Reserva legal – averbação e regeneração

Reserva legal – averbação e regeneração

Comenta as obrigações do proprietário com relação à averbação e à regeneração da reserva legal.

Introdução

Com o aumento da preocupação ambiental e da força jurídica e política dos órgãos ambientais, muito se tem discutido sobre a obrigação de os proprietários e produtores rurais procederem à averbação e à regeneração da chamada Reserva Legal.

Com efeito, são poucos os proprietários que têm averbadas as matas nativas nos seus títulos e muitos não têm sequer o que averbar. De outro lado, ambientalistas e burocratas se utilizam de mais esse argumento como forma de pressão e constrangimento da produção.

Resta, no entanto, definir e verificar qual é a verdadeira obrigação legal dos proprietários e procurar esclarecer, no cipoal legislativo, qual a conduta mais correta que deva ser tomada pelos produtores rurais.

A Reserva Legal é a área coberta de vegetação nativa que esteja averbada à margem da matrícula do imóvel rural em decorrência da obrigação trazida Art. 16 e parágrafos do Código Florestal (Lei 4.771/65 – alterada pela MP 2166-671). Vejamos a letra desse dispositivo legal:

"Art. 16.  As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma micro bacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.”

Conforme se depreende do mandamento legal (desde a primeira redação do Código Florestal, em 1965), a reserva legal nada mais é que a área delimitada onde está a floresta que, por limitação legal, não pôde ser desmatada. Em outros termos, é a delimitação de uma porção de vegetação nativa.

Comumente, no entanto se atribui à Reserva Legal a idéia de restrição ao uso da terra, o que, data vênia, está em desacordo com a redação legislativa. Na verdade, como se demonstrou2, a Reserva Legal é tão somente um limite para o desmatamento das florestas particulares, que, via de regra, poderiam ser suprimidas.

Embora represente uma aparente antinomia, o equívoco da primeira conclusão é, de certa forma, justificável. Com efeito, o Art. 44 do Código Florestal (também a partir das alterações obtidas com as MPs acima citadas) obrigou os proprietários a recompor a área de floresta nativa inferior à Reserva Legal3, nos seguintes termos:

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;

II - conduzir a regeneração natural da reserva legal; e

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma micro bacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

Ou seja, à obrigação de não suprimir a vegetação nativa além do limite pré-estabelecido se somou outra obrigação autônoma, de reestabelecer a vegetação, independentemente do potencial de utilização do solo, até, pelo menos, aqueles limites.

Em outras palavras, com as alterações introduzidas na lei, não se alterou a questão da Reserva Legal, que continua sendo uma restrição ao desmatamento, apenas criou-se uma nova figura, independentemente daquela, que é a da regeneração4.

Somente depois que compreendidas essas diferenças é que se pode analisar adequadamente as situações de fato e seu verdadeiro enquadramento legal. Com efeito, não se poderia jamais aplicar o mesmo raciocínio à averbação e à regeneração, se tratam de institutos diferentes, com obrigações a proteger bem jurídicos distintos.


A averbação das reservas legais

Comecemos pela averbação. Essa se trata da delimitação física e jurídica da Reserva Legal, com determinação na Matrícula do Imóvel de sua extensão e localização imutável, oponível a terceiros e sucessores5.

A obrigação de averbar a Reserva Legal existe desde 1989, quando a lei nº 7.803/89 incluiu ao Código Florestal o § 2º ao Art. 16º. Hoje, no entanto, em função das alterações trazidas pela MP 2166, essa é uma obrigação do § 8º do mesmo Art. 16º, que está redigido nesses termos:

§8º - A Área de Reserva Legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas nesse código”

Essa obrigação, vale dizer, por não ter prazo determinado, deveria ter sido cumprida em um prazo razoável após a edição da norma6. Passados mais de 15 anos, é evidente que os proprietários estão obrigados a averbar a Reserva Legal. Nesse sentido, vale transcrever a seguinte ementa do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. CÓDIGO FLORESTAL. RESERVA LEGAL. AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS, DA RESERVA LEGAL SÓ É EXIGÍVEL APÓS A PUBLICAÇÃO DA LEI 7.803/1989, QUE ACRESCENTOU PARÁGRAFOS AO ART. 16 DA LEI 4.771/1986, UM DOS QUAIS PREVENDO EXPRESSAMENTE ESSA OBRIGAÇÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO7.

