Tutela antecipada e agravo no processo monitório

Tutela antecipada e agravo no processo monitório

Trata do instituto da tutela antecipada e do recurso de agravo no processo monitório após as mudanças na legislação processual civil.

Após as recentes reformas no Código de Processo Civil, desde 2005, com a Lei 11.187, que estabeleceu como regra geral a interposição do Agravo na modalidade retida, até os tempos atuais de incessante “reforma da reforma”, cumprimento de sentença e execução de títulos extrajudiciais, dentre outras alterações esparsas no CPC, não se tem tempo para questionar acerca da pouco utilizada Tutela Monitória, introduzida no sistema processual brasileiro em 1995, vindo a sofrer sensíveis modificações em 2005, tão somente para adequá-la às mudanças formais do Estatuto Processual.

A tutela monitória é um procedimento especial de jurisdição contenciosa que, embora não possuindo natureza de processo de conhecimento, tampouco de processo executivo, sendo uma modalidade autônoma de processo [1], no âmbito das tutelas jurisdicionais diferenciadas, possibilita a satisfação do credor com base em prova escrita desprovida de eficácia de título executivo.

Entretanto, em que pese ser um instituto que facilita e diminui as formalidades processuais, pouco se perquire a respeito do cumprimento do mandado inicial, a possibilidade de deferimento de tutela antecipada, bem como a interposição de agravo da decisão interlocutória que indefere a antecipação.

Ora, se o mandado inicial é concedido liminarmente, estando a petição devidamente instruída, haveria necessidade de antecipação dos efeitos fáticos da sentença? Em um primeiro momento, se poderia sustentar que tendo em vista o caráter liminar do mandado inicial – inaudita altera parte – determinando o pagamento ou a entrega dos bens em 15 dias (art. 1.102-b), não haveria razão para concessão de tutela antecipada. Até porque, a medida cautelar de arresto seria suficiente para proteger o direito do credor.

No entanto, há que se ter em mente que o mandado monitório, embora concedido liminarmente – bastando a devida instrução da Inicial – está, desde a sua emanação, submetido a uma condição resolutiva, quer aguardando-se a inércia do devedor, quer aguardando-se o julgamento dos embargos por ele interpostos. Isso porque, o decreto, ao ser expedido, não tem por conteúdo, à semelhança de uma sentença de condenação, a afirmação do direito do credor, senão somente depois de tornado definitivo [2], ou seja, somente quando o pronunciamento judicial liminar transitar em julgado é que a ordem adquire status de título executivo.

E esta é a grande celeuma do procedimento monitório: somente oferecer utilidade ao demandante em duas hipóteses: quando o réu atende ao mandado judicial e honra sua dívida; ou quando o réu permanece inerte, caso em que tem início automaticamente a fase executiva. Havendo embargos ao mandado, o recurso à via monitória não terá oferecido ao autor maior vantagem ou facilidade do que ele obteria com a propositura de demanda de conhecimento pelo procedimento comum.

Assim, o mandado inicial difere o contraditório para um momento posterior, eis que o réu poderá valer-se dos embargos (opostos no prazo de 15 dias) para se defender das alegações trazidas pelo autor, suspendendo-se, ad interim, a eficácia da ordem judicial.

Note-se que essa postergação do contraditório também é concebida no caso do art. 285-A, introduzido pela Lei nº. 11.277/2006, no qual o juízo indefere liminarmente a petição inicial – que verse sobre matéria unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos – diferindo-se o contraditório para o momento subseqüente à interposição de recurso de apelação, à semelhança do que se verifica na ação monitória, quando da interposição dos embargos. Trata-se da “limitação imanente do contraditório” [3], a qual não ofende os princípios constitucionais previstos na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV, uma vez que “não se exclui, mas se procrastina a possibilidade das exceções e, por conseguinte, da cognição completa: torna-se posterior, em vez de anterior, à provisão do juiz”. [4]

E é exatamente em razão da previsão de oposição de embargos e, conseqüentemente, da não garantia de eficácia imediata do mandado monitório que se faz pertinente a aplicação do art. 273, caput (antecipação da eficácia executiva ‘lato sensu’) no processo monitório, mesmo sendo um procedimento especial, haja vista a providência antecipatória ter cabimento, quer a ação de conhecimento seja processada pelo rito comum (ordinário ou sumário) ou especial, desde que verificados seus pressupostos legais.

