Considerações pontuais sobre a nova Lei Antidrogas (Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) - Parte II

Considerações pontuais sobre a nova Lei Antidrogas (Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) - Parte II

Na continuação dessa série de três artigos sobre a novel legislação de entorpecentes, abordaremos o crime de tráfico e assemelhados.

1. INTRODUÇÃO

No primeiro artigo tratamos, basicamente, das principais mudanças relacionadas ao crime de posse de drogas para consumo próprio, bem como o procedimento penal a ser adotado para essa infração. Relatamos, em síntese: que a nova legislação sobre substância entorpecente, a qual denominamos Lei Antidrogas, devido à denominação dada ao objeto material nos tipos penais, acrescentou no crime de posse de entorpecente para uso próprio os verbos “tiver em depósito” e “transportar”; que a nova lei abrandou as sanções para o usuário de drogas; que, mesmo com esse abrandamento e essa nova visão do legislativo sobre os usuários de drogas, não houve a descriminalização dessa conduta, pois, de acordo com nosso ordenamento jurídico basilar é perfeitamente possível a aplicação de penas alternativas diretas; que dentre as sanções aplicáveis somente a advertência não possui natureza penal (inc. I, art. 28, da Lei Antidrogas); que em razão disso, a advertência só pode ser objeto de transação, na fase do art. 76, da Lei n. 9.099/95; que se passou a tipificar, cominando as mesmas penas do crime de posse de drogas para uso próprio, a conduta daquele que semeia, cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de drogas para uso próprio; que a proibição do flagrante prevista na nova lei não impede a cessação do ato ilícito e a condução do agente até a autoridade competente, mas somente a lavratura do auto de prisão e o cárcere.

Nesse penúltimo artigo traremos à baila algumas considerações sobre o crime de tráfico de drogas e assemelhados, os quais sofreram modificações consideráveis.


2. DO CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS

O art. 12, da Lei n. 6.368/76, cede lugar para o art. 33, da Lei 11.343/06 (ou Lei Antidrogas).

De início cumpre acentuar que nosso ordenamento jurídico continua sem ter um crime que atenda pelo nome de “tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins”. Com efeito, a nova lei, repetindo a postura da antiga, não fixou o nomem iuris dos tipos penais, ou seja, o art. 33, da Lei Antidrogas, não possui um nome jurídico, como, por exemplo, acontece com a grande maioria dos crimes previstos no Código Penal. [1]

O referido artigo abriga condutas tanto relacionadas ao tráfico (que traduz a idéia de comércio, mercancia), como àquelas que visam unicamente à difusão da droga, sem objetivo de lucros ou vantagens. Assim, utiliza-se a expressão tráfico ilícito de drogas por uma questão semântica.

Ao contrário do que ocorreu no crime de posse de drogas para consumo pessoal, não houve aumento das condutas previstas para o crime de tráfico, permanecendo os mesmos 18 núcleos.

Houve, sim, uma melhora na redação. Haja vista que o legislador ao modificar a ordem dos verbos, e colocar a expressão “ainda que gratuitamente” após todas as condutas previstas, permitiu que o intérprete entendesse com maior clareza que tal crime pune o agente que comete qualquer das condutas, ainda que de forma gratuita. Antes, a leitura do art. 12, da antiga lei, poderia levar o intérprete ao entendimento de que somente o verbo fornecer amparava a expressão “ainda que gratuitamente”, uma vez que ficava diáfano o vínculo dessa expressão com aquele verbo. Para um melhor entendimento, elencamos os dois tipos penais:

Antiga Lei: Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Nova Lei: Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Do mais, o crime conhecido como tráfico de drogas mantém suas antigas características: crime de conteúdo típico alternativo, crime de perigo abstrato(?), norma penal em branco etc.

Modificação considerável ocorreu na pena cominada. Com a nova lei, a pena privativa de liberdade passa ser de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão, e a pena de multa de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Note-se que a pena mínima em abstrato foi aumentada de 3 para 5 anos.

Na fixação da multa o juiz determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo (art. 43, da Lei Antidrogas). Sendo que as multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, o juiz considerá-las ineficazes, ainda que aplicadas no máximo (parágrafo único, art. 43, da Lei Antidrogas).


