Sigilo fiscal: direito absoluto x supremacia do Poder Público sobre o Privado
Discute o sigilo fiscal enquanto direito garantido pela constituição e a sua quebra em prol da coletividade, frente a previsão do Código Tributário Nacional e demais legislações em vigor.
Introdução
Muito se fala no que diz respeito às normas constitucionais, invioláveis quando observadas pelo ponto de vista do direito positivo, porém “discutíveis” quando está em jogo a coletividade. O que faz um se sobrepor ao outro tem direta ligação na interferência que tal decisão terá ao influenciar as demais, visto que se trata de normas que beneficiam partes “contrárias”, mas obedecem a princípios, respeitando o que comprometem defender.
Falando mais especificamente em normas, tem se a própria Constituição Federal (CF) que defende intimidade, privacidade, propriedade em seu art. 5° e em contraponto o dever de fiscalização previsto posteriormente no art. 145. Cabe diante do conflito o ponto de equilíbrio de forma a respeitar o ordenamento jurídico sem ferir a hierarquia das leis e sua importância no comprometimento com a justiça.
Conjuntamente com a convergência de direitos, está a quem cabe a autoridade da quebra do sigilo. Ao observarmos os poderes envolvidos, discute-se a legitimidade do Ministério Público para tanto e o processo administrativo cabível ou não para autorizar tal quebra.
Ao debater este assunto, não podemos deixar de citar a Lei Complementar n° 105/2001 que possibilita à administração tributária o acesso aos dados bancários de contribuintes sem a intervenção do Poder Judiciário. Mais uma vez, tal previsão jurisdicional encontra resistência nas garantias individuais e cabe fazer com que ambas sejam aplicadas com o devido equilíbrio.
Quanto ao Código Tributário Nacional (CTN), o mesmo faz menção à quebra do sigilo, mas ao mesmo tempo em que a prevê, se preocupa em limitar a prestação de informação para que não haja a invasão do campo das garantias. Ou seja, o CTN cumpre seu papel, mas se limita para não correr o risco de afrontar a Carta Magna.
A Constituição Federal frente à proteção individual e o dever de fiscalizar
Quando se fala em fiscalização tributária, logo vem à tona a matéria sigilo bancário e com isso surgem duas vertentes opostas previstas no mesmo livro, a Constituição Federal de 1988. O art. 5° em seus incisos X e XII prevêem a inviolabilidade da intimidade, dos dados e das comunicações, enquanto o dever de fiscalização está no art. 145, §1°, segunda parte. Não podendo, na sua aplicação concreta, os dois comandos anularem-se, resta encontrar o equilíbrio entre ambos.
O dever de investigação, não admite invasão no campo das garantias individuais, portanto, mesmo que previsto tanta na CF quanto no CTN é obrigatório que respeite norma hierarquicamente superior.
Segundo Hamilton Dias de Souza, sobre a amplitude da proteção constitucional: “enfim, tudo o que se refira ao ‘conjunto de modo de ser e viver, como direito de um indivíduo viver sua própria vida’. Assim, por exemplo, a inviolabilidade não alcança só o diário de uma pessoa, as cartas que tem guardadas, como também a sua própria pessoa contra interferências de terceiros que vasculhe sua intimidade, através de, por exemplo, aparelhos de escuta, câmeras ocultas ou outros meios que decorram da evolução tecnológica.”
Frente ao exposto fica claro que é necessária ordem judicial que autorize a quebra de sigilos fiscal e bancário, mesmo que esta encontre respaldo constitucional na supremacia do interesse público. Afinal de contas, segundo James Marins, “o interesse público não é dos governantes de plantão, e sim o de toda a sociedade, cuja manifestação mais concreta se dá justamente no Texto Magno”. [1]
A quem cabe fiscalizar?
Após uma breve discussão do tema dentro do texto constitucional, fica a pergunta: a quem cabe fiscalizar? Segundo o Supremo Tribunal Federal, há necessidade de autorização do Poder Judiciário, e só dele para que em favor do interesse público aconteça o fornecimento dos dados sigilosos. Com isso tem-se que o Processo Administrativo não está apto a autorizar a invasão da privacidade pela violação do sigilo bancário, nem mesmo o Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária.