Este é o posicionamento do Professor José Eduardo Carreira Alvim, para quem a tutela antecipada é plenamente cabível em processo monitório justamente por consistir num procedimento especial. Isso porque além do fato dos procedimentos especiais submeterm-se, subsidiariamente, às regras do procedimento ordinário (art. 272, parágrafo único, do CPC) a tutela monitória, à semelhança das obrigações de fazer e não fazer (art. 461 e 461-A) também possui forte dose de probabilidade (juízo de verossimilhança) [5], o que autoriza a eficácia do provimento antecipatório na ação monitória.

Ora, a antecipação de tutela importa na imediata efetivação do provimento antecipatório, hipótese que não é atendida pela simples aplicação do art. 1.102-b do CPC, que concede prazo de 15 dias para cumprimento do mandado executivo, sendo que durante esse período, o não cumprimento, ou melhor, a ineficácia da decisão, poderá estar causando dano grave ou de difícil reparação para o autor.

No ordenamento jurídico de países europeus, sobretudo Itália (processo monitório documental) e Alemanha (processo monitório puro, com base em prova escrita de débito), a decisão liminar do mandado inicial monitório obtém, em alguns casos e desde logo, eficácia executiva lato sensu, autorizando-se, de imediato, a execução provisória – o que é imprescindível quando verificado o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou caracterizado o abuso do direito de defesa ou propósito protelatório do réu.

Por isso a necessidade, por vezes – no processo civil brasileiro – de aplicação do art. 1.102-b combinado com o art. 273 a fim de viabilizar o cumprimento imediato do mandado inicial. Corroborando tal entendimento, o Professor Luiz Guilherme Marinoni acredita ter sido o procedimento monitório criado justamente para evitar o custo do procedimento ordinário e, dessa forma, propiciar a aceleração da realização dos direitos do credor. Ocorre que para que esse fim seja alcançado, mister a atuação da técnica antecipatória capaz de inibir efetivamente as defesas infundadas e possibilitar o imediato cumprimento do mandado liminar. [6]

Dessa forma, lobriga-se ser plenamente possível a aplicação da tutela antecipada – desde que presentes seus requisitos – no bojo do processo monitório, justamente a fim de conferir efetividade imediata do mandado inicial. Não se estará, cabe esclarecer, cerceando o direito de defesa da parte contrária, pois esta permanecerá tendo direito de opor-se no prazo de 15 dias por meio dos embargos. Somente o cumprimento do mandado que será deferido desde logo.

Igualmente, concedido o mandado liminar, existirá juízo de verossimilhança favorável ao demandante, que, muito provavelmente, será suficiente para que se considere cumprido um dos requisitos da antecipação [7]. No caso de existir perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I), ou caracterizado abuso do direito de defesa ou propósito protelatório do réu (art. 273, II), haverá dever do juiz de, tendo o autor requerido, conceder a antecipação da eficácia executiva lato sensu – autorizando-se, desde logo e pelo menos, execução provisória.

Mas no caso de o autor pleitear a tutela antecipada no bojo de processo monitório, ao réu não caberá insurgir-se contra o deferimento de tal medida ao órgão ad quem? Embora à luz da sistemática processual brasileira o processo monitório não comporte, em princípio, qualquer modalidade recursal, pois prevê o cabimento de embargos (art. 1102-c) fazendo às vezes de um recurso com efeito suspensivo; cabe esclarecer que tendo o autor suscitado a ocorrência de lesão grave ou de difícil reparação, ou ainda, o abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu, pleiteando a tutela monitória com deferimento imediato, forte no art. 273, não seria lícito retirar do réu o direito de opor-se a essa medida, objetivando a neutralização temporária da eficácia do provimento judicial de antecipação. Embora haja certa tendência na jurisprudência no sentido de considerar dispensável o contraditório no agravo de instrumento em face de decisão interlocutória liminar – inaudita altera parte – este não parece o entendimento mais correto não só por violar a ampla defesa e o contraditório do réu, mas principalmente por ferir o princípio da isonomia, estabelecido na Carta Magna.

