Crime e Castigo: segurança sócio-jurídica contra a impunidade

Crime e Castigo: segurança sócio-jurídica contra a impunidade

A impunidade não se revela simplesmente pela falta de aplicação da pena, no sentido de declara-la, significa também o não cumprimento da pena declarada ou aplicada.

Introdução

A Criminologia é o estudo do crime e dos criminosos, dentro de um recorte causal — explicativo, informado de elementos naturalísticos (psicofísicos). Logo, a possível prática de uma conduta criminosa é influenciada por vários fatores, seja exógenos (sociais) ou endógenos (internos), por exemplo: fome crônica, analfabetismo, êxodo rural, toxicomania, prostituição, clima, patologias, doenças mentais, disfunção ou transtorno orgânico. Não se pode cogitar que o homem já nasce criminoso nato ou que ele é fruto exclusivo do meio em que vive. Tudo está intrinsecamente relacionado.

Segundo a criminologia, a proporção entre indivíduos e crime é, de certa forma, regular. A humanidade, apesar de excepcionalmente viver picos de grande violência ou paz, normalmente, estaciona em um determinado patamar de violência. Entretanto, aparentemente, a violência está cada vez mais crescente e nítida na atualidade. Este fenômeno é devido principalmente à impunidade, visto que apesar de serem conhecidos os criminosos nada se é feito para puni-los verdadeiramente.

Do latim “impunitas” de “impunis” exprime o vocábulo impunidade a falta de castigo ao criminoso ou delinqüente. Há, por qualquer motivo, ausência de punição do criminoso, negligência da autoridade, falta de aplicação da pena pelo crime ou falta cometida. A impunidade não se revela simplesmente pela falta de aplicação da pena, no sentido de declara-la, significa também o não cumprimento da pena declarada ou aplicada. Assim, quando um delinqüente fica impune das suas atrocidades sociais, a justiça fica incrédula perante a sociedade, fomentando o cometimento do mesmo delito por outras pessoas, bem como a prática de delitos mais violentos e prejudiciais à harmonia da sociedade e a banalização da violência e da morte. Portanto, é imprescindível que a impunidade seja logo expurgada da realidade de qualquer sociedade, para que assim haja o controle mais eficaz da criminalidade como um todo.


Fatores Sociais ou Exógenos da Criminalidade

Apesar de ser considerada uma ciência nova e muitas vezes desconhecida pelos próprios juristas, doutrinadores e membros da sociedade, a criminologia procura estudar detalhadamente o crime, a pessoa do infrator, a vítima e o controle social do comportamento delitivo, sendo que todos interligados e dependentes entre si.

Antigamente, pensava-se que o criminoso já nascia com o estigma da criminalidade, sendo seu único destino a delinqüência. Chegou-se até a definir o criminoso nato, ou seja, aquela pessoa que tiver tais características seria indiscutivelmente um criminoso em potencial. Dentre as várias características podemos citar as seguintes: maximilar proeminente, orelhas de abano, nariz achatado, daltonismo, insensibilidade a dor, pouca barba e excesso de pêlos no corpo. Entretanto, com minuciosos estudos nas searas da biologia, sociologia, psicologia e demais ciências afins, verificou-se que não é somente um fator que influencia na incidência da criminalidade. Fatores biológicos, psíquicos, sociais, clima, ou seja, fatores sociais (exógenos) e fatores internos (endógenos) incidem concomitantemente na trajetória de vida de uma pessoa, levando-a ou não ao mundo da criminalidade.

Dentre os vários fatores sociais, a impunidade vem a cada dia majorando paulatinamente o índice de criminalidade no Brasil. Caracterizada pela ausência, omissão, ineficácia, insuficiência e descumprimento da pena - reprimenda justa, necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção da criminalidade - a impunidade enseja a insegurança na sociedade, o medo nas pessoas e a certeza de que nunca serão punidos nos criminosos. Assim, a impunidade revela-se seja pela ausência de punição, falta de sanção penal ou pelo não cumprimento da pena declarada ou aplicada.

Em reportagem do Diário do Nordeste de 03 de dezembro de 2002 no caderno Cidade, o sociólogo Daniel Lins ratifica o impacto da impunidade na criminalidade, declarando:

“A impunidade ainda é a grande geradora de medo. Por outro lado, esse problema ultrapassa a esfera policial. O medo coletivo não vai se reverter num curto espaço. É preciso aproximar a população das instituições, ouvir mais a comunidade e garantir uma presença mais maciça dos policiais nas ruas”.


Características da impunidade

O Estado surgiu com o intuito de delimitar os direitos dos cidadãos e impor-lhes os seus deveres, para que assim prevalecesse a harmonia e a paz dentro da incipiente sociedade. Quando um cidadão invade o direito do outro ou não cumpre com seus deveres, cabe ao Estado intervir em prol do bem da sociedade. Nessa ocasião é que surgem as sanções. Porém, o que acontece se uma pessoa infringir regras e não for, por qualquer motivo, alvo de sanções, ou seja, ficando impune? Mas o que são sanções? Quando elas são cabíveis? Qual a proporcionalidade que deve existir entre sanção e delito?

Diante desses questionamentos, verifica-se que a impunidade é relativa, dependendo de inúmeros critérios para ser caracterizada. Logo, uma sanção, para uma sociedade, pode ser suficiente e justa em relação a determinado delito. Entretanto essa mesma sanção pode ser insuficiente ou, até mesmo, exacerbada para outra sociedade. Assim, para analisar o grau de impunidade de determinada sociedade, deve-se primeiramente estudar dentre outros fatores o seu ordenamento jurídico, seus costumes, seus valores sociais e religiosos, situação econômica e atividades preponderantes.

