conhecimento. Resta evidente, contudo, que a regulamentação desse meio de comunicação é necessária e até exigível, visto que abusos das mais variadas espécies vêm sido cometidos por meio da Internet.

Resta saber, entretanto, primordialmente no que concerne os direitos autorais e conexos, se a problemática da difusão ilegal de fonogramas trata-se de um círculo vicioso que, do ponto de vista tecnológico, parece não ter limites, verificando-se, destarte, a imprescindibilidade de um envolvimento conjunto – usuários, provedores, agentes governamentais, organizações internacionais, dentre outros – no sentido de avaliar os problemas com o escopo de reduzir os abusos a um mínimo aceitável, dada a impossibilidade de extermina-los completamente, em razão do dinamismo do mundo cibernético [7].



Notas:

[1] “ A OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) – em inglês, WIPO (World Intellectual Property Organization) – , uma das agências da UNESCO que se dedica também à administração de tratados internacionais de direito autoral e direitos conexos, promoveu em abril de 1993, na Universidade de Harvard (Cambridge, EUA), um simpósio denominado ‘O impacto da tecnologia digital no direito autoral e direitos conexos’. Gandelman, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. Ed. 3ª. Ed. Record. Rio de Janeiro. 2000. p. 107.

Henrique Gandelman enumera, em sua obra, algumas questões propostas para discussão:

a) O uso da tecnologia digital no processo criativo poderá ter influência no status da propriedade intelectual das categorias existentes de produções protegidas por copyright e dos chamados direitos conexos? (A resposta, em geral, pode ser negativa. Porém, cumpre observar que a extensa manipulação de gravações sonoras pode oferecer outros argumentos àqueles que pensam que as gravações sonoras devem ser reconhecidas como categoria de obras literárias e artísticas.)

b) Há necessidade do reconhecimento de novas categorias de produções criadas pela tecnologia digital, tais como a multimídia (isto é, obras criadas com o auxílio de computadores, combinando fotos imóveis e movimento, e/ou som, com texto em qualquer seqüência) ou os hipertextos (isto é, sistemas de gerenciamento de informação que permitem vários itens de informação por várias associações, tal como os modelos de pensamento humano)? (A resposta, provavelmente, seria negativa, ou, pelo menos, seria prematuro propor o reconhecimento de novas categorias específicas. As categorias existentes, tais como as coleções de obras, banco de dados e adaptações, parecem abranger suficientemente os novos tipos de obras digitalizadas. Será necessário, contudo, estabelecer esquemas de administração coletivos para facilitar a criação e disseminação de tais obras.)

c) Há necessidade do reconhecimento de novos direitos para os titulares de direitos de obras, interpretações ou gravações preexistentes, tendo em vista a manipulação digital de tais obras, interpretações ou gravações? (A resposta, obviamente, depende da natureza e extensão das manipulações. No caso de obras literárias e artísticas, os direitos existentes de adaptação e direitos morais parecem oferecer base apropriada para ajustar a questão. Estes direitos não são, contudo, geralmente reconhecidos a favor do intérprete e produtores de gravações sonoras, e , diante da manipulação digital, deverão ser reconhecidos. Uma questão especial emerge, no que concerne às gravações soundalike, que imitam a voz ou execuções instrumentais, baseadas na digitalização das interpretações.)

d) A regulamentação do direito de reprodução deve ser diferente para as cópias digitais e as analógicas? (Existem certos campos nos quais a necessidade de diferentes regulamentações já emergiu. Por exemplo, é cada vez mais reconhecido por todos que a reprodução digital em série de perfeitas gravações em áudio não deve ser permitida livremente, até mesmo para finalidades privadas. Alguns estudos de uma legislação própria já estão sendo realizados em vários países, visando introduzir sistemas que excluam mais do que uma geração de cópias digitais. Em certos casos – como o de programas de computadores e de banco de dados –, haveria completa proibição de livre copiagem, o que parece ser necessário. Proibição ou restrição de copiagem privada, é certo, só terão efeito se combinadas com a adoção de sistemas de administração apropriados para evitar copiagens indevidas.)

e) A regulamentação do direito de distribuição (ou algum de seus aspectos, como o direito de aluguel) deverá distinguir as cópias digitais das analógicas?

f) A regulamentação do direito de transmissão via broadcasting, o direito de comunicação ao público e o direito de execução pública deverão ser diferentes no que se refere às obras e gravações em forma digital e àquelas em forma analógica?

g) A introdução da tecnologia digital desestabiliza o balanço de direitos e privilégios das atuais legislações de copyright? (Deve-se observar que os novos métodos de armazenamento, distribuição e uso das obras em forma digital poderá criar uma nova situação para as bibliotecas, arquivos e escolas. É o caso de se estudar, por exemplo, o fair use, ou uso justificado etc.)

h) Qual é o impacto da tecnologia digital nos termos e modelos de licenciamento atualmente em vigor? Quais os problemas que poderão surgir na interpretação dos contratos existentes no que se refere à exploração digital de obras? Será que se poderá fazer modificações nos contratos, sem antes modificar a lei?

i) Quais os novos métodos de proteção e administração de copyrights e direitos conexos que poderão ser criados com o auxílio de tecnologia digital? (Controle de cópias, distribuição de royalties pelas sociedades de titulares de direito etc.) Ob. cit. p., 109/111.