3. DOS CRIMES ASSEMELHADOS AO TRÁFICO DE DROGAS

Primeiramente é preciso definir quais são os crimes assemelhados ao tráfico de drogas. No nosso entendimento são os crimes dos arts. 33, § 1º (inciso I, II e III), e 34 a 37, pois a Lei Antidrogas prevê as mesmas “conseqüências” para tais infrações penais, basta verificar o art. 44, desse mesmo diploma legal. Passemos, então, a análise dos referidos crimes.

O art. 33, § 1º, inciso I, da Lei Antidrogas, regula a mesma situação fática do antigo art. 12, § 1º, inciso I, da Lei n. 6.368/76. Tal tipificação penal visa à punição daquele que pratica tráfico de matéria-prima, destinada ao preparo de drogas.

Percebe-se, por uma superficial análise no novo tipo penal, que o legislador quis acabar com a polêmica criada a respeito da palavra “matéria-prima”.

Isto porque, os juristas não conseguiam uma posição firme e pacífica sobre o alcance do conceito de matéria-prima. O que acabava por refletir nos casos concretos, como o exemplo da acetona. Alguns entendem que a acetona é considerada matéria-prima para preparação da substância entorpecente conhecida como cocaína; outros entendem que é somente ingrediente, excluindo-se, portanto, do conceito abrangido no tipo penal da lei de 1976.

Com a nova lei, tal discussão pode estar com seus dias contados. O novo tipo legal aumentou o objeto material do crime em questão. Antes era somente matéria-prima, agora passa a ser: matéria-prima, insumo ou produto químico.

Ao mesmo tempo em que encerra a discussão, o legislador dá razão à corrente que entendia que acetona não era matéria prima, mas sim produto químico, ou mesmo insumo.

Antiga Lei: art. 12, § 1º. Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de     substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

Nova Lei: art. 33, § 1º.  Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

Na conduta de semear, cultivar ou colher plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas (atual art. 33, § 1º, inciso II e antigo art. 12, § 1º, inciso II), a crucial alteração ocorreu devido ao desmembramento do crime, sendo que a agora a finalidade de consumo não mais equipara a pena ao crime de tráfico, mas sim à infração penal de posse de drogas para uso próprio (art. 28, § 1º, Lei Antidrogas).

Antiga Lei: art. 12, § 1º. Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substancia que determine dependência física ou psíquica.

Nova Lei: art. 33, § 1º.  Nas mesmas penas incorre quem: II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

O próximo crime punia o sujeito que utilizava local de sua propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consentia que outrem dele se utilizasse, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente, com as mesmas penas do crime de tráfico (art. 12, § 2º, II, da Lei n. 6.368/76).

Na nova lei essa conduta continua tipificada, mas com duas importantes modificações. A primeira diz respeito ao local utilizado ou cedido. Antes, na antiga lei, a palavra local era utilizada isoladamente. O legislador atual preferiu acrescentar também a expressão “bem de qualquer natureza”. Se já era amplo o sentido de local, com a nova lei o legislador deixou ainda mais abrangente.

A segunda mudança corrige algo que poderia ocasionar graves injustiças, tendo em vista o princípio da proporcionalidade. Na antiga lei, o sujeito que utilizava ou cedia sua propriedade para consumo de drogas, estava sujeito às mesmas reprimendas daquele que utilizava ou cedia sua propriedade para o tráfico ilícito de entorpecentes.

No entanto, essa afronta ao ordenamento pátrio foi sanada. A nova lei somente pune àquele que utiliza ou cede sua propriedade para o tráfico ilícito de drogas (art. 33, § 1º, III, Lei Antidrogas).

Antiga Lei:  art. 12, § 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

Nova Lei: art. 33, § 1o  Nas mesmas penas incorre quem: III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

Continuando a análise dos crimes assemelhados ao tráfico ilícito de drogas, cumpre pontuar sobre o crime de tráfico de maquinários de drogas (ou petrechos para o tráfico). O crime, que passou a ser tratado pelo art. 34, da nova Lei Antidrogas, ficou mais abrangente, pois foram incluídas cinco novas condutas.

