A tutela antecipatória e a Lei 9.099/95 face ao princípio da celeridade

A tutela antecipatória e a Lei 9.099/95 face ao princípio da celeridade

A medida antecipatória da tutela sempre despertou curiosidade em sua aplicação, principalmente no que tange à sua efetividade junto aos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regidos pela Lei nº 9.099/95.

A lei 9.099/95 foi criada com o intuito de proceder à celeridade processual de forma mais objetiva e concreta nos casos em que a ação fosse eivada de menor complexidade, conforme está consignado no artigo 3º, caput da referida lei.

O que nos desperta a curiosidade, entretanto, é o cabimento ou não de determinados meios junto aos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. No caso em tela, verificaremos a possibilidade ou não da concessão da tutela antecipatória em sede de procedimento sumaríssimo.

É cediço que dentre as inovações advindas da reforma do Código de Processo Civil, não há dúvida que o instituto da tutela antecipatória avulta como a mais importante inovação feita pelo legislador. (NETO, 2002)

Para Cruz e Tucci (in Garantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do devido processo legal, RP 66/73), o fato tempo tem sido:

O principal motivo da crise da Justiça, uma vez que a excessiva dilação temporal das controvérsias vulnera ex radice o direito a tutela jurisdicional, acabando por ocasionar uma séria de gravíssimos inconvenientes para as partes e para os membros da comunhão social.

Luiz Orione Neto (2002, p. 115) considera que:

Com a introdução do instituto da tutela antecipatória, neutralizam-se expedientes protelatórios ou o abuso do direito de defesa do demandado visando ao retardamento da prestação jurisdicional (art. 273, II) ou, de todo modo, poupa-se o demandante de danos irreparáveis ou de difícil reparação (art.273, II). Ora, resta evidenciado que o instituto da antecipação de tutela busca um processo civil de resultados (DINAMARCO, 1996). (grifo nosso)

Tratando com propriedade acerca da matéria, Dinamarco (1996, p. 14) preceitua que:

A Reforma abriu caminhos para uma nova era no processo civil brasileiro. Lançou-se contra dogmas, temores e preconceitos, numa releitura de princípios tradicionais e tentativa de aperfeiçoar sua interpretação às exigências do tempo. É tempo de repúdio ao conceitualismo e ao conformismo. (grifo nosso)

O procedimento nos Juizados busca a efetiva prestação jurisdicional, porém muitas vezes a pretensão se baseia em um dano irreparável ou de difícil reparação caso não seja concedido de imediato, fatores este que justificam plenamente a concessão da medida antecipatória.

Nicolò Trocker (apud NETO 2002, p. 116) bem expõe que:

A justiça realizada morosamente é, sobretudo um grave mal social: provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando tudo tem a perder. Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições de rendição. (grifo nosso).

Sérgio Bermudes (1996, p. 27-8) afirma que:

O instituto da antecipação de tutela não constitui nenhum bicho-de-sete-cabeças [...] Não há razões para receber a novidade, nem com desconfiança, nem com espírito misoteísta, nocivo ao aperfeicçoamento da prestação jurisdicional.

Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo (1993, p. 117-8) relatam que a principal preocupação da reforma processual foi:

Tornar o nosso processo apto a realizar os seus objetivos e melhor servir à sociedade, recordada a advertência de Fritz Baur, o admirável reformulador do processo civil alemão, segundo o qual só procedimentos céleres preenchem a finalidade do processo dando-lhe efetividade. (grifo nosso).

Das várias classificações e hipóteses de aplicação do instituto da tutela antecipada, consideramos extremamente viável o modelo adotado por Luiz Orione Neto (in Liminares no Processo Civil, Ed. Método, 2002, p. 137-8), trazendo de forma clara as possibilidades da concessão da medida nos procedimentos declaratórios, constitutivos, condenatórios e mandamentais, que para nós são de perfeita aplicabilidade em sede de Juizado, desde que observados os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil. Desta forma, seguindo posicionamento do mencionado autor, temos a figura da antecipação da tutela, in verbis:

a) nas ações declaratórias, não pode ser adiantado o elemento nuclear da tutela, ou seja, a certeza jurídica, que não se compadece com a ‘provisioriedade’, da tutela antecipatória; todavia, são passíveis de adiantamento os efeitos que decorrerão do ‘ preceito’ contido na provável futura sentença de procedência.

b) nas ações constitutivas, o elemento nuclear do pedido poderá ser adiantado se compatível com a provisioriedade ínsita da tutela antecipatória, assim não cabe adiantar a alteração de estado civil ou a anulação de um contrato, mas não repugna ao sistema a constituição provisória de uma servidão de trânsito. E certamente são passíveis de adiantamento os efeitos de natureza executiva ou mandamental da futura (provável) sentença de procedência da ação constitutiva;

c) nas ações condenatórias, são passíveis de tutela antecipatória as prestações de dar, fazer, não-fazer ou pagar, sendo que relativamente às primeiras dar-se-á a efetivação da tutela (pela sua urgência ou pela intensidade do juízo de verossimilhança) através de medidas de cumprimento imediato, de ordens executivas lato sensu ou mandamentais;

d) nas ações executivas lato sensu e nas ações mandamentais, a tutela antecipatória revela-se de imensa utilidade prática e geralmente poderá ser efetivada sem percalços, com a utilização de “astreintes” e/ou dos meios executivos referidos no § 5º do artigo 461 do CPC.