[2] A esse respeito comenta Liliana Minardi Paesani: “As diretivas adotadas pelo Conselho da União Européia estabeleceu um elevado grau de proteção aos direitos do autor e têm adotado, preferencialmente, como parâmetro, o sistema europeu continental do ‘direito do autor’. Essa aproximação encontra respaldo no próprio Tratado da Convenção Européia (CE).

O Tratado de Mastrich (que instituiu a União Européia em 7-2-1992) introduziu o art. 128, que reza: ‘a Comunidade considera os aspectos culturais na ação que desenvolve em conformidade com outras disposições do presente tratado’. Isso significa que qualquer intervenção normativa não pode deixar de atribuir a máxima relevância, ou seja, um alto grau de proteção, aos direitos dos autores.

Merece ser mencionada a diretiva 92/100, de 19-11-1992, que reconhece o direito de autorizar ou impedir a locação e o empréstimo dos originais e das cópias proibidas das obras a que se destina harmonizar, pelo menos em parte, os direitos conexos aos direitos do autor.

Também deve ser considerada a diretiva 93/82, de 27-9-1993, que destinada a harmonizar as normativas nacionais referentes aos direitos autorais aplicáveis na radiodifusão via satélite e via cabo, e segundo a qual cabe ao autor o direito exclusivo de autorizar a comunicação de sua obra, excluindo, assim, as formas de licença legal ou obrigatória.

Finalmente, a diretiva 91/250, de 14-5-1991, destinada à tutela jurídica do programa de computador”. Paesani, Liliana Minardi. Direito e Internet – Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade Civil. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 6.


[3] Gustavo Testa Corrêa aponta, em sua obra, legislação estrangeira como potencial fonte para o direito brasileiro: “Na Inglaterra, a lei responsável pela defesa dos direitos autorais é a 1998 Copyright, Designs and Patents Act, compreendendo uma gama de proteções, desde músicas até programas de computadores. E, o mais importante, ela também cobre casos relacionados à Internet e computadores, imputando responsabilidade ao dono do computador e ao usuário que efetivamente publica material alheio.

A lei mais importante relacionada aos ‘crimes’ digitais nos Estados Unidos foi promulgada em 1986, e se chama Computer Fraud and Abuse Act – Lei de fraudes e Abusos por Computador.

Ao contrário dos Estados Unidos, no Reino Unido não existe distinção entre lei federal e estadual. Todas as leis são igualmente aplicáveis sobre a totalidade do território. O Computer Misuse Act – Lei de Abuso por Computadores (...). Essa lei define três tipos de ofensas criminais em termos genéricos, (...)”. Aspectos Jurídicos da Internet. Ed. Saraiva. São Paulo. 2000. p. 61 e 65.


[4] Exemplos de países que possuem legislação autoral específica: França (lei de 1987), Espanha (lei de 1987), Itália (lei de 1941, com emendas até 1992), Rússia (lei de 1993 – pós-União Soniética) e Inglaterra (“The Cpyright, Designs and Patents Act”, de 1988).


[5] Lei de Direito de Autor e de Direitos Conexos da Suíça (Loi fédérale sur lê droit d’auteur et lês droits voisins) – de 9 de outubro de 1992, com entrada em vigor em julho de 1993.


[6] Lei de Direito de Autor do Senegal – Loi n. 73 – 52 du décembre 1973, modificada em ato último pela lei n. 86 – 05 du 24 janvier 1986.


[7] No mesmo sentido, Manoel J. Pereira dos Santos: “Na verdade, esse direito não se fundamenta na proteção de obras intelectuais caracterizadas pela forma de expressão, mas sim no controle do acesso e uso de recursos de informação disponibilizados na rede digital. Em outras palavras, objeto desse direito seriam os conteúdos dos objetos digitais, o que prescindiria de certos conceitos básicos do direito autoral vigente, como expressão, autoria e originalidade. Cabe aqui a pergunta já feita por alguns estudiosos do tema: como se configurará esse novo direito? Os conceitos ainda não estão sedimentados mas o que parece é que se trata de uma proteção nova e não de um novo Direito Autoral”. “Direito Autoral na Internet” in Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2001.

Sobre o(a) autor(a)
Rejane Ferretto D'Azevedo
Estudante de Direito
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