Comentários às cláusulas editalícias e às exigências de regularidade fiscal
No procedimento licitatório, as cláusulas editalícias hão de ser redigidas com a mais lídima clareza e precisão, de modo a evitar perplexidades e possibilitar a observância pelo universo de participantes.
DIREITO ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO - Cláusula editalícia redigida sem a devida clareza. Interpretação pelo Judiciário, independentemente de impugnação pelos participantes - Possibilidade - No procedimento licitatório, as cláusulas editalícias hão de ser redigidas com a mais lídima clareza e precisão, de modo a evitar perplexidades e possibilitar a observância pelo universo de participantes. A caducidade do direito à impugnação (ou de pedido de esclarecimentos) de qualquer norma do Edital opera, apenas, perante a Administração, eis que, o sistema de jurisdição única consignado na Constituição da República impede que se subtraia da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito. Até mesmo após abertos os envelopes (e ultrapassada a primeira fase) ainda é possível aos licitantes propor as medidas judiciais adequadas à satisfação do direito pretensamente lesado pela Administração. Consoante o magistério dos doutrinadores, a inscrição (da empresa proponente) no cadastro de contribuintes destina-se a permitir a imediata apuração de sua situação frente ao Fisco. Decorre, daí, que se o concorrente não está sujeito à tributação estadual e municipal, em face das atividades que exerce, o registro cadastral constitui exigência que extrapola o objetivo da legislação de regência. A cláusula do Edital que, 'in casu' se afirma descumprida (5.5.1.), entremeada da expressão "se for o caso", só pode ser interpretada no sentido de que, a prova da inscrição cadastral (perante as Fazendas estadual e municipal) somente se faz necessária se o proponente for destas (Fazendas) contribuintes, porquanto a lei somente admite a previsão de exigência se ela for qualificável, em juízo lógico, como indispensável à consecução do fim. 'In hiphotesi', a impetrante, ao apresentar, com sua proposta, certidões negativas de débitos para com as Fazendas estadual e municipal ofereceu prova bastante "a permitir o conhecimento de sua situação frente aos Fiscos", ficando cumprida a cláusula editalícia, ainda que legal se considerasse a exigência. Mandado de segurança concedido. Decisão unânime (STJ - 1.a Secção; MS n.o 5.655-DF; Rel. Min. Demócrito Reinaldo; j. 27/5/1998; DJU, Seção I, 31/8/1998, p. 4; v.u.; ementa) Boletim da AASP n.o 2179.
O v.u. acordão do STJ, 'in comento', cujo relator foi o eminente Ministro Demócrito Reinaldo, de conteúdo inatacável, aliás lugar comum nas decisões do ilustre magistrado, se mostra oportuno para reflexões sobre alguns pontos abordados.
Em primeiro plano, em uníssono com a doutrina, está a fixação do entendimento de que o edital da licitação somente produz efeito, se suas cláusulas forem redigidas de forma clara e precisa, possibilitando ao conjunto de participantes entendimento uniforme e pacífico, que será traduzido com a apresentação correta dos documentos exigidos para a habilitação e na formulação da proposta comercial, e, conforme o tipo de licitação, na apresentação da proposta técnica.
A clareza do edital, além de observar o princípio de legalidade, é uma homenagem obrigatória ao princípio de impessoalidade. Sob nenhum pretexto, mesmo que se persiga maior vantagem para a Administração Pública, o edital pode ser obscuro ou tendencioso, com redação imprecisa, que impeça o julgamento objetivo.
Em obra em co-autoria com a Dra. Renata Fernandes de Tolosa Payá, intitulada "Entendendo, Implantando e Mantendo o Sistema de Registro de Preços", Temas & Idéias Editora, a respeito tema enfocado, assim nos posicionamos: "A licitação tem como objetivo selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, no entanto, a consecução desse objetivo - proposta mais vantajosa - não pode se sobrepor aos princípios fundamentais que servem de pilar para sustentação do regime democrático e do Estado de Direito. Sob nenhum pretexto podem ser preteridos os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade, que norteiam os atos praticados pela Administração Pública, nos termos do art. 37, 'caput', da Constituição da República."
Por outro lado, o relatório constante do Acordão, se posiciona de no sentido de que, mesmo não tendo exercido, no prazo estabelecido pelo art. 41, § 2.o o direito de impugnar os termos do edital ou do instrumento de convite, na esfera administrativa, bem como, o de solicitar esclarecimentos quanto instrumento convocatório, pode o licitante pleitear, quando julgar-se lesado em seus direitos, a tutela do Poder Judiciário, mediante ação própria, pois o fenecimento de seu direito opera tão somente na esfera administrativa.
O direito de socorrer-se da tutela jurisdicional, portanto, opera, também, após a abertura dos envelopes e não somente na fase que antecede ao encerramento do certame.
Permitimo-nos, ainda e modestamente, alargar esse lapso temporal. Não temos dúvida de que o questionamento do ato administrativo, e aí incluído do procedimento licitatório, pode ser questionado judicialmente, e até administrativamente, mesmo quando o objeto da licitação já foi executado integralmente. Basta que no processamento da licitação, tenha ocorrido vício formal insanável, como por exemplo, a inabilitação de licitante motivada pelo incorreto julgamento da Comissão de Licitações, mesmo que tenha havido a desistência expressa do direito de interposição de recurso, ou ainda, que o prazo de divulgação do certame não tenha observado o prazo mínimo estabelecido pelo art. 21 da Lei n. 8.666/93.
Por outro lado, a decisão in comento, traz à colação fato de extrema relevância e que infelizmente é comum nos editais que temos tido a oportunidade de analisar. O agente do poder público, até por falta de treinamento, costuma transcrever no corpo do instrumento convocatório o rol de exigências para habilitação previsto nos arts. 28 a 31 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLCA), sem se preocupar com o 'caput' desses dispositivos que apresentam expressões importantes, quais sejam "conforme o caso" e "limitar-se-á", a significar que cada edital será arquitetado tendo em vista o seu objeto. Objeto esse que delimita o tipo, por exemplo, de pessoa física ou jurídica que poderá participar do procedimento licitatório. Assim, a expressão "conforme o caso" indica, face ao objeto, em que órgãos fazendários deve interessado estar inscrito e portanto, fazer prova de sua situação fiscal regular.
Independentemente do objeto de atividade da pessoa física ou jurídica, a inscrição na Fazenda Federal é devida através do CPF ou CNPJ, respectivamente.
No entanto, os prestadores unicamente de serviços, face à sistemática tributária nacional, devem estar inscritos apenas na Fazenda Municipal de seu domicílio ou de sua sede, reservando-se a inscrição obrigatória na Fazenda Estadual, aos que se dedicam à operação de compra e venda. Caso a empresa exerça as duas atividades, a inscrição deve ser comprovada nas Fazendas Estaduais e Municipais, além, é claro, na Fazenda Federal.
Por oportuno, há que se repudiar o instrumento convocatório que exija, como prova de regularidade fiscal para com as Fazendas, a Certidão de Quitação de Dívida Ativa, considerando, que o documento competente é a Certidão Negativa de Tributos Federais, ou, a Certidão Positiva com Efeito de Negativa prevista no art. 206 do Código Tributário Nacional.
Atacáveis judicialmente, são também, os instrumentos convocatórios que estabeleçam exigências de qualificação técnica e econômico-financeira, desproporcionais e injustificadas ao risco representado pelo objeto licitado, mediante pura transcrição dos arts. 30 e 31 da LLCA, restringindo o universo de interessados e em desarmonia como a parte final do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, que determina "o qual (instrumento convocatório) somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis ao cumprimento das obrigações".