De modo geral, a impunidade caracteriza-se pela não definição da sanção a ser aplicada, pela não efetivação da sanção definida e pela complacência da sanção aplicada, por exemplo:

Primeira hipótese:

Recentemente, ficou provado em comissão parlamentar de inquérito da Câmara Municipal de Fortaleza que o Deputado Sérgio Benevides foi o responsável pelo desvio de verbas federais, destinadas à merenda escolar do mencionado município. Entretanto, em 04 de julho de 2003, em votação secreta na Assembléia Legislativa, o deputado foi absolvido, apesar de contrário ao anseio do povo cearense. Na ocasião, o deputado Artur Bruno declarou:

A Assembléia, por sua maioria resolveu absolver o deputado. Portanto, esta Casa não tem moral para cassar qualquer deputado que cometa qualquer infração”. (Diário do Nordeste, 05 de julho de 2003, Política).

Esse desabafo retratando a impunidade poderá dar ensejo a possíveis práticas de novas infrações pelo mesmo deputado ou por outros integrantes do Poder Legislativo, já que não se tem a certeza da punição caso ocorra qualquer tipo de infração. Assim, no caso exposto, a possível pena não foi sequer definida concretamente, visto a ausência do propositura do competente processo legal.

Segunda hipótese:

Quando um criminoso é julgado, sendo culpado, a ele, é imputada uma pena justa, razoável e proporcional ao crime cometido. No caso da pena privativa de liberdade, devido às condições atuais do sistema penitenciário brasileiro, há a ocorrência de fugas de detentos, o que impossibilita a efetivação da pena estabelecida. Outro exemplo que pode ser enquadrado nessa hipótese é o da progressão do regime da pena, que, aos olhos da maioria da população, é uma regalia que só beneficia o criminoso.

Terceira hipótese:

Quando se aplica uma pena, presume-se que a sanção deve ser proporcional ao crime cometido e suficiente para reprovar, reprimir e, de certa forma, vingar o dano sofrido. No caso de pessoas que têm familiares vítimas de crimes hediondos, possuindo o autor do crime bons antecedentes criminais, domicílio certo, emprego fixo, primariedade, sua pena será estabelecida no mínimo previsto na legislação penal para tal delito. A sociedade, sem sombra de dúvida, achará a pena ineficaz, insuficiente, injusta e benevolente diante das atrocidades que a vítima sofreu.


Conseqüências da impunidade

A impunidade influencia triplamente de forma negativa na criminalidade: incentivando a reincidência do infrator no mesmo crime e no cometimento de crimes com maior periculosidade pelo infrator impune e contribuindo no aumento do número de criminosos. Isso tudo, pois tais criminosos têm a certeza que ficarão impunes e livres para sempre cometerem delitos. Um exemplo recente são as mortes de 30 mulheres na região do Cariri em apenas 18 meses, que até hoje estão impunes e, até mesmo, esquecidas por grande parte da população cearense.

A sociedade insegura gradativamente vai sendo tolhida dos direitos essenciais à vida de um cidadão, como aqueles previstos no artigo sexto da Constituição Federal de 1988, verbis:

“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Essa conseqüência verifica-se constantemente em todas as capitais brasileiras. Muitas crianças e adolescentes não vão mais às escolas e às universidades porque têm medo da violência que diariamente está presente nessas instituições de ensino. Pessoas não saem mais de casa para se divertirem devido à violência, privando do lazer. Enfim, a sociedade vive amedrontada, pois sabe que ficarão, na maioria das vezes, impunes os crimes e delitos que por ventura vier a sofrer.


Conclusão

A impunidade está visivelmente presente na sociedade brasileira. Casos atrozes, inaceitáveis e horrendos são postos na normalidade, afrontando à estrutura da sociedade e banalizando valores imprescindíveis para a manutenção da humanidade em harmonia e desenvolvimento, como a vida e a segurança.

Abrindo portas, janelas e vidraças do mundo do crime para a sociedade que, muitas vezes, vive a desigualdade econômica, a falta de educação, saúde e trabalho, a impunidade influencia, como fator social ou exógeno, para o aumento da criminalidade. As conseqüências da impunidade incidem sobre todas as classes sociais. Em umas, as mais necessitadas, as conseqüências da impunidade são mais latentes e perceptíveis, porém nas classes mais sortidas também há a incidência de tal fator social.

Dos mais diversos modos, a impunidade configura na sociedade, uns amparados legalmente, outros modos devido à negligência e á omissão das autoridades competentes para combater a violência. O indulto e o perdão são regalias que podem ser encaradas como favorecimento à impunidade aos olhos daqueles que foram vítimas dos crimes não punidos.

Esse trabalho teve a finalidade de definir, caracterizar e exemplificar a impunidade, mostrando as conseqüências que ela traz para a sociedade e, assim, alertando a própria sociedade e as autoridades da urgente necessidade de seu extermínio do mundo social e jurídico.


Bibliografia

ALVES, Roque de Brito. Criminologia. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1995.

BEVILÁQUA, Clóvis. Criminologia e Direito. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1983.

CARAM, Dalto. Violência na sociedade contemporânea. Petrópolis, Vozes, 1978.

MANHEIM, Hermann. Criminologia Comparada. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

SOARES, Orlando. Causas da criminalidade e fatores criminógenos. Rio de janeiro, Solivro, 1978.

Sobre o(a) autor(a)
Rebeca Ferreira Brasil
Funcionária Pública da Justiça Federal no Ceará - lotada na 10ª Vara federal
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