Quando o referido crime era tratado pelo art. 13, Lei n. 6.368/76, havia somente seis verbos: fabricar, adquirir, vender, fornecer, possuir e guardar. Com a nova lei, além desses verbos, foram acrescentados: utilizar, transportar, oferecer, distribuir e entregar.

A sanção penal do referido crime sofreu modificação somente no tocante a multa, sendo que permaneceu de 3 (três) a 10 (dez) anos a pena de reclusão.

Antiga Lei:  Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente  ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a   360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Nova Lei: Art. 34.  Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

O crime de associação ao tráfico de drogas passa a ser tratado pelo art. 35, da Lei Antidrogas. Continua exigindo, para sua configuração, um ajuste prévio, ou seja, é imprescindível que haja o animus de se associarem. A convergência ocasional de vontade determina a co-autoria.

Assim, com a nova lei, se duas ou mais pessoas se associarem com o fim de praticar o crime de tráfico de drogas (art. 33, caput), ou o crime de tráfico de matéria-prima (art. 33, § 1º, I), ou o crime de cultivo de plantas destinadas à preparação da droga (art. 33, § 1º, II), ou crime de utilização ou consentimento de local para a prática de tráfico (art. 33, § 1º, III), ou o crime de tráfico de maquinários de drogas (art. 34), ou, ainda, o crime de financiamento do tráfico de drogas (art. 36), poderá ser punido com pena de reclusão de 3 a 10 anos, mais pagamento de 700 a 1.200 dias multa.

Finda, com efeito, a discussão sobre qual pena aplicar no caso da prática de crime de associação ao tráfico. Como é cediço, a Lei de Crimes Hediondo trouxe um grande problema no tocante a aplicação da pena para o crime de associação, capitulado no art. 14, da Lei n. 6.368/76.

Isso porque, o art. 8º, da Lei de Crimes Hediondos tratou da mesma matéria do art. 14, da antiga Lei de Tóxico, pois fixou pena de três a seis anos de reclusão para o cometimento do crime de bando ou quadrilha (art. 288, do Código Penal), quando se tratar de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Para dirimir tal conflito, a maior parte da doutrina e da jurisprudência resolveu acolher uma solução sui generis, visto que passou a adotar como preceito primário o art. 14, da Lei n. 6.368/76, e aplicar como preceito secundário a pena prevista no art. 8º, da Lei de Crimes Hediondos.

Sendo a nova lei posterior e especial, aplica-se, no caso de associação ao tráfico, o art. 35, da Lei Antidrogas, não havendo mais incidência do art. 8º, da Lei de Crimes Hediondos.

Antiga Lei: Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Nova Lei: Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único.  Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

As duas últimas infrações penais assemelhadas ao crime de tráfico não possuem lastro com a legislação anterior, sendo novas figuras típicas.

A primeira é o crime de financiamento do tráfico de drogas, que visa à punição daquele que abona dinheiro para um empreendimento vinculado ao tráfico de drogas. O legislador, por excesso de prudência, tipificou duas condutas: financiar e custear. Todavia, no nosso entender esses dois verbos convergem para a mesma direção, pois aquele que financia, está custeando, e vise-versa. Tanto é que o dicionário Aurélio [2] traz como sinônimo de financiar o verbo custear.

Esse crime possui uma das sanções mais altas do nosso ordenamento penal. Para esse crime, o legislador fixou a pena de 8 (oito) a 20 (vinte) anos de reclusão, mais pagamento de 1.500 a 4.000 dias-multa. Tenta-se combater a mola propulsora do crime organizado que se esconde por de trás dos traficantes, ou seja, quer punir aquele que faz do tráfico sua empresa, injetando dinheiro a procura de lucros.

Nova Lei: Art. 36.  Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

A segunda figura típica sem precedentes na legislação anterior tipifica a conduta do agente que participa do tráfico de drogas como informante colaborador de grupos, organizações ou associações. A novel legislação quer punir toda conduta que incentive e auxilie a prática do tráfico de drogas, ainda que essa conduta não seja de muita importância.

