A nova lei de Arma de Fogo: Primeiras conclusões

A nova lei de Arma de Fogo: Primeiras conclusões

Breve comentário sobre a nova lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

Art. 1.º O Sistema Nacional de Armas – Sinarm –, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional.

Desde o dia 23 de dezembro de 2003, as armas de fogo, explosivos e munições ficaram totalmente sob os cuidados do Governo Federal através das Forças Armadas e Polícia Federal. As Policias Civis, destarte, perderam suas atribuições sobre as armas de fogo de uso permitido.

As pessoas poderão ter em suas residências ou no local de trabalho armas de fogo de uso permitido registradas, desde que cumpram alguns requisitos legais, dentre elas a justificativa da efetiva necessidade, capacidade técnica e psicológica. Este registro é temporário e deve ser novamente processado de 03 em 03 anos.

Criaram os crimes de Posse Irregular (art. 12) e Porte Ilegal (art. 14), acabando a possibilidade do T.C.O..

O primeiro recai sobre as armas em desacordo com a lei, encontradas dentro de casa ou trabalho. O crime é de detenção. Instaura-se Inquérito Policial e o Delegado pode arbitrar fiança e liberar o conduzido. É passível de suspensão do processo.

O segundo recai sobre as armas em desacordo com a lei, encontradas em poder de alguém, seja de que forma for. O crime é de reclusão e inafiançável se a arma não estiver registrada em nome do conduzido. Não cabe suspensão do processo.

Os crimes relacionados a armas de uso restrito, comércio ilegal e contrabando possuem penas pesadas e não são passíveis de fiança e liberdade provisória.


Art. 6.º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

I – os integrantes das Forças Armadas;

II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal; (...)

A priori, apenas membros das Forças Armadas e policiais podem portar armas de fogo em locais públicos. As Policias Estaduais conquistaram o direito de portar armas de fogo em todo o território Nacional, o que não era permitido na antiga lei.

Os Juizes, Promotores de Justiça e demais funcionários públicos que gozam de porte legal em seus Estatutos mantém seus direitos, já que o caput do art. 6° da nova lei de armamentos prevê a ressalva “salvo para os casos previstos em legislação própria”.

As exceções se estendem aos guardas municipais, colecionadores, membros de clube de tiros, caçadores, vigilantes e pessoas comuns. Todos estes possuem diversas exigências para a conquista deste porte, sendo que os de pessoas comuns a dificuldade é tanta que vem a quase inviabilizar a devida autorização.

Nunca é tarde para se lembrar que os vigilantes e suas empresas devem ter autorização expressa da Polícia Federal para o trabalho e funcionamento. Só depois disto podem solicitar o porte de arma de fogo.


Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.

§ 1.º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente:

I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;

II – atender às exigências previstas no art. 4.º desta Lei;

III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.

§ 2.º A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.

Aqui estão algumas exigências para aqueles não-policiais, não-estatutários ou não-militares que solicitarem autorização para portar arma de fogo.

É interessante o parágrafo segundo deste artigo, já que deixou dúvidas na hermenêutica de sua fiel finalidade. Diz que o “portador” perderá a autorização de for detido embriagado. Pergunta-se: Portador do quê? Da arma de fogo ou da Autorização? Imagine a seguinte cena: Um Advogado que conquistou autorização de porte de arma de fogo, deixa seu revolver em casa e vai à formatura de seu filho. Ao retornar para sua residência, dirigindo seu veículo, é abordado numa “blitze” de trânsito. Apresenta todos os seus documentos: CRLV, CNH, carteira da OAB e “pasmem” a Autorização de Porte de Arma de Fogo... É lavrado um BOPM e encaminhado para a Delegacia. O Delegado encaminha ofício à Polícia Federal noticiando o fato e o Advogado perde seu direito ao porte. Conclusão: A Autorização de Porte de Arma de Fogo cria um “abstêmio legal”.


Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

A priori, manter munição em residência, sem autorização passou a ser crime. Antes era configurada contravenção penal do art. 18. Esta contravenção se mantém e, pelo principio da especialidade, apenas no caso de encontrar munição em residência, configura o crime do art. 12 da nova lei de armas. Se um cartucho de revolver, por exemplo, for encontrado num automóvel, é contravenção. Na casa é crime... O carro tem mais contato com o público, sendo a periculosidade maior... mas neste caso é contravenção!


Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.

Este artigo causará muita “dor de cabeça” para Oficiais da Polícia Militar e Delegados de Polícia. Imagine um Praça ou um Detetive, numa sexta-feira no final do dia, tendo que fazer uso de arma de fogo em via pública para conter um assalto a Banco ou revidar tiros de bandidos. Ele estaria cometendo o crime deste artigo. Teria que ser feito o competente Auto de Prisão em Flagrante, com a devida ratificação e encaminhamento ao juízo. O Juiz, se diligente, na segunda-feira, verificando a ocorrência de Estrito Cumprimento do Dever Legal, poderá remeter ao Ministério Público proposta de liberação. Este, se diligente, no outro dia, poderá opinar favoravelmente. A chefe da Secretaria, se diligente, poderá encaminhar no outro dia o Alvará de Soltura e colocar em liberdade o “guardião da sociedade”. São 05 dias presos, como numa Prisão Temporária. Duvido que ele volte a atuar em operações de rua. A sociedade perdeu um “soldado”. Sem se falar na repercussão que atingirá os outros agentes policiais.

A solução foi trazida através de artigo publicado no Jornal do Sindicato dos Delegados de Polícia de Minas Gerais (Jornal Mais, ed. Novembro/dezembro/2003, ano 2, n° 22, autor: Geraldo do Amaral Toledo Neto), enfatizando que o Delegado de Polícia é, antes de qualquer coisa, um operador do direito, capaz de solucionar este problema jurídico. Ora, só pode ser conduzido ao cárcere aquele que cometeu um crime. O crime é a conjugação do Fato Típico, Antijurídico e Culpável. O Policial que atirou em via pública no exercício de suas funções agiu com uma excludente de ilicitude, ou seja, em estrito cumprimento do dever legal. Sem Antijuridicidade não há de se falar em crime. Logo o Delegado de Polícia não pode ratificar o flagrante e prender o policial. Libera o conduzido e instaura o respectivo Inquérito Policial. Se não fosse assim o Delegado de Polícia não poderia assistir lutas de Boxe, Vale Tudo e até Futebol. Teria que prender todo mundo e esquecer da justificante Exercício Regular do Direito.


Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.

Isto quer dizer que, a contrario sensu, os demais crimes, como o porte ilegal de arma de fogo permitido admite a liberdade provisória. São inafiançáveis, mas admitem a liberdade provisória... O Estado libera com uma simples petição fundamentada, sem precisar pagar nada...


Art. 22. O Ministério da Justiça poderá celebrar convênios com os Estados e o Distrito Federal para o cumprimento do disposto nesta Lei.

Nada impede que a União celebre com as Policias Civis um convênio mantendo o controle destes sobre as armas, munições e explosivos de uso permitido, dentre outros contratos para o fiel cumprimento da lei. Cabe o lobby dos Chefes de Polícia Estadual.


Art. 23. A classificação legal, técnica e geral, bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos ou permitidos será disciplinada em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.

Necessita-se de nova regulamentação do que seja permitido ou restrito e a quantidade de munição que o particular poderá adquirir para a sua arma. Por enquanto mantém o Decreto 2.222 e atos normativos existentes.


Art. 25. Armas de fogo, acessórios ou munições apreendidos serão, após elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, encaminhados pelo juiz competente, quando não mais interessarem à persecução penal, ao Comando do Exército, para destruição, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas.

Parágrafo único. As armas de fogo apreendidas ou encontradas e que não constituam prova em inquérito policial ou criminal deverão ser encaminhadas, no mesmo prazo, sob pena de responsabilidade, pela autoridade competente para destruição, vedada a cessão para qualquer pessoa ou instituição.

Acabou o sonho dos policiais, em possuírem, por depósito, o forte e caro armamento apreendido de bandidos. As polícias, principalmente as Estaduais, não possuem recursos para se nivelarem aos grandes malfeitores do crime organizado. Estes possuem AR15, Uzzi, AK 47, etc. Os policiais perdem suas vidas segurando nas mãos o velho conhecido “treisoitão”.