Não existe medida proibitiva no sentido de obstar a aplicação da medida antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regidos pela Lei Federal nº 9.099/95.

Para Fellippe Borring Rocha ( 2000, p. 97) “é cabível a aplicação da antecipação da tutela jurisdicional e a concessão de medidas liminares no procedimento dos Juizados Especiais”.

Vejamos por hora o Enunciado nº 05 do 1º EMJERJ: “É possível a concessão da liminar prevista no artigo 928 do Código de Processo Civil, para as ações possessórias regidas pela Lei nº 9099/95” (por maioria). (grifo nosso)

No mesmo sentido, prescreve o Enunciado nº 6 do 1º EMJERJ: “É compatível com o rito estabelecido pela Lei nº 9.099/95 a tutela antecipada a que alude o artigo 273 do CPC”. (por maioria). (grifo nosso)

A jurisprudência também tece considerações acerca da expressa possibilidade da tutela antecipatória em se tratando de procedimento sumaríssimo. Vejamos algumas recentes decisões dos nossos Egrégios Tribunais Estaduais:

RECLAMAÇÃO - ATO JUDICIAL - CABIMENTO EM JUIZADO ESPECIAL - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - REQUISITOS - ATENDIMENTO - CONCESSÃO - SUCUMBÊNCIA - DES CABIMENTO. 1 - CABE EM JUIZADO ESPECIAL A RECLAMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 174 DO REGIMENTO INTERNO DO TJDFT, POR ANALOGIA, EVITANDO-SE, ASSIM, QUE PARTE QUE ENTENDA ESTAR HAVENDO PREJUÍZO A DIREITO SEU FIQUE SEM POSSIBILIDADE DE O IMPUGNAR, POR FALTA DE RECURSO PRÓPRIO. 2 - SE FAZENDO PRESENTES OS REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, SABENDO-SE QUE A PROVA INEQUÍVOCA E A VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO ALEGADO CARACTERIZA-SE PELA PROBABILIDADE QUE ELE EXISTA, E O FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL SE FAZ PRESENTE ANTE A POSSIBILIDADE, OU CERTEZA, QUE NADA RETIRARÁ O DANO, AINDA QUE NO FUTURO O AUTOR TENHA SUA PRETENSÃO ATENDIDA NA SENTENÇA, DEVE SER ELA CONCEDIDA. 3 - CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DESCABIDOS EM RECLAMAÇÃO. CONHECER E DAR PROVIMENTO À RECLAMAÇÃO PARA CONVALIDAR A LIMINAR CONCEDIDA, POR UNANIMIDADE [1].

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JURISDICIONAL. DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ARBITRARIEDADE. SEGURANÇA DENEGADA. I. Somente pode ser concedido segurança contra ato judicial nos  casos em que sua execução possa causar ao impetrante danos de difícil reparação e que seja o mesmo manifestamente ilegal ou teratológico. II. Estando a decisão atacada devidamente fundamentada e sendo prolatada nos estritos termos da previsão legal, não trazendo nenhuma ilegalidade ou arbitrariedade, imerece acolhimento a pretensão da impetrante. III. Segurança denegada" [2].

De modo contrário:

MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA DE URGÊNCIA PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS. INCABIMENTO. Enunciado nº 06 do I Colégio Recursal tornou incontroverso que "nos Juizados Especiais não são admitidas medidas cautelares ou antecipações dos efeitos da tutela, por falta de expressa previsão da lei especial e por contrariar a sua sistemática processual. De verificar que a Lei nº 9.099/95 prestigia a concentração dos atos processuais, observando o princípio da celeridade. A remessa do feito ao juiz para qualquer decisão interlocutória, precedendo a sessão de conciliação, implica na desvirtuação do rito especial, sumaríssimo, em contradição com o próprio sistema" ( D.P.J., de 17 de abril de 1998 ). A impetração do "mandamus" hostiliza a decisão interlocutória afastada da sistemática da Lei nº 9.099/95 quando ofertou efeitos de antecipação da tutela em ação aforada, por opção do autor, perante os Juizados Especiais Cíveis. Os instrumentos-institutos dos arts. 273 e 798 do Código de Processo Civil e do parágrafo 3º do art. 84 da Lei nº 8.078/90 ( Código de Proteção e Defesa do Consumidor ) são operativos da Justiça Ordinária, não tendo incidência prevista para as ações opcionalmente propostas em Juizados Especiais que dispõem de procedimento próprio, autônomo, cuja operacionalidade reclama uma agilização processual compatível com o próprio sistema, para tanto munida de instrumentos específicos, os quais buscam a rápida solução do litigio pela conciliação ou pela presteza do julgamento. A aplicação subsidiária daqueles institutos descaracteriza o sistema dos Juizados Especiais. A decisão concessiva de tutela de urgência, em sede dos Juizados, não tem amparo legal, à falta de previsão expressa da lei, não se confortando, destarte, com a idéia-força dos princípios que norteiam o procedimento sumaríssimo. Concessão da segurança, à unanimidade, para anular a decisão interlocutória proferida.(Mandado de Segurança – Recurso nº 00060/1998 - JUIZADO ESPECIAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO – Relator : JONES FIGUEIREDO ALVES - 29/09/1998 ).