Essa conduta poderia, muito bem, ser enquadrada no art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/76, que punia com pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão, aquele que contribuía de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de drogas. O atual legislador preferiu, a contento das balizas do Direito Penal, ser mais específico na tipificação das condutas e tornar a sanção mais proporcional no caso concreto, pois a pena cominada agora é de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão.

Nova Lei: Art. 37.  Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.


4. DOS CRIMES SUBJACENTES AO TRÁFICO DE DROGAS

São considerados crimes subjacentes à infração penal de tráfico de drogas as condutas previstas nos arts. 33, § 2º e § 3º, 38 e 39. Denomina-se subjacentes em razão de serem condutas que não possuem relação direta com o tráfico, estando num patamar inferior e secundária do rol de atividades envolvidas na difusão das drogas. São, na verdade, condutas intermediárias.

O art. 33, § 2º tipifica a conduta daquele que induz, instiga ou auxilia alguém ao uso indevido de droga. Tal crime já era previsto na antiga lei, mas precisamente no art. 12,  § 2º, I, sendo que recebia a mesma pena cominada ao crime de tráfico, ou seja, 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão.

Mais uma vez o legislador corrigiu uma desproporcionalidade, pois não se pode punir com as mesmas reprimendas aquele que fomenta o tráfico, vendendo as drogas, e aquele que induz ao uso. Necessário se faz a devida distinção, para efeito de aplicação da sanção penal. Daí resultou a diminuição da pena para esse crime, sendo que agora o induzimento ao uso prevê detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.

Antiga Lei: art. 12, § 2º. Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

Nova Lei: Art. 33, § 2º. Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

Umas das grandes polêmicas que a antiga legislação trazia em seu bojo dizia respeito à cessão da droga para consumo em conjunto. Nos casos em que um sujeito adquiria a droga e a repartia com um amigo, ou amigos, para junto consumirem, pela antiga lei responderia pelo crime de tráfico.

Com a nova lei tal conduta possui tipificação própria, com pena mais branda. O crime em questão prevê pena de 6 meses a 1 ano de detenção para aquele que oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem.

Note-se que a droga deve ser oferecida de maneira eventual e sem objetivo de lucro, para uma pessoa próxima ao agente. Do contrário, teremos o enquadramento no crime de tráfico (art. 33, caput, Lei Antidrogas).

Nova lei: § 3º.  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

A lei de 2006 mantém a punição, a título de culpa, para aqueles que prescrevem ou ministram drogas indevidamente. Todavia, o legislador trouxe algumas mudanças. Anteriormente, o tipo legal trazia os sujeitos ativos (médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem). Isso não ocorre no novel diploma legal.

Assim, é possível entender que com a nova lei qualquer pessoa pode cometer tal crime, já que não há a descrição do sujeito ativo no tipo penal. Deixa, então, de ser crime próprio ou especial. O falso médico que receita, culposamente, medicamentos que causam dependência física ou psíquica a determinado paciente, poderá responder por esse crime.

No entanto, essa conclusão não nos parece reinar de forma absoluta. Mesmo com a retirada dos sujeitos ativos, pode-se entender que o crime continua a ser próprio, ou seja, só pode ser cometido por médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem.

Primeiro porque prescrever e ministrar são competências inerentes a esses profissionais. Segundo, porque o legislador incluiu no tipo penal o sujeito passivo (paciente), que acaba por vincular os mencionados sujeitos ativos. E por fim, o parágrafo único, do artigo em questão, determina que o juiz comunique a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

Em suma, cremos que essas duas teses podem ser defendidas com argumentos plausíveis, cabendo a jurisprudência apontar qual posição será dominante e mais correta.

Além dessa modificação, a nova legislação trouxe mais uma, a saber. Na lei de 1976, o médico, por exemplo, era punido se prescrevesse ou ministrasse, culposamente, ao paciente dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Na nova lei o médico também será punido caso prescreva ou ministre, culposamente, drogas sem que o paciente necessite. Houve, portanto, a tipificação de uma nova conduta culposa.

Antiga Lei: Art. 15. Prescrever ou ministrar culposamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em de dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:        Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa.