Os Delegados de Polícia que apreenderem armas e estas não tiverem relação com o crime devem, o mais breve possível, encaminhar ao Comando do Exército, sob pena de responder sindicância administrativa ou até ação penal. Mais uma responsabilidade e mais uma tarefa não remunerada para o incansável “camelo sem água” conhecido por autoridade, mas tratado sem esta cordialidade por membros de outras instituições...


Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir.

Não é mais crime utilizar arma de brinquedo para cometimento de crime. Isto por que houve uma errônea interpretação e aproximação deste crime à extinta súmula 174 do STJ, que defendia o aumento da pena do crime de roubo se a arma fosse de brinquedo. Aqueles que conseguiram derrubar a Súmula acertaram em dizer que a arma de brinquedo causava um temor, uma grave ameaça à vítima do roubo. Ora, a grave ameaça já é elementar do crime de roubo, o que feriria a interpretação teleológica do legislador, seria um bis in idem. O aumento de pena só poderia ser exigido no tocante a lesividade que apenas a arma de verdade poderia provocar.

No que diz respeito a arma de brinquedo da Lei de Arma, não se pode fazer a mesma comparação. Imagine que uma pessoa chegue num bar e encontre seu inimigo bebendo. Ele aponta a arma de brinquedo e diz: “fique de joelhos”. Atendendo, leva um chute no rosto e desmaia. O rapaz da arma foge. Note que a arma de brinquedo não é elementar do crime de lesão corporal, nem aumenta ou qualifica a pena. Acontece que, sem a arma de brinquedo o inimigo poderia reagir, o que é direito de todos. Na lei antiga, o rapaz responderia por lesão e, em concurso formal, com crime de porte ilegal de arma de fogo. Hoje ele responde apenas por lesão leve, com T.C.O.

Mais uma vez o bandido foi beneficiado com as novas leis brasileiras...


Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso restrito.

Até que seja regulamentada esta lei, segue a lei antiga e os contratos estabelecidos. Logo, brevemente, poderá as Policias Estaduais perderem o direito de manterem suas pistolas .40 e 9mm. É um assunto que as Chefias Superiores devem tratar urgentemente.


Art. 28. É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II e III do art. 6.º desta Lei.

A lei antiga dava o direito aos maiores de 21 anos. Aquele que contraiu armas possui direito adquirido e, durante os prazos de adaptação à nova lei, pode manter sua autorização.


Art. 34. Os promotores de eventos em locais fechados, com aglomeração superior a 1.000 (um mil) pessoas, adotarão, sob pena de responsabilidade, as providências necessárias para evitar o ingresso de pessoas armadas, ressalvados os eventos garantidos pelo inciso VI do art. 5.º da Constituição Federal.

Parágrafo único. As empresas responsáveis pela prestação dos serviços de transporte internacional e interestadual de passageiros adotarão as providências necessárias para evitar o embarque de passageiros armados.

Os responsáveis por casas noturnas, shows, estádios de futebol e demais eventos de grande porte terão que contratar “seguranças” privados para revistarem os freqüentadores destes acontecimentos ou instalarem detector de metais na entrada. Isto também se estendem aos proprietários de empresas de ônibus ou similares. Nunca é tarde para lembrar que estes “seguranças” devem ter a dificílima e burocrática autorização da Polícia Federal. Viva a indústria dos Vigilantes!

Parece com aquela absurda e extinta obrigação do Código de Trânsito sobre o kit de primeiros socorros. Muita gente ganhou dinheiro fácil com a imposição. Será que foi proposital?


Art. 36. É revogada a Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.

Por enquanto só tem validade a regulamentação e os contratos vigentes, preservando, porém, os direitos adquiridos em “vacatio legis” com as regras temporais da nova lei.

Sobre o(a) autor(a)
Geraldo Toledo
Delegado de Polícia/MG - Pós Graduação PUC/SP - Mestrado PUC/CAMPINAS - Doutorando Universidad dela Republicam/Montevideo/Uruguay - Professor da PUC/MG.
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