Aliás, esse entendimento tem tido ampla acolhida também no Tribunal de Justiça de São Paulo, que vem decidindo reiteradamente, pela obrigatoriedade da averbação:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Meio ambiente - Condenação - Fixação do prazo de 180 dias para que o réu tome as providências cabíveis, junto ao órgão competente, em relação à instituição, medição, demarcação e averbação da reserva legal - Hipótese - Recurso improvido.8

Em conclusão, em havendo na propriedade floresta não desmatada, essa deve ser averbada como Reserva Legal no Registro de Imóveis, após procedimento administrativo de demarcação e localização no órgão estadual ou municipal competente9.

O não cumprimento dessa obrigação, no entanto, não importa per se em qualquer ônus, já que a obrigação foi estipulada sem prazo para cumprimento10.

Em outros termos, embora seja exigível a obrigação, os proprietários que não tiverem averbado suas respectivas reservas não estão em mora. Para que possa ser imputada qualquer penalidade ou responsabilidade ao proprietário, o Poder Público deverá, antes, notificá-lo ou interpelá-lo para que fique constituído o atraso11.

Diferentemente da hipótese até então admitida, problema muito maior surge naqueles casos em que a Reserva Legal não existe. Quando não há floresta suficiente para a averbação, se torna menos evidente o conteúdo da Obrigação Legal.

Com efeito, como se disse, o bem jurídico protegido pela instituição da reserva legal é a floresta, as formações vegetais naturais. Dessa forma, não atende à mesma lógica estabelecer a restrição de direito, com averbação no Registro de Imóveis, se não há o bem jurídico a ser tutelado.

Nesses termos, em princípio, os proprietários que desmataram além da cota permitida, seja porque autorizados pela legislação anterior, seja pela prática de crimes ambientais (a que responderiam pessoalmente, civil e criminalmente), estariam desobrigados a averbar a Reserva Legal por evidente falta de Objeto da Obrigação12.

Ocorre, no entanto, que alterações legislativas posteriores tumultuaram as obrigações reais dos proprietários rurais, instituindo, a obrigação de regenerar as florestas anteriormente desmatadas.


As áreas já desmatadas e a obrigação de regenerar a floresta

Sob o pretexto de urgência e relevância, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, editou a Medida Provisória 2166/0113, com força de Lei, adicionando ao Código Florestal o Art. 44 e seus parágrafos.

Conforme já se analisou, a inovação desses dispositivos foi criar uma obrigação positiva para os proprietários rurais14. Estabeleceu a obrigação de regenerar as florestas em 30 anos (1/10 a cada 3)15, até que se atinja a cobertura mínima que se teria se o desmatamento ocorresse na vigência da proibição contida no Código Florestal.

Em outras palavras, o legislador procurou reverter o dano ambiental causado pelo antigo regime jurídico, obrigando o particular a recompor a vegetação natural de uma área equivalente à Reserva Legal, seja com plantio (inciso I), regeneração natural (inciso II) ou compensação com outras áreas na mesma microbacia hidrográfica (inciso III)16.

A que nos parece, faltou justiça à decisão do legislador: é inegável a falta de eqüidade. No entanto, há de se reconhecer que, mesmo injusta, essa medida provisória está vigente, e tem força de lei; é válida e constitucional.

Por isso, a menos que se consiga, com ajuda da sociedade civil organizada, rever o conteúdo dessa obrigação, os proprietários estão compelidos a recompor a vegetação de suas propriedades, mediante projetos específicos a serem submetidos aos órgãos estaduais competentes.

Pela lógica do sistema, no entanto, a despeito da imediata confusão interpretativa, a vegetação regenerada não estará sujeita ao regime da Reserva Legal. Com efeito, conforme o dispositivo legal (Art. 16 do Código Florestal), somente as “florestas e outras formas de vegetação nativa” formam as reservas legais.

Por isso, ainda que estejam sim obrigados a regenerar as áreas desmatadas, os proprietários que não possuírem matas nativas não estão obrigados à averbação.


Conclusões

Sem dúvida nenhuma, o tema das reservas legais, assim como o das áreas de preservação permanente, ainda será motivo de muito debate. No entanto, de nada adianta a discussão sobre esse verdadeiro calcanhar de Aquiles dos produtores rurais brasileiros, sem a análise atenta do texto legislativo.

Não há que se falar, dessa forma, em área de Reserva Legal onde não haja formações vegetais nativas. Portanto, somente poderá ser objeto de averbação o que é natural, nunca aquilo que, de forma ou de outra foi recuperado depois do desmatamento.

A obrigação de averbação é “propter rem” e pode ser cobrada de quem proprietário rural for, mediante simples notificação do poder público. Antes disso, no entanto, é ilegal e inadmissível qualquer sanção àqueles que não a tenham averbado.