É importante que haja consenso jurisprudencial, do contrário surgem ainda mais dúvidas sobre um assunto já bastante controverso.
No que implica a Lei Complementar n° 105/2001
A LC n° 105/2001 possibilita, sem interferência prévia do Poder Judiciário, o acesso direto aos dados bancários dos contribuintes. Tal ação mediante a criação da lei faz com que seja esquecido o previsto na Constituição no que tange as garantias fundamentais e em relação à fiscalização tributária por esta limitar-se a observância dos direitos previstos constitucionalmente.
Em seu art. 6° essa Lei Complementar permite através de procedimento administrativo fiscal a análise de registros financeiros, entre outros, agredindo o preceito da inviolabilidade previsto na Constituição Federal. Ademais fica a cautela em relação às previsões que tal lei abrange.
A aplicação do Código Tributário Nacional
Até aqui muito se falou sobre Constituição Federal, de fato porque se trata da Lei Maior, hierarquicamente superior às demais e também porque elenca cláusulas pétreas as quais não podem ser desrespeitadas. Mas por se tratar de matéria tributária, com certeza faz-se a citação do Código Tributário Nacional que em seu art. 197 faz menção ao sigilo profissional, não diretamente vinculado ao tema de que estamos tratando, mas também importante e o art. 198, este relacionado à vedação a divulgação pela Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação obtida em razão de ofício, mas que com o advento da LC n° 104/2001, foi alterado autorizando informações relativas a várias situações enumeradas.
Há de se acrescentar ao raciocínio que por se tratar de quebra do sigilo bancário e fiscal, tal procedimento se faz de suma importância justamente porque os sonegadores usam essa proteção individual para ocultar rendimentos não os submetendo a tributação, portanto “violar” essa garantia seria de interesse coletivo.
Conclusão e elucidações finais
Para interpretar e entender uma lei é fundamental que saibamos qual é a sua finalidade. Quando falamos em sigilo fiscal é preciso buscar o que o regra e os seus limites, o que ele é e quem pretende beneficiar, ou melhor dizendo, que direito ele procura resguardar e que dever ele tem.
Constitucionalmente esse sigilo recebe amparo por garantias fundamentais individuais, mas indo um pouco além, pode ser “quebrado”, quando a mesma constituição garante o direito de fiscalizar. Ainda há o Código Tributário que precisa agira com cautela porque não pode simplesmente delegar e Leis Complementares a fim de “despistar” tantas inviolabilidades.
A regra é o respeito ao sigilo e a quebra é a sua exceção, portanto, partindo dessa premissa, justifica-se a maior atribuição aos princípios que protegem o indivíduo da fiscalização e por isso também que quem sonega consiga defender-se e ganhar tempo, mas isso de fato acontece e nem por isso o restante, que é a grande maioria, não mereça estar resguardado.
Como citado por vezes no artigo em questão, o que se busca é o equilíbrio entre o bem comum e os direitos do indivíduo porque o sigilo não é absoluto como observa Bernardo Ribeiro de Moraes, “o sigilo dessas informações, inclusive o sigilo bancário, não é absoluto. Ninguém pode se eximir de prestar informações no interesse público, para esclarecimento de fatos essenciais e indispensáveis à aplicação da lei tributária. O sigilo, em verdade, não é estabelecido para ocultar fatos, mas, sim, para revestir revelação deles de um caráter de excepcionalidade".
Por isso a importância de tal debate, interessante para quem o estuda e também para todos nós cidadãos que estamos cientes do quanto temos de resguardo, mas também da importância da prestação de contas e informações com o intuito de garantir a segurança jurídica a todos.
Referências bibliográficas
[1] Marins James. “Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial)”. São Paulo: Dialética, 2005.
Machado, Hugo de Brito “Processo Tributário”. 2ª ed. Atlas, 2006.