Este é o posicionamento de José Eduardo Carreira Alvim (in Processo Monitório – Curitiba: Editora Juruá, 2004, p. 144-145):

Mas, se admitida, como se admite, a antecipação de tutela no processo monitório, enquanto remédio capaz de atender prontamente a uma situação de urgência, em favor de uma das partes (o credor), não se pode deixar de reconhecer à outra (devedor) o antídoto para neutralizar temporariamente a eficácia do provimento, e esse antídoto não pode ser outro senão o agravo, quando o cumprimento da decisão possa gerar para o devedor lesão grave e de difícil reparação, justificando também a sua suspensão liminar (art. 558); ou, até mesmo ao próprio autor, quando o juiz lhe tenha negado o provimento na inferior instância, por uma decisão errada ou injusta, caso em que a reparação pode ser obtida através do ‘efeito ativo’ do agravo..”

Igual entendimento postula José Rogério Cruz e Tucci (in Ação Monitória – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 196) ao entender que a natureza da decisão preambular – no mandato inicial – é de sentença (ontologicamente), embora contra a qual caiba agravo.

Nesse caso, o réu poderia interpor recurso de agravo, optando pela modalidade de instrumento – caso em que deverá comprovar o receio de dano irreparável ou de difícil reparação – ou optando pela modalidade retida, que é a regra geral. Todavia, nessa hipótese deve-se atentar ao fato de que o agravo retido somente será conhecido e julgado quando da sua reiteração nas razões de apelação. Dessa maneira, há de se verificar qual o objeto da insurgência por intermédio do agravo retido, pois não raras vezes tal possibilidade é tida como inócua, uma vez que em se tratando de dano irreparável ou de difícil reparação, a apreciação do agravo em sede de apelação perde sua razão de ser, pois até que sobrevenha eventual recurso de apelação, a não interposição do agravo na modalidade de instrumento poderá estar causando ou ter causado danos incomensuráveis ao agravante.

Caso seja possível e viável a insurgência em face da decisão interlocutória por meio de agravo retido, importante ressaltar que o agravante deve requerer que o tribunal aprecie o recurso preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação, sob pena de não conhecimento do agravo.

De uma ou outra forma, é importante ter em mente que se a tutela monitória foi criada justamente para neutralizar o lapso de tempo intercorrente entre o início do processo e a sentença, em favor do credor, no sentido de acelerar e limitar a cognição do juiz – tanto no plano vertical como no plano horizontal – nada mais justo que seja desde logo cumprida a ordem judicial, por meio de antecipação dos efeitos da tutela no próprio mandado liminar, ainda que contra tal determinação possa o devedor insurgir-se por meio dos embargos (para discutir o mérito da monitória) ou por meio do agravo (para discutir a tutela antecipada concedida), pois nos dois casos se estará respeitando o direito de resposta do réu sem, contudo, deixar à margem o direito de crédito do autor que, por vezes, se encontra na iminência de dano irreparável ou de difícil reparação.


[1] Expressão utilizada por Cândido Rangel Dinamarco.

[2] GARBAGNATI, Edoardo. Il procedimento dingiunzione. Milano: Giuffrè Editore, 1991, p. 20.

[3] Expressão utilizada por Nelson Nery Jr.

[4] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1969, p. 257.

[5] ALVIM, José Eduardo Carreira. Processo Monitório. Curitiba: Editora Juruá, 2004, p. 141-142.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 189.

[7] TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória – A ação monitória – Lei 9.079/95. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 157.

Sobre o(a) autor(a)
Alexia A. R. Brotto
Bacharel em Direito
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