Reflexões críticas acerca da cobrança do estacionamento pelos shopping centers

Reflexões críticas acerca da cobrança do estacionamento pelos shopping centers

O cerne da questão sobre a cobrança do estacionamento pelos shopping centers é em relação ao serviço ser ou não remunerado para os fins de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Introdução:

O estacionamento do Shopping Center não é “gratuito”, pois toda atividade empresária visa ao lucro. Assim, o serviço é indiretamente remunerado pelo preço dos serviços e mercadorias prestados ou postos à disposição pelos fornecedores aos consumidores.

Dessa maneira, serviço é qualquer atividade intelectual ou física que seja prestada no mercado de consumo mediante remuneração. Portanto, o cerne da questão sobre a cobrança do estacionamento pelos Shopping Centers é em relação ao serviço ser ou não remunerado para os fins de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).


Desenvolvimento:

Segundo a Jurisprudência da Colenda Corte do Tribunal de Justiça, sobre este tema diz que:

O fim do lucro deve ser entendido de forma ampla, não somente direta como indireta. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Resp. 106.888/PR. Min. Rel. César Asfor Rocha. DJ: 05/08/2002.

Assim, ainda que não cobrem entrada, os Shopping Centers visam lucros ao oferecer serviços as pessoas que lá se encontram, mesmo que não adquiram nenhum produto. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Resp. 279273/SP. Min. Rel. Ari Pargendler e Min. p/ac. Nancy Andrighi. T3, j. 04/12/2003. DJ: 29/03/2004, p. 230 e RDR, vol. 29, p. 356.

O serviço é prestado a título oneroso (deve-se ter muita cautela com o que é aparentemente dito “gratuito”). Pois, o Shopping Center oferece estacionamento em tese “gratuito” para seus clientes. Na realidade, não é gratuito o estacionamento, porque o custo deste está embutido no preço dos produtos e serviços colocados à disposição pelo Shopping Center aos consumidores.

Não existe gratuidade nas relações de consumo (tudo tem um custo). No mercado de consumo, em uma economia capitalista, esse custo é disfarçado (embutido) no preço dos produtos e serviços pelo fornecedor, que o transfere totalmente ao consumidor visando sempre ao lucro.

O artigo 4º, l, do CDC prevê a pedra de toque de todo o sistema protetivo e que é essencial, segundo a doutrina majoritária (finalista). A questão fundamental é o reconhecimento do princípio da vulnerabilidade do consumidor.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

O Código de Defesa do Consumidor assim define o fornecedor, ipsis literis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)

Como bem leciona o Mestre Rizzato Nunes, in verbis: [1]

“Tudo tem, na pior das hipóteses, um custo, e este acaba, direta ou indiretamente, sendo repassado ao consumidor. Assim, se, por exemplo, um restaurante não cobra pelo cafezinho, por certo seu custo já está embutido no preço cobrado pelos demais produtos. Logo, quando a lei fala em ‘remuneração’ não está necessariamente se referindo a preço ou preço cobrado. Deve-se entender o aspecto ‘remuneração’ no sentido estrito de absolutamente qualquer tipo de cobrança ou repasse, direto ou indireto”.

Leciona de forma lapidar sobre a natureza jurídica do Shopping Center o Professor Ives Gandra da Silva Martins, se não vejamos:

 “Os shopping centers são a natural conseqüência do crescimento das cidades e da também crescente necessidade de o comércio, em economia de mercado e competitividade, unir-se ao lazer. Realidade pertinente à mercancia moderna, objetiva ofertar ao usuário horas de satisfação, assim como de compras, em que as alternativas que lhe são apresentadas, terminam por lhe propiciar o usufruto de umas, de outras, ou de ambas”. [2]

Já para o Mestre Fábio Ulhoa Coelho a natureza jurídica do Shopping Center é assim delineada:

“De fato, o empreendimento denominado shopping center é mais complexo. Além da construção do prédio, propriamente dita, o empresário deve organizar os gêneros de atividade econômica que nele se instalarão. A idéia básica do negócio é por à disposição dos consumidores, em um local único, de cômodo acesso e seguro, a mais variada sorte de produtos e serviços. Assim, as locações devem ser planejadas, atendendo às múltiplas necessidades do consumidor. Geralmente, não podem faltar em um shopping center certos tipos de serviços (correios, bancos, cinemas, lazer, etc.) ou comércios (restaurantes, lanchonetes, papelarias, etc.), mesmo que a principal atividade comercial seja estritamente definida (utilidades domésticas, moda, material de construção, etc.), pois o objetivo do empreendimento volta-se a atender muitas das necessidades do consumidor. É esta concentração variada de fornecedores que acaba por atrair maiores contingentes de consumidores, redundando em benefício para todos os negociantes”. [3]


Conclusão:

Dessa forma, o consumidor (vulnerável) não deve pagar duas vezes pelo mesmo serviço que o Shopping Center presta, de maneira indireta nos custos embutidos no preço dos produtos e serviços postos à sua disposição. Isso se chama de bis in idem, vale dizer - duas vezes a mesma coisa, repetição - segundo Donaldo J. Felippe. Dicionário Jurídico de Bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. – 16ª ed. – Campinas, SP: Milennium Editora, 2004, pág. 279). Gerando, portanto, um enriquecimento indevido por parte dos Shopping Centers.

Se for permitido ser cobrado estacionamento dos consumidores, os Shopping Centers estarão ferindo dois princípios basilares do moderno modelo de Direito Privado, que são a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, insculpidas no Código Civil de 2002 nos artigos 421 e 422. A boa-fé objetiva é horizontal (endógena). Já a função social do contrato é vertical (exógena). São as Cláusulas Gerais do atual Código Civil (sistema aberto).

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.


Bibliografia:

COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários a Lei de Locação de Imóveis Urbanos - coordenação: OLIVEIRA, Juarez de - Saraiva – 1992.

Donaldo J. Felippe. Dicionário Jurídico de Bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. – 16ª ed. – Campinas, SP: Milennium Editora, 2004.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, A natureza jurídica das locações comerciais dos "shopping centers" - Shopping Centers : questões jurídicas : doutrina e jurisprudência - coordenação: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, Fernando Albino de - São Paulo - Saraiva – 1991.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000.

STJ. Resp. 106.888/PR. Min. Rel. César Asfor Rocha. DJ: 05/08/2002.

STJ. Resp. 279273/SP. Min. Rel. Ari Pargendler e Min. p/ac. Nancy Andrighi. T3, j. 04/12/2003. DJ: 29/03/2004, p. 230 e RDR, vol. 29, p. 356.


[1] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 100.

[2] MARTINS, Ives Gandra da Silva, A natureza jurídica das locações comerciais dos "shopping centers" - Shopping Centers : questões jurídicas : doutrina e jurisprudência - coordenação: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, Fernando Albino de - São Paulo - Saraiva - 1991, pág. 79.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários a Lei de Locação de Imóveis Urbanos - coordenação: OLIVEIRA, Juarez de - Saraiva - 1992 - págs. 336/337

Sobre o(a) autor(a)
Adriano Celestino Ribeiro Barros
Bacharel em Direito.
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