As causas de menor complexidade se não decididas com a primazia do princípio da celeridade e efetividade da prestação jurisdicional também podem ocasionar danos irreparáveis pela demora do julgado, culminando na maioria das vezes com seqüelas irreversíveis.

É válido lembrar que:

Os simples inconvenientes da demora processual, aliás inevitáveis dentro do sistema contraditório e ampla defesa, não podem, só por si, justificar a antecipação de tutela. É mister a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente a satisfação do direito subjetivo da parte (NETO, 2002, p. 141).

Registramos por oportuno, a balizada lição de Teori Albino Zavaski (1997, p. 84) aduzindo com precisão que:

O que se antecipa não é propriamente a certificação do direito, nem a constituição e tampouco a condenação porventura postulada como tutela definitiva. Antecipam-se, isto sim, os efeitos executivos da futura sentença de procedência, assim entendidos os efeitos que a futura sentença tem aptidão para produzir no plano da realidade. Em outras palavras: antecipa-se a eficácia social da sentença, não a eficácia jurídico-forma.

Embora alguns juízes ainda relutem com certa desconfiança em entender inadmissível a antecipação de tutela no procedimento sumaríssimo, vislumbramos tal posicionamento como retrógrado e arriscado, principalmente quando presentes os pressupostos do artigo 273 do Código de Processo Civil, cumulados com o periculum in mora.

Por tudo que foi anteriormente exposto, é perfeitamente possível a concessão dos efeitos da tutela nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, por estar em consonância com o consagrado princípio da celeridade. Desta forma, nosso entendimento coaduna com o Enunciado nº 26 dos Juizados Especiais do Brasil, mantido no XVI ENCONTRO NACIONAL DE COORDENADORES DE JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DO BRASIL, realizado nos últimos dias 24/26 de Novembro no Rio de Janeiro, no Hotel Intercontinental:

Enunciado 26. “São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis, em caráter excepcional”. (grifo nosso).

Por fim transcrevemos o douto ensinamento do mestre Rui Barbosa (in Oração aos Moços, Ed. Russel, 2004, p. 47):

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.

O processo civil brasileiro assim como o alemão busca uma efetividade sem igual objetivando uma concreta democratização da Justiça. Em tempos que todos se questionam acerca da morosidade do Poder Judiciário, os efeitos da antecipação da tutela no procedimento sumaríssimo, servem como meio de prova para resgatar o princípio da celeridade, auxiliando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.


BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Russel, 2004.

BERMUDES, Sérgio. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição. São Paulo: Ed.Saraiva, 1996.

CARNEIRO, Athos Gusmão e TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. “Exposição de motivos (reforma do processo civil)”, in Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1993.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil, in Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996.

ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis, aspectos polêmicos da Lei nº 9.099 de 26/9/1995. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2000.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.



[1] Classe do Processo : DIVERSOS NO JUIZADO ESPECIAL 20040160003229DVJ DF, Registro do Acordão Número : 198354, Data de Julgamento : 25/08/2004, Órgão Julgador : Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Relator : LUCIANO VASCONCELLOS, Publicação no DJU: 08/09/2004 Pág. : 65. Disponível em: <http://tjdf19.tjdf.gov.br/cgibin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=172259884&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>.Acesso em: 16 Dez. 2004.

[2] ACÓRDÃO: 13/09/2000. RELATOR: Dr Carlos Alberto França DECISÃO: Segurança denegada, à unanimidade.RECURSO: Mandado de Segurança n 148/00JUIZADO ORIGEM: Segundo Juizado Especial Cível PARTES: Litisconsortes: Maria Aparecida de Castro Barbo e outros  Impetrada: Juíza de Direito do 2º Juizado Especial Cível  Impetrante: Unimed - Goiânia Cooperativa de Trabalho Médico, COMARCA: Goiânia ORIGEM: Turma Julgadora Recursal Cível dos Juizados Especiais, FONTE: DJ n 13386 de 25/09/00 p 7. Disponível em: <http://www.tj.go.gov.br>.Acesso em: 16 Dez. 2004.

Sobre o(a) autor(a)
Guilherme Arruda de Oliveira
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