Os Direitos Humanos e o Universalismo

Os Direitos Humanos e o Universalismo

Analisa os direitos humanos em relação à realidade contemporânea e a tendência ao universalismo.

A concepção contemporânea dos direitos humanos fundamentais, nasceu da fusão de diversas fontes de inspiração, cujas principais vão desde a tradição filosófica do pensamento grego até o pensamento jurídico dos jusnaturalistas, com forte impressão do pensamento cristão.

Tais idéias, muito embora tenham contribuído em conteúdo e em épocas distintas, conforme preleciona Alexandre de Moraes, possuíam um ponto em comum fundamental:

[...] a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo. (MORAES, ALEXANDRE. Direitos humanos fundamentais, p.19, V.3, 1997).”

As razões para tal afirmativa são evidentes, especialmente, ao observarmos a evolução histórica da humanidade, haja vista que a consagração e o reconhecimento dos valores entendidos como direitos humanos ocorreu em meio a revoluções sangrentas cujos ideais, em sua maioria, originavam-se dos absurdos ocasionados pela escravização moral e material imposta pelo abuso de poder, seja o político, seja o econômico.

Assim, do mesmo modo que ocorria o aperfeiçoamento de nossas Instituições, a concepção do homem e de seus direitos também caminhava evolutivamente, cujo ápice ocorreu no século XVIII onde assistimos a uma explosão de Declarações de Direitos Humanos, sendo as principais a Declaração de Direitos de Virgínia, de 16/06/1776 e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, pelos franceses em 26/08/1789.

O ser humano passa, então, a ser entendido como uma individualidade capaz de colocar-se no meio em que vive, uma vez que é dotado de personalidade, cujo desenvolvimento somente é possibilitado através do concurso de diversos fatores, denominados bens-interesses. O caráter imprescindível desses bens-interesses culminou com sua positivação e constitucionalização, não somente com o escopo de limitar a atividade estatal, mas também para propiciar efetiva tutela pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido explica Alexandre de Moraes:

A constitucionalização dos direitos fundamentais não significam mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para concretização da democracia. Ressalta-se que a proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral. (MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais, p. 21, V.3, 1997).”

Paralelamente ao crescente movimento de constitucionalização dos direitos humanos, o século XX testemunhou o início da internacionalização desses valores, especialmente após dois conflitos de amplitudes planetárias, cujas conseqüências funestas atingiram sobremaneira essa categoria de direitos, em todos os seus aspectos.

O mundo compreendeu a necessidade constante e urgente de proteger e concretizar tais valores, em escala internacional e em 10 de dezembro de 1948 foi assinada em Paris a Declaração Universal dos Direitos do Homem, considerada por muitos, como a mais expressiva conquista dos direitos fundamentais em nível internacional.

Entretanto, ao avaliarmos a situação cotidianamente vivenciada pelo ser humano, em todas as partes do planeta, a primeira certeza com a qual nos deparamos poderá ser traduzida por intermédio da seguinte indagação: é possível afirmar que os direitos humanos constituem uma verdade universal?

Uma rápida análise da evolução histórica desses direitos em cotejo com a evolução de nossa civilização torna patente a constatação de que o reconhecimento da existência desses valores ocorreu apenas de modo abstrato através de tratados filosóficos e diplomas legislativos. No tocante à realidade concretamente experimentada por todos nós, observamos um enorme abismo entre o dever –ser e o ser.

Tal afirmação é incontestável. Muito embora a maioria esmagadora dos Estados reconheça em seus diplomas constitucionais essa categoria de valores, muito pouco é realizado na prática, o que torna toda a matéria relacionada ao assunto completamente eivada de restritividade. Sob a ótica internacional, tal limitação é ainda mais clara, uma vez que a desarmonia entre os Estados aparenta ser regra geral de conduta.

Ora, a natureza humana é universal e os valores necessários ao seu desenvolvimento também. Desse modo, somente com a mudança concreta de postura no sentir, pensar, falar e agir, poderemos realizar tudo aquilo que esteja concorde com a natureza do homem. Em outras palavras, precisamos ser universais.

O pensamento restrito pode ser traduzido pelo culto exagerado da individualidade, originado da linha filosófica do século XVIII, que enraizou no homem a idéia de que enquanto o meu eu estiver bem, não interessa os demais. Trata-se do maior obstáculo à concretização da paz mundial, pois todo bem almejado apenas restritivamente para si ou apenas a um povo, acaba por constituir um mal.

Para prova do que aqui se discute, basta estender os olhos à realidade humana. Na seara política, por exemplo, o egocentrismo ocasiona a formação de grupos com ideologias distintas, que lutam entre si pela ocupação do poder. Assim, a realização do eu próprio acaba desviando os homens da busca pela concretização do bem comum, afundando as Instituições na mais generalizada corrupção.

