Inconstitucionalidade das novas contribuições criadas para cobrir o rombo do FGTS

Inconstitucionalidade das novas contribuições criadas para cobrir o rombo do FGTS

As contribuições sociais são tributos que pelo princípio da vinculabilidade inserto na Constituição Federal devem ser vinculados a uma atividade estatal direta ou indireta, o que não ocorre no caso em análise.

Com a finalidade de cobrir o rombo causado nos cofres públicos em razão da decisão do Judiciário reconhecendo o direito aos trabalhadores em receberem os expurgos inflacionários sobre as contas do FGTS, foi editada a Lei Complementar n.o 110 de 29.06.2001 (DOU de 30.06.2001), criando duas novas contribuições sociais.

A primeira delas, prevista no artigo 1º, será exigida a partir de 28.09.2001 e equivalerá à aplicação da alíquota de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos referente ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. Esta contribuição será integralmente transferida às contas vinculadas da Caixa Econômica Federal e incorporada ao FGTS conforme expressa previsão do art. 3.º, § 1.º da lei instituidora, o que sem sombra de dúvidas representa uma desnaturação da nova exação como fonte de custeio da seguridade social, sendo assim de manifesta inconstitucionalidade.

A segunda contribuição social instituída pela nova lei, é devida pelos empregadores e será exigida a partir de 01.10.2001 mediante a aplicação da alíquota de (0,5%) cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador. Incide portanto sobre salários, comissões, porcentagens, gratificações, diárias, abonos, alimentação, habitação, à exceção das parcelas aludidas no art. 2.º da Lei n.º 10243/01, e à exemplo da contribuição a que nos referimos anteriormente, o produto de sua arrecadação será integralmente transferido às contas vinculadas da Caixa Econômica Federal e incorporado ao FGTS.

À luz dos princípios constitucionais vigentes, percebe-se que as novas exações a que nos referimos não possuem natureza jurídica de contribuições sociais por faltar-lhes a necessária referibilidade indireta na identificação dos três elementos básicos do aspecto material da hipótese de incidência da norma tributária. É sabido que para a materialização da exigência seria necessário o preenchimento de três requisitos inter- relacionados, ou seja, a atuação do Estado, a identificação do sujeito passivo e o "termo intermediário", no dizer do saudoso prof. Geraldo Ataliba.

Vemos que no caso o aspecto material da hipótese de incidência para a primeira contribuição é a demissão, pelo empregador, do empregado sem justa causa e na segunda contribuição, a remuneração total do empregado. Por sua vez o sujeito passivo identificado na norma legal é o empregador, e não há como identificar a existência de qualquer atuação estatal a justificar as novas contribuições., por inexistentes, em nenhuma nas novas espécies tributárias.

A mensagem dos Ministros de Estado da Fazenda e do Trabalho, relativas ao projeto da Lei Complementar n.º 110, aprovada pelo Congresso Nacional, por si só já certifica a ausência da atuação estatal e da referibilidade necessárias, quando dizem: " A contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, além de representar um importante instrumento de geração de recursos para cobrir o passivo decorrente da decisão judicial (referindo-se à decisão do STF que garantiu os expurgos inflacionários na correção das contas de FGTS dos trabalhadores)". O mesmo ocorreu em relação à segunda contribuição, quando quando os ministros justificaram a sua criação "com vistas ao fortalecimento e à consolidação do patrimônio do FGTS."

Faltando o liame entre a atuação estatal a ser custeada pela contribuição social e a sua base de cálculo, não há como se exigir a exação, eis que resta desvirtuada a sua natureza jurídica. No dizer do jurista Marcos Joaquim Gonçalves Alves (Revista Dialética de Direito Tributário n.º 72, pág. 129, " o que temos, na verdade, são contribuições sociais que elegeram aspecto material aleatório. E que portanto possuem natureza jurídica de impostos." E em assim sendo, tais exações não poderiam ser vinculadas ao FGTS por colidir frontalmente com o disposto no art. 167, IV da Constituição Federal de 1988.

As contribuições sociais são tributos que pelo princípio da vinculabilidade inserto na Constituição Federal devem ser vinculados a uma atividade estatal direta ou indireta, o que não ocorre no caso em análise.

Além disto também é de se salientar que a nova contribuição tem a mesma base de cálculo da contribuição social incidente sobre as remunerações pagas aos empregados e devida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e também do Imposto de Renda retido na fonte devido à União Federal, fazendo com que a mesma represente manifesta bitributação, em contrariedade à norma consta do § 4.º do art. 195 da Constituição Federal de 1988 que expressamente veda a instituição de quaisquer outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social que tenham base de cálculo idêntica à de outros impostos e contribuições existentes.

Sem sombra de dúvidas que inexistem fundamentos de validade constitucional a justificar a criação das novas exações que, finalmente, não se enquadram na natureza jurídica de intervenção no domínio econômico, empréstimo compulsório e contribuições sociais destinadas à Seguridade Social. Se a União Federal ao instituir a nova contribuição o faz no exercício de sua competência residual, sendo certo que no § 4.º do art. 195 da Carta Magna encontra-se a outorga para a instituição de outras fontes de custeio da seguridade social, porém o mesmo dispositivo recomenda a observância do disposto no art. 154, I. Isto significa dizer que a contribuição instituída com fundamento nessa competência residual, seja não-cumulativa, e não tenha fato gerador nem base de cálculo, próprio dos impostos e contribuições elencados na Constituição, o que também não acontece no caso em análise..

Com certeza o Poder Judiciário brasileiro, como de costume, será provocado a dirimir as questões oriundas da nova exigência.

Sobre o(a) autor(a)
Janir Adir Moreira
Advogado
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