Nova Lei: Art. 38.  Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

Parágrafo único.  O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

O último crime subjacente não possui previsão na antiga lei sobre entorpecentes. Passa-se a punir o agente que conduz embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Tratando-se de veículo automotor, a conduta é tipificada pelo art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro. [3]

Frise-se que, se a embarcação ou aeronave servirem como transporte coletivo de passageiros o crime passa a ser qualificado.

Nova Lei: Art. 39.  Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.

Parágrafo único.  As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.

 
5. DAS CAUSAS DE AUMENTO DA PENA

A nova lei traz importantes modificações no tocante às causas de aumento da pena. Somam-se sete causas de aumento, contra quatro da antiga lei. Analisaremos causa por causa.

A legislação de 1976, em seu art. 18, aumentava de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terço) a pena de todos os crimes previstos em seu bojo.

Já a Lei Antidrogas de 2006 aumenta as penas previstas nos art. 33 a 37 (tráfico de drogas, tráfico de matéria prima, cultivo de plantas destinadas ao preparo da droga, crime de utilização ou consentimento de local para a prática de tráfico, crime de induzimento ao uso de drogas, crime de consumo de drogas em conjunto, crime de tráfico de maquinários de drogas, crime de associação ao tráfico, crime de financiamento do tráfico de drogas e crime do informante colaborador do tráfico de drogas) de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terço) nas seguintes hipóteses:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito: a visão do atual legislador não é somente punir o imediato tráfego das drogas entre países, como no exemplo do agente que está em vias de exportar ou importar a droga; mas também nos casos em que o agente, mesmo tendo importado a droga há tempos, é surpreendido na posse visando ao tráfico. Se nesse caso a característica da droga demonstrar sua procedência internacional, pode restar configurada a causa de aumento. A referida causa, ao nosso ver, de tão abrangente e subjetiva pode ofender o princípio da culpabilidade.

II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância: a função pública não mais precisa estar relacionada com a repressão à criminalidade; qualquer função exercida com vínculo estatal poderá ocasionar o aumento da pena. O educador, a pessoa que exerce o comando familiar, guarda ou vigilância, também estão sujeitas ao aumento da pena.

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos: nesses locais a droga consegue se difundir com maior facilidade, duplicando sua potencialidade lesiva ao corpo social. Esses locais são mais suscetíveis para a propagação de tóxico, além de ser alto o grau de vulnerabilidade das pessoas reunidas em determinados grupos.

IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva: cenas reproduzidas pelos meios de comunicações demonstraram que a prática de tráfico ilícito de entorpecente, em muitos casos, ocorre com arma em punho, vozes de comando e intimidação. Caracterizada qualquer dessas formas violentas, ameaçadoras, intimidadoras para a prática da difusão da droga, deve-se aplicar o aumento de pena.

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal: essa causa de aumento pune o tráfico interestadual. Para sua caracterização é imprescindível prova cabal de que a droga estava trafegando de um Estado para o outro, ou que estava em vias de passar as divisas dos Estados.

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação: na antiga lei, a causa de aumento era prevista quando a prática visava atingir menores de 21 anos; com a nova lei, a proteção abrange somente a criança (até 12 anos) e o adolescente (entre 12 a 18 anos); continua a proteção às pessoas com deficiência mental, porém, excluíram do rol dos indivíduos de 60 anos ou mais.

VII - o agente financiar ou custear a prática do crime: a referida causa de aumento consigna as mesmas condutas tipificadas no art. 36. Como não é permitida a dupla punição pelo mesmo fato (proibição do bis in idem), o agente responderá pelo art. 36, no caso de financiamento ou custeio dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, não havendo que se falar na incidência da causa de aumento. Em tese, poderá ocorrer essa causa de aumento quando o financiamento ou custeio se direcionar para os crimes diferentes daqueles constantes do art. 36.


[1] Para um melhor entendimento sobre esse tema: VOLPE FILHO, Clovis Alberto. Quais condutas devem ser consideradas tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins? Boletim IBCCRIM. São Paulo: ano 13. n. 158, p. 4, jan. 2006.

[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 781.


[3] Código de Trânsito Brasileiro - Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:  Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Sobre o(a) autor(a)
Clovis Alberto Volpe Filho
Advogado, Mestre em Direito Público pela Unifran e professor de Direito da Fafram/Ituverava-SP.
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