Outro exemplo que notoriamente poderá ser considerado ilógico, diz respeito aos gastos públicos que muitas nações, consideradas civilizadas no mais alto grau desperdiçam na fabricação ou compra de armamentos. Tais riquezas, caso fossem utilizadas conforme o pensamento universal, poderiam contribuir enormemente na solução dos sofrimentos humanos, representados pela doença, pobreza e conflitos. Certamente, tais Estados gozariam de verdadeiro respeito entre os povos, o que por si só tornaria desnecessária toda e qualquer preocupação com ataques, violências de grupos armados ou, ainda, invasões bélicas.

Os princípios basilares do capitalismo e do comunismo também podem ser dignos de citação neste contexto, posto que muito embora o antagonismo entre um e outro seja histórico, ambos têm raiz no egocentrismo, o que os torna restritos.

Ao longo de toda a nossa história, assistimos aos efeitos danosos provocados pelo excessivo acúmulo de capital por minorias, que, retendo a circulação de riquezas entre os homens, trouxe como conseqüências o empobrecimento de grande parte do planeta. Aplicando-se isso a nível mundial, a retenção de recursos por parte de poucos Estados ao longo dos séculos, vêm contribuindo paulatinamente para que muitos países em desenvolvimento estejam abaixo da linha da pobreza.

Entretanto, o princípio comunista de que todas as nossas infelicidades são provocadas por uma estrutura social errônea também está incorreto. As estruturas sociais, aqui denominadas Instituições, foram criadas para que nos servíssemos delas. Por conseguinte, ao analisarmos a infelicidade do homem devemos vê-las apenas como aspecto secundário. O primordial é analisar a natureza humana e todas suas vicissitudes. O egocentrismo aqui se manifesta na absurda transferência de culpa: ao invés de analisarmos nossa natureza, culpamos nossas Instituições por nossa infelicidade.

Com relação aos conflitos, tanto em sentido estrito, como em sentido amplo, todos são provocados pelo egocentrismo humano, o que equivale a dizer que o homem é lobo do homem, em razão de sua restritividade. Assim, à despeito de serem invocados diversos motivos para a guerra, tais como a religião, a justiça, a paz, etc., os conflitos, seja individuais ou coletivos, tem sua raiz na sede de conquista de poder gerada pelo egocentrismo dos homens. O ser humano escravo de suas concepções limitadas, sente a necessidade de dominar o outro para auto satisfação e completitude.

O mesmo podemos dizer sobre todos os problemas que enfrentamos em nosso cotidiano, tais como a violência física ou moral, crise econômica, abuso de poder, saúde pública em estado de calamidade, meio ambiente degradado, sistema educacional defasado, analfabetismo, ausência de consciência política e social, degradação da instituição familiar, desemprego, salários indignos, sistema tributário leonino, e toda a sorte de problemas infindáveis cuja enumeração seria impossível no teor deste trabalho.

Todos os problemas do homem têm raiz em sua própria ignorância. Trata-se da ignorância de si mesmo. Ao permanecer na restritividade ao sentir, pensar, falar e agir, o homem esquece de sua própria natureza universal, sendo ele, portanto, o causador de todos os males que sofre. Esta também é a razão da ausência da concretização dos direitos humanos.

Partindo-se do conceito de que tal categoria de valores é constituída por todos os bens-interesses necessários ao desenvolvimento humano, chegamos à conclusão de que todos esses males gerados pelo egocentrismo dos homens podem ser enquadrados como violações ao direitos humanos fundamentais e sob a ótica do universalismo podem, inclusive, ser considerados como crimes contra a humanidade.

Enquanto os homens adotarem como pressuposto o egocentrismo em suas vidas, será impossível a solução de nossos problemas cotidianos. Estes seriam facilmente resolvidos através do espírito de auxílio mútuo cuja base encontra-se no universalismo. Enquanto houver um indivíduo sofrendo com doenças, com miséria e com conflitos, é impossível afirmar que somos felizes, sendo ainda mais absurdo afirmar que somos civilizados.

Tratando-se de um erro gerado pelo egocentrismo que permeia nosso senso comum contemporâneo, evidentemente seus reflexos se fazem sentir em todos as esferas que circundam os indivíduos, tais como a família, a educação, a economia, a política, a religião etc. Em razão de tal afirmativa, os males sociais que tanto afetam a felicidade do homem, somente poderão ser superados através de uma revolução no interior humano que o conduza até o universalismo.

O homem, presenciando a falha de seus métodos no combater a infelicidade, esqueceu-se de sua própria natureza superior e optou por buscar a felicidade na satisfação de sua própria individualidade. Ao esquecer de sua natureza superior, portanto, esqueceu de sua natureza universal e das suas verdadeiras necessidades, que são as mesmas em todas as partes do planeta.

Assim, somente com a humanização concreta dos homens nossos direitos fundamentais se tornarão uma verdade universal, sendo absolutamente ineficaz humanizar somente nossas legislações, que nada mais são que um atestado à falta de civilidade dos indivíduos, que necessitam do abstratismo legal para camuflar inconscientemente as falhas existentes no intimo de cada um.

Sobre o(a) autor(a)
Gisele Aparecida Pereira da Silva
Advogada, formada em 2002 pela Faculdade de Direito de Bauru, Instituição Toledo de Ensino; especializada em mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos pelo INACOM, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Bauru/SP em...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.430 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos