A unidade do processo judicial
O processo, entendido como o procedimento envolvido pelo contraditório, é uma categoria jurídica que tem várias divisões: desde os processos não-estatais até os legislativos.
O processo é uma categoria jurídica que pode ser definida como “o procedimento em contraditório”. Por isso, o processo não é um bloco monolítico, pois inclui várias divisões. Primeiramente, existem os processos estatais e os não-estatais. Aqueles são conduzidos pelo Estado, contrariamente ao que ocorre nestes, em que todos os participantes são particulares. O grande exemplo de processo não-estatal é a arbitragem, regulada pela Lei 9307/96; ressalte-se que só pode ser usada quando se tratar de direitos disponíveis.
O processo estatal pode ter dois objetivos: a) elaborar a lei – trata-se do processo legislativo, previsto principalmente nos arts. 59-69 da Constituição Federal; b) aplicar a lei – aí temos os processos administrativo e judicial.
Tais processos se diferenciam nos seguintes aspectos: a) o processo judicial é trilateral (juiz, acusação e defesa) enquanto que o administrativo é bilateral (Administração Pública e interessados); b) o juiz no processo judicial é imparcial, enquanto que, no administrativo, a Administração Pública é, ao mesmo tempo, julgadora e interessada; c) o processo judicial se inicia por iniciativa de uma das partes (acusação ou defesa) enquanto que o administrativo pode se iniciar de ofício; d) como decorrência da parcialidade do órgão julgador na esfera administrativa, não há a produção de coisa julgada.
O que mais nos interessa é os processos judiciais, que se divide em dois grandes ramos: o processo civil e o processo penal. Assim, “ambos se filiam a um tronco comum, que é a teoria geral do processo” [1].
Tanto o processo civil quanto o penal têm características idênticas: a) caráter substitutivo da jurisdição, isto é, o juiz substitui as partes na aplicação do direito; b) presença necessária de pedido do autor e sua eventual defesa por parte do réu; c) o direito de ação é dado a todo aquele que possa ter tido seu interesse atingido; d) o réu pode não só se defender diretamente, mas também argüir exceções (defesa contra o processo), como coisa julgada e litispendência; e) a sentença é o ato final do processo e se compõe necessariamente de relatório, fundamentação e dispositivo etc.
Uma objeção que se coloca a respeito dessa unidade é que, no processo penal, domina o princípio da indisponibilidade, enquanto que no processo civil impera o princípio dispositivo [2]. Essa afirmação é só parcialmente verdadeira: no processo civil também há interesses indisponíveis, como nos direitos de personalidade e no direito de família; no processo penal, por outro lado, pode ocorrer que o interesse seja disponível, como nas ações penais privadas.
Além do mais, argumenta-se que o processo civil cuida de pretensões de direito privado enquanto que o processo penal atenta para pretensões de direito público. De novo, a afirmação só é parcialmente verdadeira: realmente, o processo penal só cuida de pretensões de direito público; mas, no processo civil, além das questões privadas (como cobrança de dívida), cada vez mais se discutem casos de interesse público, como no mandado de segurança, na ação popular e na ação civil pública [3].
Assim, a função do Estado de aplicar o Direito ao caso concreto (dita jurisdicional) é una, sendo que a divisão em processo penal e civil é apenas por uma questão de divisão de trabalho: assim, certos órgãos cuidam da pretensão penal, outros da civil e outros ainda das duas [4].
Não se está afirmando que são idênticos os processos penal e civil, mas quer se que realçar que as pilastras são comuns. Aliás, os pontos em comum são tantos que, na época do “pluralismo processual” [5], certos estados adotaram um Código de Processo para os dois setores. Atualmente, o Código da Suécia mantém essa unidade [6].
Portanto, o processo judicial é um só: a despeito de se dividir em penal e civil, é mantida uma base comum, que permite o estudo em conjunto do processo, denominada teoria geral do processo.
Para saber mais:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, pp. 542-543.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, pp. 19-20.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Volume 1, pp. 11-13.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 1, pp. 18-26.
[1] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. 1, p. 11.
[2] Idem, p. 12.
[3] Idem, p. 13.
[4] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol 1, p. 20.
[5] Período que vai de 1891 a 1934 em que era permitida aos Estados legislar sobre Direito Processual.
[6] Idem, p. 21.