Não obstante possam os governos, sejam municipais, estaduais ou federal, constituir em mora os proprietários eventualmente obrigados à averbação, essa só é devida na medida em que exista o que ser averbado. Ou seja, é inadmissível e ilegal pretender exigir do proprietário a averbação de áreas externas à propriedade ou em fase de reflorestamento.

Mesmo que não seja para averbação, no entanto, até que seja apreciada a MP 2166/0117, os proprietários rurais têm que reflorestar o equivalente ao que não poderiam ter, hoje, desmatado. Essas matas recompostas, no entanto, não recebem a proteção e o enquadramento das reservas legais.

Pode-se, no entanto, (e é dever da sociedade organizada) discutir qual seria o verdadeiro prazo para essa regeneração e, dentro do processo legislativo ainda em curso, reconsiderar a justiça e a conveniência dessa obrigação imposta aos proprietários rurais.

Esperamos que esse texto, de caráter meramente informativo e de suscitação ao debate, seja de alguma valia para viabilizar segurança jurídica e melhores condições de produção aos proprietários rurais.


Referências Bibliográficas

1 Essa Medida Provisória, 67ª reedição,substituiu a MP 1511/96 e teve seus efeitos prorrogados indefinidamente em virtude da EC 32/01.


2 Veja-se também entendimento análogo no TJ-SP, no Acórdão relatado pelo respeitoso Desembargador Dr. Carlos Roberto Gonçalves, na Apelação Cível em ação civil pública, nº142.278-4/9-00,


3 Essa obrigação, que ganhou novo prazo e novas formas para ser cumprida (dentre elas a regeneração natural), já estava contida no Art. 99 da Lei de Política Agrícola (8.171/91)


4 Prova que não se pode entender as Reservas Legais como uma restrição de uso do solo é a possibilidade de se explorar as árvores compreendidas na Reserva Legal, mediante manejo florestal, como se depreende do § 3º do Art. 16 do Código Florestal e do Decreto 5.975/06, que o regulamenta.


5 Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência no sentido que pode o adquirente, mesmo que não seja o responsável pelo desmate da área, a figurar no pólo passivo de Ação Civil Pública com objetivo de fazer demarcar a Reserva Legal. Veja-se, como exemplo, o acórdão do TJ-SP na Apelação Cível nº 229.145-5/0.


6 Embora a norma de Direito Ambiental seja de Direito Público, é perfeitamente aplicável nesse caso o princípio do Art. 331 do Código Civil, a respeito do tempo para o cumprimento das obrigações: Art. 331: Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente.


7 REsp 58.937/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, 2ª T, J. 16/09/1997, DJ 06/10/1997, p. 49928.


8 Apelação Cível n. 382.743-5/6-00 - Igarapava - Câmara Especial do Meio Ambiente - Relator: J. G. Jacobina Rabello - 30.03.06 - V. U. - Voto n. 18.280. Nesse acórdão, vale dizer, prevaleceu ainda a obrigação de recompor a vegetação referente à Reserva Legal, o que será colocado em discussão adiante.


9 § 4º do Art. 16 do Código Florestal.


10 No Acórdão supra citado, que merece, nesse particular, aplausos, ficou também evidente essa questão. Com efeito, a condenação ficou restringida a iniciar o procedimento de demarcação da Reserva Legal, não se estabelecendo prazo para o sua efetiva averbação.


11 Mais uma vez a Teoria Geral das Obrigações é invocada, nos termos do Art. Do § único do Art. 397 do Código Civil.


12 Evidentemente, no caso de o desmate ter sido parcial, todo remanescente, mas somente ele, ainda que não atinja o limite determinado por lei, deveria ser averbado como Reserva Legal.


13 Reeditada 67 vezes e ainda aguardando, em vigência, a apreciação do Congresso, nos termos da EC 32/01.


14 Exatamente por se instituir uma obrigação de fazer é que a norma é polêmica. Evidentemente, diferentemente das normas proibitivas, essa lei criou um ônus a ser suportado pelos proprietários rurais equivalente ao de um imposto ou confisco, pelo que justificável a polêmica, não tratada nesse artigo, sobre o eventual direito à indenização.


15 Art. 44 do Código Florestal


16 Notavelmente, houve a transferência dos prejuízos difusos causados pela alteração de Política Pública para o particular, o que é, no mínimo, contestável.


17 Nesse sentido é expressa a EC32/01: “as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional” (Art. 2º).

Sobre o(a) autor(a)
Francisco de Godoy Bueno
Advogado Formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com concentração em Direito Empresarial.Sócio do escritório Godoy Bueno e Advogados, tem como principais clientes proprietários rurais e empresas...
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